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Yascha Mounk: 'Precisamos reforçar nossos ideais democráticos, e não a polarização cultural'

Autor de 'O Povo contra a Democracia' veio ao Brasil para participar do Fronteiras do Pensamento e conversou com a EXAME sobre seu novo livro: 'Identity Trap'

Yascha Mounk: é um erro apostar em uma narrativa que favoreça a segregação, mesmo que com o intuito de proteger as minorias (NurPhoto /Getty Images)

Yascha Mounk: é um erro apostar em uma narrativa que favoreça a segregação, mesmo que com o intuito de proteger as minorias (NurPhoto /Getty Images)

Rodrigo Caetano
Rodrigo Caetano

Editor ESG

Publicado em 11 de julho de 2024 às 15h07.

Última atualização em 11 de julho de 2024 às 15h24.

Cientista político, autor e professor conhecido por seu trabalho sobre a crise das democracias liberais e o crescimento do populismo, Yascha Mounk tem um novo alvo para suas análises: as histórias que contamos às crianças. Em seu novo livro, The Identity Trap: A Story of Ideas and Power in Our Time ("A Armadilha da Identidade: Uma história de ideias e poder nos nossos tempos", numa tradução livre), Mounk descreve como narrativas antes marginais se tornaram mainstream por movimentos de direitos civis, e como elas estão reforçando justamente aquilo que buscam, em essência, refutar: a divisão.

Mounk nasceu na Alemanha e tem ascendência polonesa. Ele completou seu doutorado em Harvard e é amplamente reconhecido por suas análises sobre a política contemporânea e os desafios enfrentados pelas democracias ao redor do mundo. Um de seus livros mais notáveis é The People vs. Democracy: Why Our Freedom Is in Danger and How to Save It ("O Povo contra a Democracia: Por que Nossa Liberdade Está em Perigo e Como Salvá-la"), onde ele explora as causas do descontentamento popular com a democracia liberal e sugere possíveis soluções para fortalecer as instituições democráticas.

No Brasil para uma palestra no evento Fronteiras do Pensamento, o escritor conversou com a EXAME:

Levando em consideração o que aconteceu nos últimos 12 meses, tivemos uma guerra, Trump está voltando, como o senhor analisa o cenário na diplomacia global?

Parece ser um momento sombrio para o mundo, não apenas com as guerras em deterioração na Ucrânia e no Oriente Médio, mas também com a profunda polarização cultural das democracias, do Brasil aos Estados Unidos. E com a ascensão de políticos extremistas nas eleições legislativas francesas, os partidos tradicionais de centro-esquerda e centro-direita, assim como Macron, terão uma pequena minoria de assentos, entregando o país às mãos dos extremistas ou tornando-o completamente ingovernável. E por isso, acredito que este é um momento de desafios sérios, especialmente para os países democráticos.

O senhor disse recentemente em uma entrevista que o mundo atual é um lugar melhor do que era antes. No entanto, há uma dificuldade generalizada das pessoas em enxergar esse progresso. Por que isso acontece?

Eu acredito que esse é um quebra-cabeça fundamental não apenas deste momento político, mas das últimas décadas. A expectativa de vida melhorou significativamente em todos os continentes. A taxa de mortalidade infantil diminuiu drasticamente. O número de pessoas no mundo que não têm acesso a eletricidade, água e outros requisitos básicos para uma vida digna diminuiu. A classe média global é maior do que nunca. Todos esses são tremendos feitos humanos, baseados em grande parte em uma economia de livre mercado e em algum grau de provisão de bem-estar social. No entanto, quando você pergunta aos cidadãos em muitos países ao redor do mundo, eles estão profundamente pessimistas. Parte disso é por conta do viés de negatividade dos jornais em geral, e talvez mais especificamente, das redes sociais. Não é apenas que os jornais sempre seguiram o lema "se sangra, é manchete". Uma morte dramática é muito mais interessante jornalisticamente do que 10 vidas salvas por meio de um novo procedimento médico. Mas nas redes sociais, esse efeito é ainda mais potencializado, já que os 20% de notícias profundamente negativas em um jornal têm muito mais chances de se tornarem virais no Facebook, Instagram ou TikTok do que as histórias mais positivas. Acredito que também há um senso mais profundo de desorientação cultural e ideológica, um sentimento mais profundo de que, de alguma forma, as instituições democráticas não são capazes de atender às preferências dos eleitores, que as transformações culturais rápidas fizeram com que a elite em muitos países se afastasse completamente dos valores do povo e que, na maioria das vezes, países autocráticos como a China são mais eficientes e bem-sucedidos do que nossas democracias.

