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Terra dos Invisíveis: população de rua em SP equivale a uma cidade e tem economia própria, diz ONG

SP Invisível coletou dados e depoimentos sobre a população em situação de rua na cidade de São Paulo; objetivo é formar plano de ação para pré-candidatos à prefeitura

ONG SP Invisível trabalha com acolhimento, alimentação e capacitação de pessoas em situação de rua (Kaio Shot/Divulgação)
Letícia Ozório

Repórter de ESG

Publicado em 9 de abril de 2024 às 14h37.

Última atualização em 10 de abril de 2024 às 16h07.

A população em situação de rua na capital paulista equivale a 31.884 pessoas, de acordo com o último censo, de 2021. Em números, essa quantidade é maior do que o total de habitantes em 89% dos municípios do Brasil. Se fossem unidos, seriam a 189ª maior cidade do estado de São Paulo.

Os dados, no entanto, não mostram como vive essa população, sem voz ou documentos, ignorada pelos cidadãos e tomadores de decisão. Esse foi o pensamento de André Soler, fundador da SP Invisível, ONG que atua há dez anos no acolhimento da população em situação de rua, quando idealizou o projeto Terra dos Invisíveis. Criada em parceria com a agência de dados iD\TBWA, a campanha considera que essas pessoas tão invisibilizadas nas ruas têm uma cidade “própria”, escondida em todas as regiões de São Paulo.

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Além do total expressivo de pessoas, a população de rua tem características de idade, sexo, raça, formas de ocupação e uma economia própria, pontos que caracterizam uma cidade, como aponta o diretor criativo da iD\TBWA, Sthefan Ko. A campanha surgiu como uma forma de levar a atenção dos paulistanos para essa situação. “Dentro dos 12 milhões de pessoas em São Paulo, 32 mil são uma minoria. Dá para fechar os olhos para uma minoria, mas não dá para invisibilizar uma cidade inteira. Assim surge a Terra dos Invisíveis”, conta.

A partir do site, é possível ver alguns dos principais pontos da capital paulistana apontados pela ONG como pertencentes a essa cidade invisibilizada: o Museu de Arte de São Paulo, Largo do Paiçandu, Pateo do Collegio, ao redor de estações de Metrô, próximos a condomínios de luxo, debaixo de pontes e escondidos em praças de todas as regiões.

A SP Invisível e a iD\TBWA levantaram dados do censo para trazer indicadores dessa população, como moradia, trabalho, saúde, alimentação e segurança, além de colher depoimentos de moradores de rua na região do Elevado Presidente João Goulart, o Minhocão. “Esses depoimentos serviram para ouvir suas realidades de forma diferente, a partir da necessidade de cada uma dessas pessoas. Entendemos melhor como a população de rua enxerga o que pode melhorar no dia a dia em cada área de sua vida e sua cidadania”, conta Ko.

Cidadania nas ruas

A união dos dados e depoimentos foi transformada em um plano de ação para a próxima prefeitura de São Paulo. A ONG tem se encontrado com os pré-candidatos da cidade e criado um diálogo sobre as necessidades encontradas em comum entre a população de rua.

“Esse plano de ação vem da vontade de dar espaço para a população dizer o que precisa, qual a opinião política de cada um deles e levar isso para os tomadores de decisão. Já que muitos não têm condições de votar pela falta de documentos e não conseguem acessar os espaços políticos, essa é a oportunidade de colocar sua opinião sobre o que São Paulo deve fazer por eles”, conta Soler.

O fundador da SP Invisível conta que chegar até os tomadores de decisão tem sido um processo desafiador. “Alguns dos pré-candidatos não querem receber a gente, outros não querem nem escutar. A gente gostaria que eles ouvissem o plano de ação e incorporassem isso em seus planos de governo. Seria uma quebra de paradigmas, porque nós conseguimos aproximar os dados das histórias, aproximar a realidade e a verdade sobre estar na rua — uma experiência que nem todos os candidatos conhecem e que é muito importante conhecer”, conta.

O plano de ação está disponível no site da SP Invisível e qualquer pessoa pode ler e baixar. De acordo com Soler, o objetivo é que o plano se torne um espaço de conhecimento para toda a sociedade civil que quer se aprofundar na causa da população da rua em São Paulo, principalmente após os anos da pandemia, que levaram ainda mais pessoas a situações de vulnerabilidade social e econômica. “O plano ainda serve para diminuir o preconceito social que muitos ainda têm com a população de rua. Ele é um mergulho na necessidade dessas pessoas e quem acessa pode entender mais politicamente a opinião de alguns deles”, conta.

“A gente acha que sabe a opinião dos moradores de rua sobre saúde, moradia, trabalho... Mas quando colocamos eles para responderem nas próprias palavras, a realidade é outra”, aponta Ko. “Para os políticos que receberem o plano de ação, é natural que vejam do ponto de vista de quem está sentado em uma cadeira em escritório, não em cima de um papelão na rua.

A campanha começou a ser formulada em agosto de 2023, mas foi alterada ao longo dos meses para ressaltar a questão política com a aproximação das eleições municipais, que acontecem em outubro deste ano.

Os “invisíveis” em números

O levantamento aponta que 83% da população na rua são homens e 16% são mulheres. Em sua maioria, são pardos (47%), seguido por brancos (25%) e pretos (23%). A média da idade é de 42 anos.

Quase 55% deste grupo em São Paulo chama de casa as moradias improvisadas, feitas de papel e papelão ou as barracas, que não protegem do frio intenso no inverno, das chuvas cada vez mais perigosas e da violência.

A maioria trabalha, seja coletando material reciclável, seja pedindo dinheiro nas ruas, com a venda de material ou em "bicos" de limpeza, construção, carga e descarga. Um quarto deles recebe comida a partir de organizações que distribuem esses alimentos. 76% já dormiram nos centros de acolhida e albergues.

Os problemas de saúde são comuns: 50% deles enfrentam doenças frequentes. A insegurança é relatada por 52%. A gritante maioria, de 92%, quer sair da rua. A SP Invisível segue arrecandado doações para ações de alimentação, capacitação e combate ao frio que todos os anos mata moradores de rua. “A gente quer buscar o impacto. Muitas pessoas passam pela rua, cruzam a calçada e não param para pensar o que a pessoa dormindo ali, no chão, está passando”, conta Ko.

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