Novos estudos reacendem debate sobre eficácia do ESG, diz Financial Times
Os fundos ESG apresentaram desempenho melhor na pandemia do que os tradicionais. Porém, há quem diga que isso não teve nada a ver com o conceito
Rodrigo Caetano
Publicado em 29 de agosto de 2020 às 10h58.
É fato que os fundos seguidores dos princípios ESG estão bombando. Em meio à pandemia, essa indústria chegou à marca histórica de 1 trilhão de dólare s em patrimônio, segundo levantamento da Morningstar. A premissa básica desse tipo de investimento é que, ao considerar os diversos aspectos socioambientais da atuação de uma empresa, o investidor seleciona as companhias mais eficientes e se protege de externalidades.
Durante a pandemia, empresas e fundos ESG, em diversos mercados globais, demonstraram maior resiliência aos efeitos recessivos da covid-19. Um levantamento feito pela BlackRock, maior gestora de ativos do mundo, aponta que 94% dos produtos de investimento sustentáveis, seguidores dos princípios ESG, tiveram performance melhor do que seus pares, no primeiro trimestre deste ano.
Novos estudos, porém, jogam dúvidas sobre o real motivo que levou determinadas empresas a apresentar desempenho acima da média durante a crise. Um levantamento feito por Marty Fridson, CIO da gestora americana Lehmann Livian Fridson Advisors, divulgado pelo jornal Financial Times, questiona a relação entre ESG e resiliência na crise.
O ponto levantado por Fridson diz respeito à derrubada das ações de petróleo, que, por consequência, fortaleceram o desempenho dos fundos que não investem nesse tipo de companhia, caso da totalidade dos fundos ESG. Mas, segundo o investidor, a motivação para a queda do setor petroleiro não foi a migração para as energias renováveis, mas sim a derrubada brutal do preço da commodity.
Em artigo assinado pelo editor Robert Armstrong, o Financial Times também foi duro em sua crítica ao ESG e, especialmente, ao capitalismo de stakeholder, modelo que coloca o interesse das partes impactadas pelas empresas (stakeholders) acima do lucro e dos interesses imediatos dos acionistas. Armstrong escreveu que o apelo “dúbio” do conceito serve apenas para “ingênuos”.
“Mesmo os melhores líderes corporativos não consideram o fim dos dias. Eles fazem escolhas baseados no que conseguem prever com algum grau de confiança”, afirmou Armstrong. “Dessa forma, é óbvio que os interesses de acionistas e stakeholders podem ser conflituosos. Se não fosse o caso, haveria menos demissões sendo anunciadas e menos poços de petróleo sendo perfurados.”
Os defensores do ESG argumentam que essas dúvidas fazem parte do processo. No final das contas, o ponto central da ideia está na falência do modelo voltado ao lucro, como apregoava Milton Friedman. O próprio Armstrong, em sua crítica ferrenha, admite que, quando as empresas colocam o retorno ao acionista em primeiro lugar, inevitavelmente fracassam.
Outra questão é analisar as empresas e os investimentos ESG apenas sob a ótica financeira. É positivo para a indústria apresentar desempenho acima da média, porém, esse não deve ser o único motivo para investir em companhias responsáveis. “Se formos pensar, essa coisa de ‘bombar’ tem a ver com nosso zeitgeist. Numa pandemia, todos nós queremos algo mais humano, justo, acessível e igualitário. Mas, isso não garante que as empresas ou os investidores entrem de maneira idônea. Praticar o ESG não é tão simples”, afirma Juliana Machado, especialista em fundos de investimento da Exame Research.
Para Machado, os fundos ESG estão indo melhor porque filtram a capacidade coordenada da empresa de atuar de forma sistêmica. “É sobre economia de custos, eficiência de gastos, um ecossistema mesmo”, afirma Machado. “No fim, a preocupação socioambiental se reflete em empresas mais eficientes e, consequentemente, valiosas.”