Outra globalização é possível após a covid? Sim, para esses economistas
A crise de saúde não levou à "desglobalização" desejada por alguns, mas a ultraglobalização agora está sendo travada por Estados que querem recuperar parte de sua soberania industrial
AFP
Publicado em 22 de março de 2021 às 14h24.
Última atualização em 13 de abril de 2021 às 18h06.
A crise de saúde não levou à "desglobalização" desejada por alguns, mas a ultraglobalização agora está sendo travada por estados que querem recuperar parte de sua soberania industrial, segundo economistas entrevistados pela AFP.
Antes do surgimento da covid-19, o processo de globalização — sinônimo de deslocalização industrial e de desemprego em massa — foi alimentado pela pandemia que começou na China e se espalhou por todo um planeta interconectado.
Depois, a escassez de alguns bens vitais — máscaras, respiradores — pegou inúmeros países de surpresa, que passaram a tomar ciência de sua dependência da China.
Seria possível dizer, como afirma o ex-ministro da Economia francês Arnaud Montebourg, que a "desglobalização está em andamento" devido a esta crise?
"Hoje não vemos uma desglobalização. Vemos uma desaceleração dos fluxos comerciais durante os confinamentos, mas que foi consequência da paralisação da produção, e não das cadeias de valor mundiais", opina Cécilia Bellora, economista no Centro de Estudos Prospectivos e de Informações Internacionais (Cepii).
Em 2020, as transações comerciais caíram "apenas" 9,2%, segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC), que estima uma recuperação de 7,2% em 2021.
Inesperadamente, "o comércio dos produtos mais integrados nas cadeias de valor foi o que menos caiu, ao contrário do que aconteceu em 2008", afirma Bellora.
De fato, a crise atual afetou "mais os serviços do que [ o setor ] manufatureiro". Em 2008, os problemas do setor bancário privaram as empresas de "créditos para comercializar".
Golpe do Brexit
Isabelle Méjean, professora na França da Escola Politécnica, dá o exemplo do setor automotivo, no qual apesar das atuais tensões na oferta de semicondutores, a produção não parou de forma duradoura, ainda que "10.000 componentes" produzidos nos quatro cantos do mundo entram na fabricação de um veículo.
Para esta economista, o Brexit representou um "golpe muito mais duro" que o vírus para a Europa, devido à importância do Reino Unido e sua grande integração nas cadeias de valor.
Em janeiro, as exportações britânicas para a UE caíram 41%, enquanto as importações procedentes da Europa retrocederam 29%.
Para o ex-diretor da OMC Pascal Lamy, a crise da covid-19 revelou "as virtudes e os defeitos desta globalização".
Por um lado, "vimos a produção científica de uma vacina em tempo recorde". Por outro, Lamy lamentou "a velocidade de propagação desta epidemia e o fato de que não temos uma governança para enfrentar este tipo de ameaça".
Para ele, "esta crise vai mudar o modo da globalização: não haverá uma desglobalização, mas sim uma mudança de globalização, com os Estados que terão mais influência nas decisões econômicas".
"Carbono e comércio"
Esse já é o caso. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, criticou as "inaceitáveis" dificuldades que colocaram os profissionais da saúde em risco no ano passado, e assinou no final de fevereiro um decreto para sujeitar as cadeias de suprimentos americanas de bens "essenciais" a uma verificação rigorosa .
Essa análise poderia gerar realocações nos Estados Unidos, país muito dependente da China que é um grande produtor de 'terras raras' — nome genérico de um grupo de 17 elementos químicos de uso em várias indústrias de alta tecnologia.
Já a Comissão Europeia multiplica os anúncios para reforçar a soberania tecnológica da Europa contra a China e os Estados Unidos.
Para Isabelle Méjean, a globalização pós-covid também deve "unir as questões do carbono e comércio" já que "importamos boa parte de nossa poluição".