ESG

Patrocínio:

espro_fa64bd

Parceiro institucional:

logo_pacto-global_100x50

Na corrida da IA, empresas aceleram para transformar Brasil em hub de data centers verdes

Com energia renovável abundante e projetos bilionários de IA, país atrai gigantes da tecnologia; No entanto, especialistas ouvidos pela EXAME alertam para entraves regulatórios

Projeto Scala AI City, em Eldorado do Sul (RS), é a primeira cidade de data centers de IA (Divulgação)

Projeto Scala AI City, em Eldorado do Sul (RS), é a primeira cidade de data centers de IA (Divulgação)

Sofia Schuck
Sofia Schuck

Repórter de ESG

Publicado em 24 de dezembro de 2025 às 08h00.

Eldorado do Sul (RS), uma cidade inteira projetada para inteligência artificial. Tamboré (SP), onde se ergue o maior campus de data centers da América Latina. E, no Porto do Pecém (CE), o primeiro data center do TikTok na América Latina, anunciado como o maior do Brasil em capacidade energética.

Em diferentes regiões do país, empresas aceleram investimentos bilionários para transformar o Brasil em um hub global de data centers verdes e apostam na abundância de energia renovável como vantagem competitiva na corrida mundial da IA.

“O Brasil tem uma oportunidade única de unir transição energética, infraestrutura digital e competitividade global. Poucos países no mundo conseguem combinar esses três fatores ao mesmo tempo”, resume Camila Ramos, fundadora da consultoria CELA Clean Energy, em entrevista à EXAME.

O boom da inteligência artificial trouxe um desafio extra. Data centers dedicados a essa tecnologia consomem até dez vezes mais energia do que os tradicionais voltados para o armazenamento em nuvem.

Um levantamento do MIT Technology Review Brasil projeta que o consumo de eletricidade dos data centers brasileiros vai mais do que dobrar até 2029, saltando de 1,7% para 3,9% da demanda nacional e superando o consumo da iluminação pública.

É justamente nesse contexto que o Brasil emerge como destino estratégico. O trunfo começa pela energia: em 2024, fontes renováveis responderam por cerca de 90% da matriz elétrica brasileira, colocando o país entre os líderes globais em geração limpa.

Para operadores globais pressionados por metas climáticas e compromissos ESG, isso representa uma redução imediata da pegada de carbono quando comparado a mercados como Estados Unidos, Europa e Ásia, ainda fortemente dependentes de fontes fósseis.

Especialistas ouvidos pela EXAME são unânimes. O Brasil gera mais energia do que consome. Hoje, o consumo de todos os data centers do país representa apenas 1,5% da energia utilizada nacionalmente.

Mesmo com o crescimento projetado para 3,9% até 2029, o setor permanecerá dentro de patamares sustentáveis, considerando a capacidade instalada e os projetos aprovados de energia eólica e solar.

Além da matriz limpa, o país avançou em tecnologias que atacam outro ponto crítico. O alto consumo de água.

Enquanto data centers tradicionais ao redor do mundo demandam grandes volumes hídricos para refrigeração, as instalações mais modernas no Brasil operam com circuito fechado de água ou até mesmo sem utilizar o recurso, apostando em líquidos refrigerantes alternativos.

“Não é só uma questão ambiental e sim de competitividade econômica”, reforça Camila Ramos.

A corrida bilionária pela infraestrutura digital

A disputa é global, e os números ajudam a explicar a pressa. Os investimentos ligados à inteligência artificial somaram US$ 252,3 bilhões em 2024, alta de quase 50% em relação ao ano anterior, segundo o AI Index Report 2025, da Universidade de Stanford.

Projeções mais otimistas indicam que esse total pode chegar a US$ 456 bilhões em 2026.

No Brasil, o movimento acompanha essa escalada. O setor de data centers deve receber US$ 11,4 bilhões em investimentos até 2026, de acordo com a Brasscom, impulsionado pela demanda crescente por computação em nuvem, IA e processamento de dados em larga escala.

Nesse cenário, o país entra de vez no radar de empresas de tecnologia, operadores de data centers e investidores institucionais.

“Há um diferencial não apenas pelo tamanho do mercado, mas pela capacidade de alinhar crescimento digital, segurança energética e compromissos ESG em um mesmo território”, destacou a especialista da CELA.

