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Pesquisas nos oceanos podem gerar tratamentos para tumor e leishmaniose

Programa voltado para estudos sobre Atlântico Sul e Antártida, lançado pela Fapesp, vai investigar o potencial marinho; as atividades que envolvem os oceanos movimentaram US$ 1,5 tri em 2022

Escassez: apenas 1,7% dos gastos em pesquisa no mundo são relacionados a assuntos marinhos (Getty Images)

Escassez: apenas 1,7% dos gastos em pesquisa no mundo são relacionados a assuntos marinhos (Getty Images)

Agência Fapesp
Agência Fapesp

Agência de notícias

Publicado em 5 de abril de 2024 às 11h34.

Última atualização em 5 de abril de 2024 às 11h46.

A chamada economia azul, que abrange as atividades que envolvem o oceano, movimentou US$ 1,5 trilhão em 2022. Ao mesmo tempo, apenas 1,7% dos gastos em pesquisa no mundo são relacionados a assuntos marinhos.

“No Brasil, essa proporção é 60 vezes menor. Estamos atrás de outros países e precisamos prestar atenção à economia azul”, alertou Wagner Valenti, professor do Centro de Aquicultura da Universidade Estadual Paulista (Caunesp), durante a apresentação do Programa para o Atlântico Sul e a Antártida (Proasa), lançado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) em evento realizado nesta terça-feira, 2, e quarta-feira, 3. O programa tem como parceiros iniciais a Argentina e a França.

Um dos exemplos de potencial econômico para o Brasil, citado pelo pesquisador, são os compostos bioativos presentes em organismos marinhos, que têm a possibilidade de serem usados pelas indústrias farmacêutica e de cosméticos, para mencionar apenas duas. Alguns desses organismos podem ser capturados durante a pesca de espécies de interesse comercial.

“Cada quilo de camarão pescado, por exemplo, gera 10 quilos de peixes e invertebrados que morrem e são descartados no oceano. Um grande desperdício. É uma grande quantidade de biomassa da qual podem ser extraídas biomoléculas”, exemplificou.

Luiz Felipe Domingues Passero, professor do Instituto de Biociências da Unesp, campus do litoral paulista, apresentou seus estudos explorando justamente esse potencial. Seu grupo isolou um novo composto de uma alga (Cystoseira baccata), que se mostrou bastante ativo contra o parasita causador da leishmaniose sem ser tóxico para as células humanas.

Outra alga estudada (Laurencia aldingensis) contém pelo menos três compostos promissores contra glioblastomas, um tipo de tumor no cérebro, em uma dose muito menor do que a droga mais utilizada no tratamento disponível.

“Apesar de a Antártida ser um ambiente biodiverso, poucos estudos foram produzidos ao longo dos anos sobre a sua diversidade molecular. O clima extremo [da região] pode pôr os organismos sob pressão, o que pode trazer classes especiais de compostos”, ressaltou.

Importância

O Atlântico Sul e a Antártida são estratégicos para avaliar uma série de questões ambientais e sociais. No entanto, há muito mais estudos e dados disponibilizados sobre o Atlântico Norte. Equalizar essa disponibilidade de dados é um dos desafios do Proasa.

“São necessários pontos de monitoramento de longo prazo em locais sentinela no Atlântico Sul, que requerem infraestrutura física e capacidade [para operar os instrumentos]”, exemplificou César de Castro Martins, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP).

Essa é apenas uma das informações necessárias para que se tenha um oceano resiliente. Segundo Cristiana Simão Seixas, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Universidade Estadual de Campinas (Nepam-Unicamp), o programa de pesquisas deve levar em conta que o oceano é um sistema socioecológico, que exige boa governança e o engajamento de múltiplos atores na construção ou mesmo na coprodução de conhecimento para a tomada de decisões.

“É preciso que se faça as coisas de forma diferente, saindo de nossas zonas de conforto e expandindo nossas visões”, pontuou Seixas, uma das organizadoras do livro Governança, Conservação e Desenvolvimento em Territórios Marinhos-Costeiros no Brasil.

Para Viviana Alder, pesquisadora do Instituto Antártico Argentino e professora da Universidade de Buenos Aires, o estudo da Antártida é uma grande oportunidade, uma vez que é um exemplo de governança e de cooperação internacional bem-sucedida, em uma região sem igual para o entendimento de processos e do funcionamento de ecossistemas e, portanto, ideal para repensar medidas de ação e gerar soluções inovadoras.

“Numa escala global, é a região menos poluída, com menos de 1% da área afetada, e com espécies invasoras sob controle. Ao mesmo tempo, em 2023, o gelo marinho atingiu os níveis mais baixos já registrados. Isso tem implicações críticas para o clima global”, afirmou.

Colaborações

Alexander Turra, professor do IO-USP e coordenador do Proasa, lembrou que o Brasil está construindo parcerias com a França em diferentes áreas há um longo tempo. “Essa parceria vai além da ciência, mas deve ser enraizada nela. No ano que vem teremos o ano bilateral Brasil-França, em que vamos fazer coisas importantes juntos. Mas será também o Ano dos Oceanos na França e, no meio de 2025, teremos a Conferência dos Oceanos, em Nice. No fim do ano [que vem] teremos a COP30 em Belém, no Brasil”, lembrou.

O embaixador da França no Brasil, Emmanuel Lenain, declarou que o lançamento do novo programa “é uma grande iniciativa para proteger a ciência antártica e reforçar a agenda do oceano na região” e que os temas das mudanças climáticas e da proteção da biodiversidade foram questões centrais no encontro entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Emmanuel Macron na semana anterior. (Por André Julião)

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