Dia da Mulher Negra: evento debate como empresas podem ajudar a combater desigualdades
3º Fórum Pacto das Pretas teve participação de Tarciana Medeiros, presidente do Banco do Brasil, e outras executivas negras que batalham para aumentar a diversidade na liderança das corporações
Repórter de ESG
Publicado em 26 de julho de 2024 às 18h05.
Última atualização em 26 de julho de 2024 às 18h39.
Ser confundida com a secretária, assistente ou empregada dos espaços que frequenta. Apesar de ser qualificada, não receber as promoções e pagamentos devidos. Ser a única em salas cheias de homens brancos. Ter suas ideias descartadas e minimizadas. Ser invisibilizada nas empresas, na cultura, na política, apesar de representar a maioria da população. Ser chamada de “louca” ou “agressiva” após dar uma opinião. Ser julgada ou ridicularizada pelo tamanho de seus lábios, pelo formato do seu corpo e o estilo e texturização doscabelos. E quando denunciar as violências diárias, ser descredibilizada. Ter sua saúde, física e mental, impactada por causa de um sistema que penaliza o que se é de dentro para fora e de fora para dentro: uma mulher negra.
O dia 25 de julho, data que celebra o Dia das Mulheres Negras, latino-americanas e caribenhas, motiva todos os anos discussões sobre as dificuldades que essa parcela de 27% da população brasileira enfrenta para participar ativamente da economia e do mercado de trabalho.
As informações se relacionam diretamente com a participação em empregos: quanto mais tempo dedicado ao cuidado dos filhos, pais e da casa, menos tempo para se capacitar ou ocupar um posto no mercado de trabalho. Como as mulheres ainda são vistas como as principais responsáveis pelo trabalho doméstico, a participação delas na força produtiva é de 53,3%, enquanto a dos homens é de 73,2%.
A qualidade dos empregos também é inferior para mulheres negras: 45% dos trabalhos que assumem são informais, ou seja, não contam com garantistas ou acesso aos direitos trabalhistas. Na comparação com homens brancos, a diferença é de quase 15 pontos percentuais, com 30% de informalidade.
3º Fórum Pacto das Pretas
Essa discussão foi tema do 3º Fórum Pacto das Pretas, organizado pelo Pacto de Promoção da Equidade Racial. Os painéis e aulas realizados conectaram economia, trabalho, saúde e política com as vivências de mulheres negras. O evento foi realizado na Avenida Paulista, maior centro econômico da América Latina, e contou com a cobertura da EXAME.
A abertura do evento foi feita por Isabel Fillardis, atriz, cantora e embaixadora do Pacto de Promoção da Equidade Racial. Durante o evento, Isabel cantou músicas de grandes artistas da cultura afrobrasileira, como Alcione, Elza Soares e Sandra de Sá. Claudia Perazio, gerente de recursos humanos da ADP, e Thais Nascimento, coordenadora de diversidade e inclusão da GIFE, foram responsáveis pela apresentação do evento e mediação dos painéis.
Tarciana Medeiros, presidente do Banco do Brasil, deu início às aulas e painéis. Durante seu discurso, Medeiros contou sobre a importância de quebrar a imagem do que é “política” para que cada vez mais mulheres entendam que seus direitos, deveres e atuação social passa por ser político. “A partir desse momento entendemos nosso papel na formulação de políticas públicas e organizacionais. Podemos conviver, negociar, conciliar interesses e dialogar. Tudo isso é nosso papel político”, conta.
Medeiros ainda explica que, na política pública, mulheres negras são uma minoria subrepresentada. “Mulheres são metade da população e negros são mais de 60% do país. Mesmo assim, não conseguimos atingir a cota de 30% nos partidos, já que ela não é observada como a lei pede”, conta.
Em entrevista exclusiva à EXAME, a presidente contou que ser a primeira mulher na direção do Banco do Brasil em mais de 200 anos também significa poder representar todos os marcadores sociais que acompanham sua vida e carreira. “Sou mãe, mulher, negra, nordestina e homossexual. Já que ocupo um espaço majoritariamente masculino, quero poder representar isso no conselho e em toda a liderança. Só assim vai ser possível devolver para a população, na medida correta, tudo o que precisa ser entregue”, explica.Ela explica ainda que o Banco instituiu suas metas de diversidade e inclusão a serem cumpridas até 2025, 2027 e 2030. “É um planejamento de atingimentos de índices com curto, médio e longo prazo. Pretendo executar a ação e deixar esse legado de estratégia corporativa para inclusão e diversidade no Banco do Brasil”, pontua.
A presidente contou durante sua palestra sobre dois projetos do Banco do Brasil que buscam incluir mulheres negras na economia. O Projeto Memória Lélia Gonzalez – nome que remete a uma das principais pensadoras do feminino negro brasileiro – busca levar letramento antirracista para educadores, gestores e coordenadores de práticas pedagógicas. O investimento da Fundação Banco do Brasil neste projeto é de R$ 3,5 milhões. Outra ação é o cartão Ourocard Raízes, que busca incentivar projetos e negócios de líderes negros.