Empresas aceleram expansão com sustentabilidade

A Scala Data Centers exemplifica essa transformação. Fundada em 2020, em plena pandemia, a plataforma já opera 13 data centers na América Latina, sendo 11 no Brasil, além de outros sete em construção.

Em apenas cinco anos, a companhia se consolidou como líder no segmento hyperscale, atendendo grandes provedores de nuvem como Amazon, Google, Microsoft e Oracle.

Em entrevista à EXAME, Christiana Weisshuhn, VP de Marketing e ESG da Scala, conta que a empresa nasceu sob a expectativa de que o mercado de data centers de IA explodiria na região.

“Todo o nosso progresso enquanto sociedade e o que utilizamos da economia digital roda em data center, e nós da Scala sempre pensamos da forma menos onerosa possível para o planeta”, afirmou.

Desde a fundação, a operação é 100% abastecida por energia renovável e, em 2021, a empresa conquistou a neutralidade de carbono. Outro diferencial é o uso de diesel verde nos geradores de backup.

O avanço da IA acelerou ainda mais os planos. Em 2024, a Scala lançou o projeto Scala AI City, em Eldorado do Sul (RS), a primeira cidade de data centers de IA.

Com investimento inicial de R$ 3 bilhões, o empreendimento ocupará uma área de 7 quilômetros quadrados em uma das regiões mais afetadas pelas enchentes históricas no Rio Grande do Sul.

Quando totalmente desenvolvido, o complexo terá capacidade de 4,75 GW, volume de energia superior ao consumo de todo o estado do Rio de Janeiro. A primeira fase prevê mais de 3 mil empregos diretos e indiretos.

Em paralelo, avança a expansão do Campus Tamboré, em São Paulo. Com investimentos de R$ 6,2 bilhões, o complexo já é o maior campus de data centers da América Latina.

Ao final, serão 17 prédios e capacidade total de 600 MW, o equivalente ao consumo energético de Brasília.

A Ascenty, líder do mercado latino-americano, também está em plena expansão. A companhia, que iniciou operações em 2012 com seu primeiro data center, soma hoje 38 unidades: 25 em operação e 13 em construção, distribuídas por Brasil, México, Chile e Colômbia. Do total, 20 estão em solo brasileiro.

"Toda nuvem tem um CEP e esse CEP é um data center. Não existe nuvem flutuando no ar", exemplificou à EXAME. Segundo o executivo, o Brasil é solo fértil para investimentos bilionários pois traz segurança com a matriz renovável e custo competitivo.

Além disso, o especialista garante: os data centers estão longe de serem "vilões ambientais" como a maioria gosta de pregar.

"Isso pode ser uma verdade em outros países. Mas aqui, os dados mostram exatamente o contrário", disse. Desde 2024, a Ascenty opera seus data centers com 100% de energia renovável e todos utilizam tecnologia de ponta para não consumir água.

O campus de data center em Vinhedo, que é o maior em operação na América Latina, é o retrato desta eficiência hídrica: consumiu 2,82 milhões de litros de água, um volume suficiente para abastecer somente 16 residências brasileiras com quatro moradores por um ano, considerando o consumo médio diário de 117,5 litros por pessoa calculado pelo IBGE.

Ascenty

Data Center em Vinhedo (SP) é o maior em operação na América Latina (Divulgação)

"Já era uma preocupação que nós tínhamos quando o ESG nem era pauta, está no nosso DNA", destacou.

Além dos data centers, a companhia opera 4 mil quilômetros de fibra óptica, a maior parte subterrânea, conectando os principais pontos de entrada de cabos submarinos no país.

O maior projeto anunciado no Brasil é do TikTok

No Ceará, a Casa dos Ventos protagoniza um dos projetos mais ambiciosos em escala do setor: um complexo de data centers para o TikTok no Porto do Pecém que será abastecido exclusivamente por energia renovável de novos parques eólicos e solares e teve a licença aprovada.

Fernando Elias, diretor de Relações Institucionais da Casa dos Ventos, explicou à EXAME que a empresa não está utilizando energia existente do sistema para fornecer eletricidade para este data center. 

[grifar]O modelo é pioneiro. Enquanto a maioria dos projetos consome energia já disponível na rede, a Casa dos Ventos vai construir usinas específicas: um conceito que a empresa chama de "energia nova". E a decisão é estratégica: preservar o preço da conta de luz para o consumidor brasileiro.

