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Publicidade e ESG: por que as empresas precisam de campanhas com propósito

Comercial da Volkswagen com Elis Regina é mais sobre propósito do que sobre tecnologia, e vem de uma empresa que reconheceu sua participação na ditadura

Rodrigo Caetano
Rodrigo Caetano

Editor ESG

Publicado em 10 de julho de 2023 às 17h04.

David Foster, famoso produtor musical que ganhou 15 Grammys e trabalhou com artistas do calibre de Barbara Streisand, Whitney Houston, Maddona e Beyoncé, fez o que parecia impossível em 1991: ressuscitou Nat King Cole. Junto com a filha de Cole, Natalie Cole, ele inaugurou o segmento de “duetos virtuais”. Utilizando técnicas avançadas de masterização, Foster gravou o hit “Unforgettable” com as vozes do pai e da filha, o que rendeu a Natalie o primeiro de seus nove Grammys.

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No ano seguinte, aqui no Brasil, a cervejaria Brahma (pré-Ambev), promoveu o encontro de duas lendas da música brasileira, Tom Jobin e Vinicius de Moraes – Vinícius morreu em 1980. A reunião póstuma tinha o objetivo de promover o chopp da cervejaria. A polêmica, no entanto, se restringiu aos bares e aos almoços de família, como acontecia antes das redes sociais. Alguns acharam uma bonita homenagem outros, um desrespeito.

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Quem conhece o passado, não se surpreende com o fato de a Volkswagen promover, em um vídeo publicitário, o encontro de Maria Rita com Elis Regina. Nem em relação ao dueto póstumo, nem em relação a usar a imagem de uma artista morta em um comercial. Novidade, mesmo, é a qualidade da encenação. Com o uso de inteligência artificial, Elis parece viva, e o reencontro entre mãe e filha, mais do que virtual, ganha aspectos profundos de realidade – ou seria deepfake?

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Dessa vez, o debate se estabeleceu nas redes sociais. E é possível ter uma visão mais estruturada das reações. Mesmo entre os detratores, poucos negaram a emotividade do filme. Saindo dos extremos, no entanto, é difícil encontrar quem aprove a peça em sua totalidade, e a maioria reagiu negativamente à conexão entre dois artistas identificados com a luta contra a ditadura (Elis e Belchior, o autor da música) e uma empresa que confessadamente colaborou com o regime militar, inclusive denunciando seus próprios trabalhadores por “comportamento subversivo”.

Ditadura nunca mais

A polêmica seria amenizada, se o público soubesse que, em 2017, a Volkswagen reconheceu e se desculpou por sua participação nos crimes cometidos pela ditadura militar. Foi a primeira empresa a fazer isso no Brasil. A montadora admitiu ter facilitado a prisão de opositores do regime dentro de suas fábricas, no ABC Paulista, e utilizado seu departamento de Segurança Industrial para espionar trabalhadores. No final daquele ano, a VW inaugurou uma placa em homenagem aos trabalhadores perseguidos e se comprometeu a colaborar com organizações de defesa dos direitos humanos.

Essa reconciliação com o passado é que permitiu à VW, cinco anos depois, produzir um comercial com a música “Como Nossos Pais”, de Belchior. A letra fala sobre passado e futuro, sobre amizade, lutas, injustiças e liberdade. E celebra as mudanças.  A letra é otimista, apesar do tom resignado. Belchior é brilhante ao apontar as contradições das revoluções, que pregam mudanças para, em seguida, sucumbir ao conservadorismo diante de novas ondas reformadoras. Não é sobre isso que ele quer falar, no entanto. O artista privilegia a vida -- que é melhor que sonhar -- e se enche de esperança ao sentir, no vento, o cheiro da nova estação. O sinal pode estar fechado, mas o novo sempre vem.

Há um propósito na campanha da Volkswagen, que talvez não tenha ficado muito claro. A empresa se coloca como um agente de transformação, ao repaginar sua clássica Kombi com um motor elétrico e participar ativamente da transição energética. Dessa forma, ela conecta seu discurso a uma grande pauta global, a das mudanças climáticas. Ao esmiuçar seu passado e fazer uma reconciliação com seus erros, a VW dá outro recado: é uma empresa com raízes brasileiras e, como tal, evolui junto com o país. Também se conecta a um valor global e imprescindível, a democracia. Elis e Belchior, no final, venceram.

Talvez tenha faltado um pouco mais de assertividade na campanha, especialmente no que diz respeito à divulgação – a comunicação foi muito focada na tecnologia, algo que não é exatamente novidade, e pouca atenção foi dada à mensagem em si. Ou talvez essas conexões não tenham sido, de fato, a intenção da empresa. Pouco importa, na verdade. Em comunicação, a questão não é o que se diz, é o que se entende. E na democracia, cada um é livre para pensar o que bem entender.

Fazer campanhas conectadas a um propósito é o grande desafio da publicidade atualmente. O que torna a tarefa ainda mais complexa é que não há como se conectar a uma pauta sem se posicionar. Daí o receio das marcas em abandonar o institucional e abraçar a polêmica. Mas não há saída. A alternativa é a chatice, a insignificância e o esquecimento.

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