Luana Ozemela, vice-presidente de impacto social no iFood, também contou sobre os avanços da empresa para combaterdesigualdades socioeconômicas. “Desde 2019, passamos de 28% de mulheres líderes para 46%. Entre pessoas negras, tínhamos 14%, taxa que hoje chega a 22% de líderes. Mas não é o suficiente: não podemos deixar as pretas para trás”, contou.
Em seu painel, Ozemela explicou que para melhorar a realidade, as empresas precisam começar a encarar os fatos brutais: ir além dos números e assegurar também que os ambientes de trabalho se baseiem na equidade, desde salários até promoções. À EXAME, a executiva explica que quando empresas olham para mulheres negras, grupo que mais teve desenvolvimento educacional na última década, tratam de uma geração de talentos que está sendo subutilizada.
Ozemela ainda aprofundou sobre a atuação do iFood na inclusão financeira dos entregadores, ponta mais vulnerável da cadeia de valor. “Temos uma estratégia sólida já iniciada na trajetória de impacto social do iFood, e as ações educacionais com entregadores vão ser escaladas. Já temos 5 mil entregadores que se formam no ensino médio ao ano, o que traz mais renda para suas famílias também. Isso impacta positivamente ainda a autoestima e dignidade desses profissionais, que são 70% negros”, conta.
Impactos do racismo e machismo na saúde
A saúde física e mental de mulheres negras também foi tema de um painel durante o Pacto das Pretas. Segundo Keilla Martins, especialista em diversidade e inclusão da Aegea,parte do trabalho das empresas em garantir melhorias na saúde dessa população passa por promover ambientes acolhedores e seguros, em que elas não sejam “a única” do espaço. “Quando se está em ambiente em que você vê ações afirmativas acontecendo, vê o ponteiro mudando, já se promove saúde e autocuidado. Isso tira das pretas o peso de que elas precisam ser fortes, não podem ter emoções. A trajetória de luta se torna mais leve”, explica.
Benilda Brito, CEO da Mucua Consultoria, conta ainda que um peso na saúde mental de pessoas negras é a fortaleza que se constrói em volta dos sentimentos. Ela explica que segundo a autora bell hooks, esse motivo é histórico. “Na escravidão, mulheres negras viam seus filhos apanhando dos senhores de engenho, e se mostrassem que sofriam com aquilo, a situação pioraria para eles”, conta. “Esse imaginário de que pessoas negras, especialmente as mulheres, são fortes, prejudica elas em atendimentos médicos, já que elas são as que mais sofrem negligência médica; nos matrimônios, quando se diz que elas são mais fechadas para o amor; e no trabalho, quando se sobrecarrega mulheres negras com a desculpa de que ‘elas conseguem, são muito fortes’.”
Aline Lima, líder de diversidade na Natura,explica que outro peso na saúde mental delas a autoestima. A constante comparação com corpos brancos e a falta de representatividade acarretam problemas passados por gerações, aponta a especialista. “Quando você cresce achando que não é bom o suficiente, que não pode chorar, sofrer ou sentir dor, a gente romantiza a resiliência. A saúde mental das mulheres negras no trabalho começa de um ponto em que elas já estão adoecidas e não conseguem nomear o que sentem”, afirma.
As estratégias para garantir a presença de pretas e pardas em cargos de importância de empresas também foi parte da discussão. “Toda mulher preta já foi desqualificada, achou que nunca estava pronta, fez pós-graduação, fez mestrado, aprendeu línguas e, ainda assim, eles continuam mudando a linha de chegada para nós”, conta Veronica Vassalo, gerente de diversidade do Pacto Global da ONU – Rede Brasil. Apesar dos desafios, Camila Sol, representante da Apex, afirma que, aos poucos, mulheres negras garantem seus espaços enquanto líderes e empresárias.
Entre as ferramentas apresentadas para garantir a melhoria da vivência desta população no meio corporativo é a união entre pessoas sub-representadas. Coletivos negros são ferramentas úteis para isso, unindo pessoas de atuações e trajetórias similares.
Phuthi Dabengwa, CEO da Naspers na África do Sul, discursou no evento sobre outra solução para garantir a equidade que foi implementada em seu país. “Na África do Sul, mulheres com pele mais escura enfrentam problemas para serem contratadas. Hoje, existem legislações que garantem que pessoas de diferentes tons de pele tenham oportunidades similares, assim como exige que uma parcela de fornecedores seja negra. Não funciona apenas pela missão ou visão da empresa, mas pela obrigação da lei ”, explica. “No Brasil, isso pode ajudar no desafio de inserir mulheres em cargos estratégicos.”
A frase de Silvio Almeida, professor e ministro dos Direitos Humanos , reverberou nas palestras: “um país que exclui sistematicamente parte da sua população está fadado ao subdesenvolvimento”. Marcia Silveira, líder de diversidade na L’Oréal, explicou que apoiar projetos de inclusão gera vantagem competitiva, proporciona ambientes mais criativos, garante investimentos e até mesmo maior retorno financeiro. “Na cabeça do CEO, que quer resultados e números, isso vai reverberar. Se a diversidade não for instaurada por vontade própria, é por resultado de negócio ”, conta.