"Se você pegar todos os data centers de alta capacidade no Brasil hoje, dá 600 megas. Só o nosso projeto Fase 1 e Fase 2 são 900", dimensiona Fernando. "Para atender essa demanda, nós vamos investir mais de R$ 32,4 bilhões em novas usinas no Nordeste."

O complexo, que terá quatro data centers, representará um investimento total de R$ 150 bilhões, sendo R$ 50 bilhões só na primeira fase, em parceria com o Pátria Investimentos e o TikTok.

A estrutura terá capacidade de 1,5 GW de energia renovável e deve começar a operar em 2027, gerando mais de 21 mil empregos diretos.

A escolha do Ceará não foi casual. "Fortaleza é a segunda cidade mais conectada do mundo. Além disso, tem uma zona livre de imposto. E o Nordeste hoje exporta energia renovável para o resto do país", afirmou o executivo. "Desenvolvemos esse projeto num ponto estratégico com 17 cabos submarinos que chegam até o local", completou.

No projeto do Porto do Pecém, a refrigeração também segue padrões sustentáveis, com uso de ciclo fechado e consumo de apenas 30 m³ de água por dia, o equivalente a 72 residências ou 0,045% da demanda de Caucaia.

O potencial inexplorado de "powershoring"

Uma das apostas mais ousadas das empresas é transformar o Brasil em exportador indireto de energia limpa por meio do processamento de dados, em um conceito conhecido como "powershoring".

Segundo Christiana, da Scala, o projeto de cidade de IA já está sendo projetado para atrair cargas internacionais. "Podemos processar aqui dados para bigtechs americanas", exemplificou.

Fábio Yanaguita, diretor de Energia da Scala, complementou que "é uma oportunidade para o Brasil inverter a lógica de exportar matéria-prima e comprar valor agregado".

Marcos da Ascenty explica que a inteligência artificial tem dois momentos. O treinamento, onde a linguagem está aprendendo, e esse dado não precisa estar próximo aos usuários. E a inferência, que é o que consumimos e neste caso, precisa estar mais próxima.

"Temos potencial para ser um hub de data center para treinar os dados do mundo inteiro", frisou.

Gargalos regulatórios ameaçam o potencial

Apesar das vantagens competitivas, o Brasil enfrenta desafios regulatórios que podem acelerar ou frear a consolidação como hub global.

O principal avanço é o Redata (Regime Especial de Tributação para Serviços de Data Center), medida provisória que reduz drasticamente a carga de importação de servidoresde 38% para praticamente zero.

"Isso tem um impacto muito positivo para atrair investimentos. O nível de ânimo das empresas americanas e asiáticas com o Brasil é muito grande", descreveu o especialista da Ascenty.

No entanto, a votação da medida inicialmente prevista para dezembro de 2025, foi adiada para fevereiro de 2026. Seu conteúdo da medida provisória será incorporado ao PL 2338/2023, que regulamenta a inteligência artificial no Brasil e já tramita na Câmara dos Deputados.

O Redata estabelece contrapartidas ambientais rigorosas: só será possível usufruir dos benefícios tributários se o data center operar com 100% de energia renovável e não usar água.

Além disso, a medida obriga que 2% de todo investimento seja direcionado para pesquisa e desenvolvimento no país. "Isso é ótimo para que o Brasil seja autossustentável a longo prazo do ponto de vista de tecnologia", avaliou Marcos.

O atraso legislativo tem consequências. Enquanto o Congresso não avança, investidores internacionais aguardam sinais claros, deixando projetos bilionários represados. O Brasil compete diretamente com Chile e Argentina pela instalação de grandes data centers na região.

"O Chile oferece terreno sem pagar imposto por 10 anos e a Argentina oferece água abundante e gelada no hemisfério Sul", comparou o especialista ao citar o grande risco de perder mercado caso o governo brasileiro não se mova rapidamente para resolver as políticas públicas. 

Rafael Pellon, advogado especializado em direito digital e regulação de tecnologias, elenca as lacunas mais preocupantes.

"Precisamos de movimentação e clareza do Congresso sobre o que falta fazer do Redata e principalmente do Ministério do Meio Ambiente para criar balizas do que seria o licenciamento ambiental de data center", afirmou à EXAME. "Não temos como escapar dessa obrigatoriedade de criar porque já estamos atrasados", completou.