Nossos valores são, em suma, o que entendemos como cultura, ideais que seguimos sem pensar. Seu último livro fala sobre a armadilha das teorias de identidade de raça e gênero. A que se refere?

Eu acho que a natureza das histórias que contamos na sociedade mudou de uma maneira que me preocupa. Pelas histórias que costumavam ser contadas aos estudantes nas escolas nos Estados Unidos, eles aprendiam que houve muitas injustiças na história, e devemos levar isso a sério. Parte dessa injustiça era fazer as pessoas parecerem ter diferenças irreconciliáveis quando na verdade compartilhamos muita humanidade e muitos interesses em comum. Aprendiam que as sociedades prosperam quando reconhecem que têm coisas em comum além de quaisquer diferenças de cor de pele, origem étnica ou orientação sexual.

"A natureza das histórias que contamos na sociedade mudou de uma maneira que me preocupa"Yascha Mounk, escritor

Hoje, no entanto, em muitas escolas nos EUA, inclusive escolas primárias, os professores dizem que a cor da sua pele define profundamente quem você é. Se você tem a pele clara, você é um opressor, e se tem a pele mais escura, então você deve se ver como oprimido e desconfiar de qualquer pessoa que faça parte de um grupo dominante. Os professores chegam à escola e dizem que você está profundamente inseguro por causa do que seus colegas de classe podem dizer. E é por isso que durante parte da semana, precisamos separá-los em grupos racialmente segregados, porque apenas nesse contexto você pode estar seguro. Essas são as histórias que estamos contando e eu acredito que elas reforçam esse tipo de polarização cultural.

É importante para as minorias contarem seu lado da história. Para a comunidade negra é importante dizer que aquelas histórias sobre a formação dos EUA não são exatamente verdadeiras se excluem o papel da escravidão. Como se resolve essa dor de não se ver representado nas histórias?

Certamente, por um período da história americana, houve uma negação desses tipos de injustiças. E isso é verdade no Brasil também, país que, por muito tempo, teve uma concepção excessivamente lisonjeira de si mesmo como uma democracia racial em que a cor da pele não importava, o que obviamente é falso. Não estou encorajando uma visão falsa da história em que as pessoas sempre se deram bem ou algo assim. Mas eu acho que, de forma geral, houve duas tradições nisso que competem entre si. Em uma narrativa, todo país no mundo no passado foi profundamente injusto de formas importantes. Mas é graças aos nossos ideais democráticos que fomos capazes de avançar em direção a uma sociedade mais justa e equitativa. Não perfeita, mas certamente muito superior ao que era 150 ou mesmo 25 anos atrás. Essa é a história que pessoas como Frederick Douglass ensinaram nos Estados Unidos, um grande orador e estadista que foi anteriormente escravizado, e que quando foi convidado a falar aos seus compatriotas para marcar o Quatro de Julho (dia da independência americana), disse que eles eram hipócritas ao celebrar a ideia de que todos os homens são criados iguais, enquanto a escravidão ainda existia no país. Mas ao invés de desistir dos valores da declaração da independência e da constituição, você deveria perceber que deveria lutar para torná-los realidade. E é essa visão que também viu o intercâmbio cultural entre diferentes grupos como algo positivo, algo que nos permite desenvolver mais empatia uns pelos outros para superar a polarização cultural e fazer cidades como Rio, São Paulo, Nova York ou Los Angeles serem vibrantes nos dias de hoje.

E qual é a segunda narrativa?

Há uma segunda narrativa que costumava ser marginal, que costumava ser limitada a alguns ativistas políticos radicais ou teóricos acadêmicos abstrusos. Mas que tem sido aceita desde 2020, em particular, como a história natural do mundo. E essa história diz que os ideais democráticos e particularmente os valores universais não podem nos ajudar a avançar rumo à justiça. Prega que esses ideais são projetados para esconder a injustiça e se acostumar com isso e que o intercâmbio cultural, pelo qual aprendemos uns com os outros e nos inspiramos uns nos outros, não é um elemento positivo de nossas sociedades contemporâneas. Seriam, na verdade, uma forma preocupante de exploração cultural que precisa ser denunciada e interrompida. E o que é impressionante é que essas ideias, que de uma forma ou de outra existem há algum tempo, foram rapidamente adotadas como o conjunto de ideias mainstream incontroversas às quais deveríamos prestar lealdade. E eu acho que isso é um grande erro.

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