ESG

Por que Susan Segal, defensora do empoderamento feminino, se opõe às cotas?

Em entrevista exclusiva à EXAME, a presidente e CEO do Council of the Americas diz que cotas podem gerar julgamentos – e faz um chamado para que as mulheres acreditem mais em si

Susan Segal, CEO do Americas Society/Council of the Americas

Susan Segal, CEO do Americas Society/Council of the Americas

Gabriella Sandoval
Gabriella Sandoval

Editora de branded content

Publicado em 2 de julho de 2024 às 14h54.

Última atualização em 3 de julho de 2024 às 10h55.

Quando ingressou no mercado de trabalho, em 1976, Susan Segal era uma das poucas mulheres em um cargo de liderança no mercado financeiro. Mas só 20 anos depois ela se deu conta de que ganhava muito menos do que seus colegas homens. “Quando eu era uma jovem bancária, eu tive uma oportunidade – dada por homens –, porque eu sabia as respostas e estava fazendo um bom trabalho. Mas o meu salário não chegava nem perto do deles”, lembra.

Desde 2003 como presidente e CEO do Americas Society/Council of the Americas (AS/COA), entidade sediada em Nova York e que tem como missão promover fóruns para debater oportunidades nas Américas, Susan se dedica com afinco à defesa da igualdade de gênero e o empoderamento feminino.

No mês passado, a AS/COA promoveu, em São Paulo, o Women’s Hemispheric Network, uma conferência sobre o protagonismo do Brasil no G20 – e o impacto da agenda global na vida e na carreira das mulheres.

De seu escritório em Nova York, Susan falou com exclusividade à EXAME ao lado de Ragnhild Melzi, vice-presidente de programas de Políticas Públicas e Relações Corporativas da AS/COA. Confira:

EXAME – De onde surgiu sua paixão pelo tema empoderamento feminino?
Susan Segal - Eu vim de uma época na qual as mulheres não eram remuneradas de forma equitativa e não tinham tantas oportunidades quanto os homens. Por isso, acredito fortemente em aproveitar minha experiência e os anos que trabalhei para dar mentoria a mulheres jovens. Elas são igualmente qualificadas e merecem a oportunidade de subir ao topo. Mesmo nos Estados Unidos, as mulheres ainda ocupam só 25% dos cargos de conselho e 5% das posições de CEOs. Então, realmente chegou a hora de mudar.

E quais são os maiores desafios das mulheres no mercado de trabalho?
Mudar é sempre desafiador. É desafiador criar um ambiente onde as pessoas estão mais confortáveis com as pessoas que elas já conhecem. Quando há um ambiente que não é inclusivo, é muito mais fácil continuar com ele. Sair da caixa e fazer algo diferente é o principal obstáculo para a mudança.

As cotas seriam uma solução?
Eu não gosto de cotas por uma razão: você não deveria precisar de cotas para conhecer a diversidade. Não acho que as mulheres devam estar nessa posição porque as que ocupam essas posições são igualmente qualificadas – e não gosto da ideia de você estar criando um ambiente onde um homem possa dizer que a única razão pela qual uma mulher está em um conselho ou foi promovida seja por causa de cotas. Acho que há muitas maneiras de promover mudanças sem o uso de cotas, como por exemplo, para cada vaga aberta entrevistar um número igual de homens e mulheres. É preciso ter equipes diversas que realmente entrevistem as pessoas para que você possa ter uma discussão real sobre os candidatos. De forma transitória isso até pode funcionar, mas a longo prazo simplesmente não funciona.

As empresas têm ideia das  vantagens de um ambiente de trabalho diverso?
Os resultados do negócio falam por si. Organizações que têm mais diversidade têm melhor desempenho em termos de ganhos e valorização das ações. As empresas e o setor público que não abraçam a igualdade estão enganando os acionistas e os próprios cidadãos.

“Acho que há muitas maneiras de promover mudanças sem o uso de cotas, como por exemplo, para cada vaga aberta entrevistar um número igual de homens e mulheres”
Susan Segal

Alguma história que a tenha marcado durante a jornada profissional?
Eu sempre tentei fazer o melhor que eu podia, trabalhar tão duro quanto eu podia, e ser tão criativa quanto eu podia. Quando eu era uma jovem bancária, eu tive a oportunidade dada por homens, porque eu sabia as respostas e estava fazendo um bom trabalho. Mas eu não ganhava nem perto do que meus colegas homens ganhavam. A parte interessante é que eu só percebi isso 20 anos depois. 

Quem a inspira nessa luta pelo empoderamento feminino?
Todas as jovens mulheres que querem sair e ter uma carreira de sucesso, não importa o que façam, seja nos negócios, no governo, nas artes, nas organizações sem fins lucrativos. Estou vendo tantas meninas jovens agora realmente abraçando a matemática e a ciência e percebendo que podem ser tudo o que querem ser. E isso é extremamente importante.

