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Pausa para reimaginar

"Por mais doloroso que seja este exercício de olhar com olhos de ver, ele é o primeiro passo para reconhecermos as nossas vulnerabilidades como sociedade e preparar um terreno fértil para dar forma e voz às nossas esperanças", escreve Daniela Grelin

"Que esta potência de recriar e agir a partir de um novo olhar sobre os antigos fatos, nos reabilite a merecer um novo ano" (Nadia/Getty Images)
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Da Redação

Publicado em 25 de dezembro de 2022 às 08h02.

“O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê. É preciso transver o mundo.” Manoel Barros

Quando o poeta Manoel Barros nos convidou a ‘transver’ o mundo, conseguimos pela sua genialidade nomear (e, portanto, redescobrir) esta potencialidade da imaginação, habilitadora da criatividade, que por vezes fica adormecida, imobilizada sob o peso das urgências pragmáticas. Podemos invocar esta aptidão tão humana todos os dias, tornando-a uma disciplina, mas a verdade é que só às vezes nos permitimos acioná-la e o fim de ano costuma ser o momento mais propício para fazê-lo.  O poeta aponta um caminho: ver, rever e transver.

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Mas o que, precisamente, estamos propondo como foco do nosso exercício? Sugiro aplicar esta aptidão para um mundo em que as mulheres possam ser, agir e desabrochar.  Comecemos por ver, com olhos renovados, com atenção e sensibilidade humana, os dados recém-publicados de violência contra a mulher no Brasil, rever o nosso papel na construção de uma sociedade que consiga de fato evitar o (perfeitamente) evitável, e reimaginar o caminho até lá.

Olhemos com atenção os dados recém-publicados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública[1], lembrando que por trás de cada número, existe uma vida, ou melhor muitas vidas, pois cada uma delas é filha, talvez irmã, amiga, mãe, enfim, uma alma humana cuja vida e dignidade deveriam ser invioláveis. No primeiro semestre de 2022 foram mortas 699 mulheres, uma média de 4 por dia, recorde absoluto desde 2015, quando a Lei do Feminicídio instituiu a morte por motivo de condição de mulher como agravante, e o Brasil começou a contabilizar oficialmente os registros.

Por mais doloroso que seja este exercício de olhar com olhos de ver, ele é o primeiro passo para reconhecermos as nossas vulnerabilidades como sociedade e preparar um terreno fértil para dar forma e voz às nossas esperanças.

Como segundo passo, proponho rever, com memória crítica, o contexto no qual nos deparamos com este indesejável recorde.  Para ficarmos em apenas um indicador, bastante revelador, basta dizer que a União direcionou 94% menos recursos para as políticas específicas de combate à violência contra a mulher do que nos quatro anos imediatamente anteriores[2], segundo dados do INESC, disponíveis no Portal Siga Brasil. Se o orçamento é instrumento que concretiza as prioridades de uma administração, percebe-se que a vida das mulheres, na prática, embora não na retórica, foi sendo invisibilizada.

Mas este espaço pretende ser um convite a uma reimaginação radical, tão humana e criativa que pegou emprestado o nome inventado, o “transver”. Se houvesse um dicionário de neologismos, talvez o ‘transver’ pudesse ser assim definido:

Transver: verbo transitivo. Ato ou disciplina de ver além das nossas limitações, além da nossa cegueira deliberada, insensível e desatenta. Ver junto, ver de novo, com olhar humano e demorado. Ver o que é possível. Contemplação imaginativa.

Aplicado sobre este nosso antigo flagelo, tão familiar que quase deixamos de vê-lo, ele nos levaria a algumas possibilidades para os próximos quatro anos, compilada pelo Instituto Avon, nas seguintes prioridades:

Que esta potência de recriar e agir a partir de um novo olhar sobre os antigos fatos, nos reabilite a merecer um novo ano.


[1]Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública: https://forumsegurança.com.br

[2] Fonte: Fonte: Inesc, com base em dados do Portal Siga Brasil

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