Somos abelhas e voamos!
Percebi que empresas que precisavam contratar pessoas com deficiência estavam focando no cumprimento da lei e não no potencial e nas possibilidades de desenvolvimento das pessoas com deficiência, escreve Carolina Ignarra, CEO do Grupo Talento Incluir
Plataforma feminina
Publicado em 19 de março de 2024 às 10h00.
Por Carolina Ignarra*
Sabia que uma abelha não poderia voar? O princípio aerodinâmico da física contesta o fato de suas pequenas asas sustentarem seu grande corpo. Acontece que as abelhas não sabem disso e voam ainda assim.
Quando soube dessa informação, senti-me um pouco abelha. As crenças da sociedade diziam que eu não poderia, eu não conseguiria e diferente da abelha, eu sabia disso, só que não acreditei. E tive o privilégio de encontrar pessoas na minha carreira que também questionaram as crenças e apostaram em meu potencial .
Aos 22 anos em um acidente de moto me tornei uma pessoa paraplégica. Recém formada em Educação Física, eu trabalhava em empresas dando aulas de ginástica laboral. Três meses após o acidente, eu estava de volta ao trabalho, com a responsabilidade de entregar planejamento mensal de aulas, uma atividade que eu fazia em home office e no horário que eu pudesse.
Percebe a sensibilidade dessa volta? Uma atividade importante para a empresa e que respeitava minha formação, experiência, inteligência e o momento de reabilitação que eu estava vivendo. Dois anos depois, eu estava de volta às empresas dando aulas de ginástica laboral.
Vale enfatizar que estávamos no início dos anos 2000. E esse foi o primeiro momento que me senti “abelha”. Naquela época, a crença de incapacidade da pessoa com deficiência era ainda mais forte e presente em nossa sociedade, eu conhecia esse estereótipo e o ignorei. Vamos para cima, eu não acredito nisso!
Comecei a perceber que as empresas que precisavam contratar pessoas com deficiência cobradas pela Lei de Cotas (8.213/91) estavam focando no cumprimento da lei e não no potencial e nas possibilidades de desenvolvimento das pessoas com deficiência. Pensei: “posso ajudar as empresas contando a minha história para elas” e assim iniciei um negócio social, a Talento Incluir, que desde 2008 já apoiou a empregabilidade de mais de 9 mil profissionais com deficiência em mais de 650 grandes empresas no Brasil.
Nessa jornada empreendedora, tenho sociedade com a minha melhor amiga de infância, Juliana Ramalho, que assim como eu, é um pouco “abelha”. Mesmo ouvindo que engenharia não é coisa de mulher, ela se formou na Poli (USP), foi executiva em um grande banco, fez mestrado na Columbia University em NY, fundou e lidera a Talento Sênior, que é outra consultoria do nosso grupo e que inclui profissionais sêniores no mercado de trabalho. Quem segura duas abelhas voando lado a lado?
Foram muitos questionamentos em nossa trajetória: “vocês acreditam que vão ganhar dinheiro com inclusão?”; “e se a lei de cotas for derrubada no congresso?”; “empresas aposentam pessoas mais velhas, não querem contratá-las”; “será que existem pessoas com deficiência suficientes para oferecer para as cotas das empresas?”; e blá, blá, blá e a nós, como as abelhas, fomos no zum, zum, zum.
Resultado: hoje, o Grupo Talento Incluir - ecossistema da diversidade e inclusão, pioneiro no Brasil - fatura R$ 8,2 milhões e vem crescendo a cada ano. Consolidamos nossa atuação em três negócios de impacto social, todos comandados por mulheres: Talento Incluir, focada na empregabilidade da pessoa com deficiência; Talento Sênior, focada em continuidade de carreira para profissionais com mais de 45 anos e que está se tornando nossa aposta mais promissora em faturamento; e UinStock, primeiro banco digital e nacional para a produção e venda de imagens de diversidade da população brasileira.
Nosso negócio, desacreditado no passado, é sólido e reconhecido. O Grupo já foi premiado como Selo de Direitos Humanos e Diversidade, Selo Paulista de Diversidade e Prêmio Vozes da Mobilidade Estadão (do jornal O Estado de S.Paulo) , pela Talento Incluir Consultoria e com o Prêmio Sebrae Mulher de Negócios, pela Talento Sênior.
Na minha trajetória de “abelha”, tornei-me Top Voice no LinkedIn, estive entre as 20 mulheres mais poderosas do Brasil da revista Forbes e fui eleita a melhor profissional de Diversidade do Brasil pela revista Veja.
Os reconhecimentos são importantes para o mercado validar o nosso negócio, porque a gente sempre validou. Nós não precisamos dos títulos para acreditar no potencial do nosso propósito. E você pode estar se perguntando: “faturamento e reconhecimentos não motivam a Ju e a Carol?” Opa, motivam sim! O ponto é que não nos bastam. A equação: faturamento e reconhecimento somados ao propósito e impacto social é a nossa busca e não precisamos escolher um em detrimento do outro. E aí, que tal ser um pouco “abelha”?
*Carolina Ignarra é CEO e sócia fundadora do Grupo Talento Incluir, ecossistema que reúne 4 negócios sociais: Talento Incluir, Talento Sênior, UinHub e UinStock.