ESG

Financiar a conservação da Amazônia é firmar uma parceria com a sociedade

Para José Otavio Passos, diretor da TNC Brasil, o protagonismo de governos estaduais e empresas na proteção da Amazônia é uma boa notícia

 (Andre Deak/Flickr)

(Andre Deak/Flickr)

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Da Redação

Publicado em 22 de novembro de 2021 às 18h22.

Última atualização em 24 de novembro de 2021 às 11h32.

José Otavio Passos*

É mais do que clara a importância da Amazônia brasileira para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. O Brasil é lar de 65% do bioma, que abriga uma em cada dez espécies do mundo, armazena 86 bilhões de toneladas de carbono, o equivalente a 40 anos de emissões brasileiras. Apesar de sua importância, a Amazônia está ameaçada como nunca esteve e se aproxima de um ponto crítico.

Dados divulgados recentemente pelo Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) mostram que em 2020, na contramão do mundo que reduziu as emissões de gases de efeito estufa (GEE), o Brasil aumentou as emissões em 9,5% e o principal responsável por esse aumento foi manejo inadequado do solo, sendo o desmatamento responsável por 46% do total dessas emissões. Esses dados acendem um alerta e além de prejudicar a imagem e protagonismo do Brasil nesta agenda podem comprometer os investimentos externos no país.

Diante da urgência e necessidade de promover um desenvolvimento que valoriza a biodiversidade, a floresta em pé e fomenta uma economia de baixo carbono, o estado do Pará deu, recentemente, a largada na meta de captar 300 milhões de reais para financiar medidas voltadas para o combate do desmatamento e ao incentivo à conservação da floresta. Anunciado na COP25, o Fundo da Amazônia Oriental (FAO) voltou à programação do evento nesta COP26, agora, como estudo de caso.

O objetivo desse fundo privado com finalidade pública é atrair recursos de doadores públicos e privados ao longo dos próximos quatro anos. O primeiro aporte foi feito no início de outubro deste ano. O Instituto Clima e Sociedade (iCS) investiu 1 milhão de reais logo após o Funbio ter sido selecionado e formalizado como entidade gestora em outubro deste ano.

Essa possibilidade de arrecadar novos recursos para a agenda ambiental vem em boa hora. No orçamento público, o meio ambiente sempre competiu com áreas essenciais para a população, como saúde, educação e segurança. Mas os desafios ambientais são crescentes a cada dia e já não se restringem apenas aos interesses de governos e sociedade. Mercados e investidores já entenderam a importância de reduzir riscos e investir em economia verde por meio de instrumentos financeiros que sejam parte da estratégia de proteção da Amazônia. A vantagem disso é que recursos privados podem ser usados com mais agilidade, autonomia e critérios distintos daqueles que regem o orçamento público.

Nesse contexto, é uma boa notícia o protagonismo de governos estaduais na tentativa de viabilizar recursos e ações de forma mais independente. Sem dúvida, continua a ser fundamental o papel do governo federal ao estabelecer orçamento, repassar recursos e reduzir a carência financeira e de pessoal em órgãos como Ibama, Funai, ICMBio, e Polícia Federal. No entanto, desde que o Fundo Amazônia foi interrompido, há mais de dois anos, a articulação dos governos estaduais se intensificou e, hoje, há uma forte interlocução com partes interessadas do setor privado e financeiro, sociedade civil e governos de todo o mundo.

Os governos da Amazônia Legal têm muito a contribuir para um novo modelo de desenvolvimento focado na economia de baixo carbono e produção sustentável. Uma opção interessante é a implementação de políticas públicas que incentivem a recuperação de áreas degradas com restauração ou melhoria do manejo. O incremento da produtividade e renda que pode ser obtido, tanto por pastagens bem manejadas quanto pela implantação de sistemas agroflorestais, aumenta o incentivo para conservação da floresta e, consequentemente, reduz a motivação para abertura de novas áreas para a produção agropecuária.

O mercado de carbono e o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) são outros importantes instrumentos. O primeiro esteve entre os principais temas da COP26, que trouxe a regulamentação do Artigo 6 sobre mercado de carbono, o que vai contribuir para ampliar as estratégias e ações com vistas às reduções de gases de efeito estufa (GEE).

No caso do Brasil, a mudança no uso da terra responde por 24% das emissões de GEE, e o Pará concentra 34% da área total desmatada no país. Para enfrentar essa questão e cumprir a meta de emissões líquidas zero até 2035, o estado paraense precisa reduzir o desmatamento significativamente nos próximos anos, chegando a praticamente 1/4 das taxas atuais.

E o Fundo da Amazônia Oriental, como mecanismo público-privado, pode ser um importante indutor desse processo, ao tentar atrair investimentos para suporte às ações que buscam estabelecer de forma sistêmica soluções eficientes para o combate ao desmatamento e a transição para um modelo de desenvolvimento de baixo carbono.

Exemplos desses investimentos incluem o fomento de cadeias de valor mais sustentáveis, como a agropecuária regenerativa; o processamento de dados fundiários e ambientais com o uso de tecnologia inovadora; e investimentos em infraestrutura verde necessários para liberar o potencial da sociobioeconomia da Amazônia, incluindo os povos indígenas, quilombolas, extrativistas e comunidades tradicionais, e salvaguardando seus direitos.

A visão de aliar governança territorial a financiamento nasceu do diálogo, entre diversos setores, do qual a The Nature Conservancy (TNC), organização sem fins lucrativos que atua há mais de 20 anos na Amazônia, fez parte. Desde 2020, a TNC tomou a decisão de centrar seus esforços no bioma no estado do Pará, uma das regiões mais estratégicas para a conservação das florestas tropicais no mundo, também em razão da alta importância em biodiversidade e carbono e possibilidade de inspirar novos níveis de engajamento e apoio, contribuindo para a escalabilidade de soluções. O estado concentra sozinho 9% delas, no entanto, figura como líder no ranking de emissões de gases de efeito estufa e de desmatamento no Brasil.

Mas, com a implementação do FAO, o Pará pode se colocar à frente em outras estatísticas, desde que equacionadas algumas questões relacionadas ao Fundo. A captação de recursos e a aplicação em projetos que permitam a transição para um modelo econômico de baixo carbono são de suma importância, assim como a operacionalização do mecanismo, para o qual conta-se com a experiência e longo histórico do Funbio. Metas claras de aplicação dos recursos, que vão além das reduções de desmatamento e emissões de GEE; participação diversa de setores da sociedade; e salvaguardas que deem transparência e efetividade à gestão também são cruciais para potencializar a iniciativa.

A mudança é possível e esperamos que a chegada de novos financiadores e da governança, que virá a reboque para a execução desses recursos, sejam mais um passo para essa transição.

*José Otavio Passos é diretor da TNC Brasil na Amazônia e atua na estruturação e coordenação das ações de conservação, em parceria com governos, setor privado e sociedade civil.  

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