Qual é o principal propósito da Women’s Hemispheric Network, conferência que vocês promoveram no final de junho em São Paulo?
A Women’s Hemispheric Network começou há mais de 12 anos com Michelle Bachelet e a ex-primeira-dama do México, Margarita Zavala, para tentar capacitar as mulheres e criar uma rede que as ajudasse a permanecer na força de trabalho, especialmente após se casarem e terem filhos. Ainda há muitas pressões familiares para que as mulheres fiquem em casa. E em muitos países as mulheres para alcançarem o sucesso precisam de um homem na família; um marido ou parceiro que esteja disposto a assumir parte da responsabilidade em casa. E então achamos que este seria um espaço interessante para nós ajudarmos as mulheres através de exemplos de outras mulheres bem-sucedidas contando suas experiências. A mensagem que queremos deixar é que elas podem ser bem-sucedidas fazendo o que as faz feliz; mesmo que isso signifique ficar em casa. Isso também é aceitável. As mulheres precisam ter a oportunidade da escolha.

“Ainda há muitas pressões familiares para que as mulheres fiquem em casa”
Susan Segal

EXAME – E como foi o evento em São Paulo?
Ragnhild Melzi – Foi super especial porque foi o primeiro ano do novo grupo de trabalho do G20 intitulado empoderamento das mulheres – e isso mostra que estamos progredindo. Ana Fontes (fundadora da Rede Mulher Empreendedora) é representante do Brasil no Women 20 (W20) desde que Angela Merkel a convidou, em 2017. Tivemos durante os painéis discussões em torno da economia do cuidado e da luta contra a violência de gênero em todas as suas formas. São questões que impactam milhões de mulheres. Tivemos líderes da indústria compartilhando suas histórias pessoais e isso inclui Cristina Palmaka, CEO da SAP para a América Latina; Luciana Abreu, CEO para América Latina da Mars; e Priscilla Oliva, da American Tower.

Outra coisa que foi realmente excepcional foi que tivemos Tarciana Medeiros, presidente do Banco do Brasil, em uma conversa com Cassiana Fernandez, do J.P. Morgan. E ficamos muito animadas em conhecer Tarciana. Ela é uma mulher inspiradora por causa de seu histórico, pela importância do Banco do Brasil no país, e pelo trabalho que ela está desenvolvendo com com pequenos empresários na área de agricultura e sustentabilidade. Então, ficamos honradas por tê-la ao lado de cerca de 140 mulheres de todas as áreas e níveis corporativos. Foi um dia muito emocionante para todos nós.

Há algo especial que tenha chamado sua atenção no Brasil?
Ragnhild Melzi – O mais importante sobre a força de trabalho feminina no Brasil é que vocês estão mais avançados do que a maioria dos outros países da América Latina. Vocês têm mais mulheres em posições de liderança do que alguns de seus concorrentes, como o México, por exemplo. Ainda há muito a fazer em termos de aumentar a presença de mulheres negras na força de trabalho. E Rachel Maia acho que é a única mulher negra que ocupa cargo em conselhos. Então, ainda temos um longo caminho a percorrer. E isso mostra por que conferências como a que tivemos em São Paulo continuam a ser importantes, porque precisamos fazer muito mais. Vocês têm mais mulheres em posições sênior em relação a outros países, mas precisam de mais integração racial.

“O Brasil tem mais mulheres em posições de liderança em relação a outros países, mas precisa de mais integração racial”
Susan Segal

Qual o impacto do G20 na participação de mulheres nos mercados de trabalho?
É muito cedo para vermos esse impacto, mas saber que o W20 (um dos grupos independentes do G20 Social focado em promover a equidade de gênero e o empoderamento econômico das mulheres) está sendo reconhecido como um grupo oficial e que todos os líderes estão apoiando é muito importante para a causa. Se as pessoas não estiverem cientes de que esses problemas existem, não haverá mudanças. 

Poderia nos dar alguns exemplos de empresas que estão trabalhando de forma genuína para levar mais diversidade ao mercado de trabalho?
Acho que todas as empresas realmente estão trabalhando para combater isso, mas eu vou te dar um ótimo exemplo: no J.P. Morgan, mais de 50% da equipe de liderança de Jamie Dimon, se não me engano, são mulheres. Temos o Citibank, cuja CEO é uma mulher – aliás, Jane Fraser é incrível. E, voltando ao JP Morgan, algumas das pessoas que estão sendo cotadas para a sucessão são mulheres. Só o fato de o maior banco dos Estados Unidos, quiçá do mundo, ter metade de sua equipe de liderança formada por mulheres é realmente extraordinário.

Que conselho você daria às jovens mulheres no Brasil?
Faça o melhor que você puder. Fique feliz em fazer o melhor que você puder, mas não desista; apenas continue. Outro conselho que dou às jovens mulheres no Brasil e em qualquer lugar é sempre dizer para si “sim, eu posso”. Se seu chefe perguntar ao seu colega homem, “Você consegue fazer isso?”, ele vai dizer “sim, claro”. Já a mulher dirá “eu não sei; não tenho tanta experiência”. Então, tenham confiança e simplesmente digam “sim, eu posso fazer isso” – e vocês descobrirão que podem fazer as coisas tão bem quanto qualquer homem.

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