Previdência paga pensão para quem sofreu com internação compulsória por hanseníase (Stephen J. Boitano/Getty Images)
Letícia Naísa
Publicado em 8 de outubro de 2018 às 20h46.
São Paulo — A Previdência Social paga cerca de 7,3 milhões de reais de pensão mensal para pessoas que tiveram hanseníase. Segundo dados do órgão, 5.715 pessoas recebem o benefício.
A pensão é paga àqueles que sofreram internação compulsória até 1986, quando a prática ainda era permitida no país. Em 2007, foi aprovada a Lei 11.520, que determinou um benefício vitalício mensal e intransferível a quem passou pela internação.
A pensão garantida pela lei não é igual ao auxílio-doença, que é concedido pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) a quem estiver temporariamente incapaz para o trabalho. “Para esse benefício, é preciso uma perícia médica que é agendada no INSS”, explica a advogada Silvana Andrade Spoton, especialista em direito do trabalho. “Ele tem um período pré-determinado de concessão, diferente da pensão especial.”
Quem faz o pagamento da pensão especial por hanseníase é o INSS, mas quem a concede é o Ministério de Direitos Humanos, que tem uma comissão para avaliar os pedidos administrativos.
Para consegui-lo, é preciso que o requerente prove que teve a doença e que passou pela internação compulsória até o ano determinado pela lei. O pedido é avaliado por profissionais de diferentes ministérios até ser aprovado.
“Muitas pessoas que foram acometidas pela hanseníase ficaram mutiladas”, afirma Érika Barreto Bastos, chefe de Divisão da Coordenação Geral da Comissão Interministerial de Avaliação do Ministério de Direitos Humanos. “Como o Estado segregou essas pessoas, elas não conseguiram se reinserir na sociedade, muito menos no mercado de trabalho, então o benefício é uma compensação”, explica.
Geralmente quem procura o benefício ficou com sequelas graves da doença. “São pessoas que ficaram com problemas de locomoção, cegueira, incapacidade de utilizar as mãos ou outras deformidades”, afirma Laila de Laguiche, médica dermatologista e membro da Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH).
Conhecida por muitos anos como lepra, a hanseníase é a doença bacteriana mais antiga que existe, segundo a dermatologista Laila. Ela se propaga pelo ar, mas apenas uma a cada dez pessoas a contrai quando entra em contato com a bactéria, diz a médica. “A pessoa tem que ter um perfil imunológico para contrair a doença, isso ainda está sendo estudado.”
A hanseníase também leva tempo para apresentar sintomas. O período de incubação da doença é de dois a sete anos, o que pode dificultar o diagnóstico e, consequentemente, atrasar o tratamento. “É uma doença que demora muito pra evoluir, demora anos para se desenvolver. Por isso, para o médico, é uma dificuldade, não temos o hábito de ver essa doença”, diz Laila.
Os sintomas incluem manchas brancas, marrons ou vermelhas no corpo, perda de sensibilidade térmica, tátil e à dor, dormência e fraqueza nos membros e câimbras.
A doença pode evoluir para diferentes graus, deixar sequelas no sistema nervoso e deixar o paciente incapaz. Erroneamente, existe a impressão de que a hanseníase não tem cura. O tratamento, no entanto, é feito com três tipos de antibióticos e tem duração de seis meses a um ano.
Apesar de ser uma doença que tem cura, ainda existe muito preconceito contra quem a contrai, dizem especialistas.
“Existe um estigma que começa com o próprio médico”, afirma Laila. “Às vezes até os profissionais de saúde têm preconceito e não querem trabalhar com doenças infecciosas, isso atrasa o diagnóstico”, diz.
Relatos da história e até mesmo da Bíblia classificam a doença como uma vergonha, o que ajudou a perpetuar o preconceito.
No fim do século XIX, o médico norueguês Armauer Hansen descobriu a bactéria causadora da doença, o que derrubou crenças religiosas sobre sua propagação. Hansen propôs o isolamento dos pacientes para conter a doença.
No Brasil, nos anos 1920, surgiram as colônias para abrigar os “leprosos”. Durante o governo de Getúlio Vargas, o Plano Nacional de Combate à Lepra determinou o isolamento compulsório dos doentes. Somente em 1976, a internação deixou de ser obrigatória, mas a prática continuou em vigor até 1987, quando um decreto determinou tratamento integral aos doentes, não mais a internação.
Em 1995, o termo “lepra” deixou de ser usado para combater o estigma em torno da doença e passou a ser usado o termo hanseníase.
Os pacientes, no entanto, continuam temendo o diagnóstico. “A primeira reação do paciente é negar, mas cabe aos médicos orientar e fazer o paciente entender que tem cura”, afirma a médica. “Não é uma ‘coisa feia’ ou horrível, mas curável.”