Pellon destaca que a interação com os três níveis de governo permanece complexa na hora de construir as infraestruturas digitais -- e trava o processo.

"Há uma série de burocracias: é preciso falar com a prefeitura para comprar um terreno e pagar IPTU, com o Estado porque vou comprar equipamentos que vão pagar ICMS e preciso consumir fontes de energia renováveis disponíveis", disse ao lembrar que nem sempre a região de implementação tem rede de distribuição para a demanda, especialmente no Nordeste.

A falta de um licenciamento ambiental específico para data centers é um entrave. "Não existe uma lei específica. É uma promessa não concluída", afirmou o advogado. E complementou: "Corre o risco de termos regras diferentes para cada cidade em meio a falta de clareza".

Lei do setor elétrico ameaça competitividade

Um problema regulatório adicional surgiu em novembro de 2025, com a aprovação da Lei 15.269 (conversão da MP 1204), que reformulou aspectos do setor elétrico. Especialistas do setor avaliam que a legislação, ao invés de resolver problemas crônicos, agravou a situação das energias renováveis.

"A lei, além de não resolver a questão dos cortes de geração, agravou ainda mais a expansão de fontes limpas. É um paradoxo completo", criticou Fernando Elias, da Casa dos Ventos.

Desde 2024, usinas eólicas e solares conectadas na rede básica vinham sofrendo cortes de geração da ordem de 15% em média e algumas chegaram a ter redução de 40% a 60% de sua capacidade. A nova medida mantido esse cenário e sinalizado "incentivos para termelétricas", segundo o executivo.

"Nós estávamos com muita expectativa de resolver isso de forma definitiva. Mas a lei dá um sinal negativo para renováveis e muito positivo para termelétricas", lamentou ele.

"Quando você encarece um recurso de um mercado que é global, ele procura outra geografia", complementou ao citar a medida como um entrave para atrair novos data centers no Brasil.

No entanto, Fernando deixa claro que a medida não irá impactar no já em curso projeto com o Tik Tok no Nordeste e seria algo para se preocuparem em relação aos novos que possam surgir daqui para frente.

Perspectivas para 2026

Com a aprovação do Redata e as condições favoráveis de sustentabilidade, as empresas apostam que 2026 marcará a virada.

"Eu estou muito animado e confiante que no primeiro trimestre teremos excelentes novidades", projeta Marcos. "Quando falamos de data centers para inteligência artificial, estou falando muitas vezes de investimentos de bilhão de dólares e empresas estrangeiras injetando no país".

O contexto internacional reforça a urgência brasileira. O número de data centers no Brasil já cresceu mais de 600% em dez anos, e o território nacional concentra atualmente 40% dos investimentos do setor na América Latina, conforme o Brazil Datacenter Report.

Segundo projeção da Scala, a demanda por data centers cresce de sete a dez vezes com a IA, o que posiciona o Brasil não só para atender o mercado local, mas também para exportar soluções de data centers mais sustentáveis. 

Com matriz energética limpa, sistema de transmissão interligado, clima favorável em diversas regiões, um mercado digital em expansão e agora com incentivos fiscais em implementação, o Brasil reúne condições raras no cenário global.

A janela de oportunidade está aberta, agora resta ao país destravar os entraves regulatórios e consolidar sua posição como hub verde de data centers para o mundo.

Conheça os projetos

Scala Data Centers
• Maior campus da América Latina em Tamboré (SP)
• Expansão de R$ 6,2 bilhões e até 600 MW
• Projeto Scala AI City em Eldorado do Sul (RS), com foco em IA e energia 100% renovável

Casa dos Ventos + Tik Tok
• Data center no Porto do Pecém (CE)
• Anunciado como o maior do Brasil
• Primeiro data center da bigtech na América Latina

Acompanhe tudo sobre:ESGSustentabilidadeClimaMudanças climáticasEnergia renovávelInteligência artificialData center

Mais de ESG

Eco Invest encerra 2025 com R$ 14 bilhões para projetos sustentáveis e novos leilões a vista

Revista Science elege energias renováveis como avanço científico de 2025

Banco Mundial e Caixa investem US$ 500 milhões para acelerar ônibus elétricos no Brasil

Turismo sustentável: crescimento recorde impulsiona economia e resiliência climática