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Montanhas de lixo nas ruas e no mar viram pesadelo para moradores de Cuba

Ativistas tentam minimizar modelo falido de coleta e limpam o fundo do mar; sem peças por causa do embargo americano, caminhões doados pelo Japão estão parados

Riscos: salários baixos e falta de equipamento desestimulam quem trabalha na coleta de lixo (AFP Photo)
AFP

Agência de notícias

Publicado em 28 de agosto de 2024 às 13h57.

Com uma rede repleta de latas de cerveja e lixo em um braço e suas nadadeiras em outro, o mergulhador Reinier Fuentes emerge das águas cristalinas de uma praia de Havana , um reflexo do problema de acúmulo de lixo que afeta a capital cubana.

Fuentes, presidente de uma organização que ajuda a limpar o leito marinho no litoral de Havana, somou-se, em meados de agosto, à convocação da Comissão Cubana da Unesco para a coleta voluntária do lixo em Guanabo, praia da periferia urbana.

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Assim como em outras praias da cidade, Guanabo costuma ficar repleta de latas eplástico durante os dias de verão, quando os moradores a buscam para mitigar o calor.

O problema "é que na praia há empresas que se dedicam a limpar (...), mas no fundo do mar não há ninguém fazendo isto, exceto os ativistas voluntários ", diz Fuentes à AFP com as pequenas ondas batendo em seus pés.

O acúmulo de metais atualmente é abundante e o maior desafio na zona costeira, admite a chefe de recursos naturais e mudanças climáticas de Havana, Solvieg Rodríguez.

No entanto, o verdadeiro pesadelo é percebido à medida que se adentra nesta metrópole, que acumula diariamente mais de 30.000 metros cúbicos delixo, sete mil a mais do que há um ano, segundo dados oficiais.

Sujeira e mosquitos

Montanhas de resíduo sólido misturadas ao lixo orgânico liberam odores fétidos e atraem nuvens de moscas em algumas esquinas do município de Cerro, no centro do país.

"Minha cozinha dá para o mesmo depósito de lixo, tenho que ficar cobrindo tudo porque senão, o que comemos é sujeira e mosquitos. Os percevejos sobem pelas paredes", diz à AFP Lissette Valle, dona-de-casa de 40 anos que mora em frente a um depósito em uma rua deste município.

Precariedade: cubanos tentam minimizar problemas e recolhem lixo de praia em Havana (AFP Photo)

O mau cheiro das águas residuais que transbordam dos encanamentos, debaixo dos sacos que os moradores jogam diretamente na rua por falta de lixeiras chega até o terceiro andar, onde fica seu apartamento.

Segundo dados da Direção Provincial de Serviços Comunais, Havana dispõe de apenas 57% dos equipamentos - entre eles cem caminhões - para coletar o lixo gerado na capital, que tem 2,1 milhões de habitantes.

Doados pelo Japão, estes veículos "começaram a apresentar avarias" em 2023. A empresa que vendia as peças de reposição foi embora e, devido ao embargo americano, é impossível conseguir insumos para seu reparo, explicaram as autoridades locais ao jornal estatal Granma, em uma reportagem publicada em julho.

"Tem um tema que está nos castigando: o combustível ", disse ao jornal Miguel Gutiérrez Lara, encarregado de supervisão e inspeção em Havana, referindo-se à forte escassez de gasolina que afeta a ilha desde 2023.

"Quase todos foram embora"

Gutiérrez se queixou da falta de trabalhadores devido aos baixos salários e assinalou que pelo menos cinco dos 15 municípios de Havana não têm coordenador para a coleta de lixo.

"Quase todos foram embora", confirma um gari de 30 anos, que prefere não revelar seu nome e garante não ter sequer luvas para fazer seu trabalho.

"A gente se expõe a uma bactéria" por um salário mínimo, que em Cuba equivale a 17 dólares mensais (cerca de R$ 93, na cotação atual), lamenta o homem, sem os dentes da frente e com a pele curtida pelo sol. "O que tem nas ruas é um lixão", exclama, antes de partir, empurrando lentamente seu desconjuntado carrinho de lixo.

Segundo a imprensa local, as autoridades contrataram um serviço privado para fazer o trabalho neste município. A AFP pediu informações, mas não obteve resposta.

"Isto saiu do controle", as doenças "se propagam (...) Isto está cheio de mosquitos", diz Jesús Jiménez, inspetor de prevenção de doenças, de 61 anos, preocupado com o contágio da oropuche, uma doença que chegou em maio e é transmitida pela picada destes insetos, assim como a dengue. A capital cubana tem três grandes lixões a céu aberto.

Para Dulce Buergo, presidente da Comissão Nacional Cubana da Unesco, parte da solução passa por maior cidadania. "Se a gente vai à praia com quatro sacolas, deve ir embora com quatro sacolas, ainda que a quarta seja de lixo", afirma a mulher, que chefia uma campanha de limpeza em Guanabo, uma iniciativa que se quer ampliar para toda a faixa costeira da cidad e.

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