Ricardo Botelho, CEO da Energisa (Energisa/Divulgação)
À frente da operação de uma das maiores distribuidoras de energia do país, Ricardo Botelho, presidente da Energisa, acredita que o papel social das empresas deve mirar nas causas pouco prováveis. E isso não significa deixar os planos apenas no papel. Pelo contrário. Na prática, a empresa tenta provar seu compromisso com o ESG (sigla para social, ambiental e governança) ao levar energia elétrica para comunidades remotas na Amazônia Legal, onde a empresa tem forte atuação.
A missão não é simples. Na fronteira com o Peru, uma comunidade concentra os novos esforços sociais — e ambientais — da empresa. Na Vila Restauração, no Acre, 750 pessoas têm hoje eletricidade por apenas três horas por dia. A energia vem de geradores a diesel custeados pela própria população e pela prefeitura de Marechal Thaumaturgo, cidade mais próxima da comunidade, a 70 quilômetros de distância.
A comunidade foi “adotada” pela subsidiária da empresa no Acre, que se comprometeu a levar energia elétrica sustentável para as mais de 200 famílias que por lá moram.
Colocar o projeto em prática, porém, tem demandado uma força-tarefa colossal. Foram 15 milhões de reais investidos para levar sistemas solares — entre painéis, baterias e conversores — rio acima, em viagens que duram de quatro a oito horas em pequenas embarcações que finalizam um trajeto que se inicia ainda em Uberlândia, Minas Gerais, e segue por terra até a cidade de Cruzeiro do Sul, no Acre, a 631 quilômetros da capital do estado. O deslocamento total levou, em média, cerca de 12 dias – seis na estrada e mais seis em vias fluviais.
Segundo Botelho, os custos da companhia são irrisórios perto dos gastos dispendiosos da população com a geração elétrica atual. “A proposta aqui é a de melhoria de vida, o que considera os gastos das pessoas com a geração de energia, hoje poluente”.
A partir de agosto, a eletricidade que chegará aos moradores será fornecida por um microssistema de geração solar própria com armazenamento de energia por baterias de lítio, material que hoje desencadeia uma verdadeira corrida do outro dos carros elétricos.
As baterias armazenam a energia solar excedente, e com isso, os moradores terão acesso à energia durante as 24 horas diárias. A tecnologia e todos os equipamentos são da Alsol, empresa de energias renováveis do Grupo Energisa.
Os equipamentos solares saíram da sede da Alsol, em Uberlândia (MG), e seguiram em caminhões até a cidade de Cruzeiro do Sul (AC). A viagem não acabou por ali, e todo o material foi levado em canoas até a Vila Restauração. Foram seis dias de viagem por vias fluviais, em um trajeto cuidadosamente planejado por uma equipe de engenharia que previu, entre outras coisas, o melhor período de chuvas e condições do rio. Veja mais detalhes no vídeo:
Mais do que o compromisso que resgata o S do ESG, a ideia da Energisa é deixar claro o posicionamento de protagonista na luta contra os efeitos das mudanças climáticas. “O compromisso da Energisa é levar energia renovável também para o bioma mais importante do país e para a população que lá vive”, diz Botelho. “Queremos mostrar que é possível sim fazer coisas difíceis, resolvendo problemas reais e melhorando a vida da população e a qualidade do planeta. O ESG é sobre mirar causas impossíveis e torná-las reais”.
É uma missão ousada para uma empresa que atende cerca de 20 milhões de pessoas, em 862 municípios de todas as regiões do Brasil. Mas, reforça o CEO, não é impossível.
As cifras comprovam que a agenda ESG acontece em bom momento para a empresa. A Enersgisa teve uma receita líquida de 18 bilhões de reais em 2020. E o resultado neste ano está em curva ascendente: apenas no primeiro trimestre de 2021, o faturamento já alcança os 5 bilhões de reais, um resultado 16,6% superior ao registrado no mesmo período do ano passado. A empresa também reportou no período um lucro líquido 50% maior do que no primeiro trimestre de 2020, num total de 873,3 milhões de reais. Já o lucro antes do pagamento de impostos (Ebitda) consolidado em 2020 foi de 1,6 bilhão, mais do que o dobro em relação a 2019. No primeiro trimestre deste ano, esse indicador foi de 1,3 bilhão.
O montante de 15 milhões investido no projeto parecem até irrisórios diante dos resultados. O esforço, porém, vem na tentativa de que os projetos-piloto possam ter seus modelos sustentáveis replicados em outras comunidades remotas do Norte do país, e incorporam programas avançados de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e de eficiência energética da Energisa.
“Como uma empresa de grande porte, e ainda mais do setor elétrico, nossa função é investir recursos e contribuir para que o país possa atingir a meta estabelecida pelo Acordo de Paris, que determina nossas boas práticas ambientais”, diz.
O investimento na Vila Restauração, segundo Botelho, também faz parte de um conjunto muito mais amplo de iniciativas sustentáveis da empresa, e que parte, muitas vezes, de uma pressão de investidores por questões ligadas ao ESG. “Embora nenhum desses temas seja algo novo, a intensificação do debate sobre ESG no Brasil é algo muito relevante para empresas de grande porte, e não podemos ficar para trás”, diz.
Ao que tudo indica a preocupação com a sustentabilidade na Energisa também inclui o fim da geração de energia "suja". Além da substituição dos pequenos geradores a diesel na Vila Restauração, Botelho também destaca os esforços da empresa em reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) na Amazônia a partir do desligamento de usinas termelétricas na região, algo que vem sendo feito desde 2019. Até 2025, a meta da Energisa é desativar 19 termelétricas: 13 em Rondônia, cinco no Acre e uma no Pará. Destas, 10 serão desligadas e ficarão inativas já neste ano. É o maior programa do tipo em todo o país.
Na prática, a empresa vai antecipar o fechamento de usinas localizadas em municípios da Amazônia Legal, prática chamada de descomissionamento, e conectá-las ao Sistema Interligado Nacional (SNI) de energia elétrica, constituído quase que inteiramente pela fonte hidrelétrica. Hoje, um percentual mínimo da energia nacional está fora do SNI — justamente nesses subsistemas amazônicos isolados e poluentes.
O esforço custará ao todo 1,2 bilhão de reais, e também preveem a construção de subestações e linhas de distribuição nas cidades onde o projeto acontece. Em contrapartida, vai refletir numa economia de 665 milhões de reais por ano aos brasileiros, visto que a geração é paga por todos, em todo o país. Segundo Botelho, 500.000 toneladas de CO2 deixarão de ser lançadas na atmosfera. “É um projeto ganha ganha ganha”, diz Botelho.
Em boa medida, a geração de energia limpa já invadiu a estratégia social da empresa há pelo menos seis anos. Desde 2015, a Energisa Mato Grosso do Sul se uniu à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), ao Ministério de Energia e especialistas ambientais para definir um projeto adequado para suprir a ausência de abastecimento de energia na região do Pantanal. Por lá, o resultado também se deu em sistemas solares que beneficiam hoje 2.167 casas e 5.000 pessoas. Mais uma vez, o projeto de P&D, que levou o nome de Ilumina Pantanal, também refletiu no caixa da empresa: foram 134 milhões de reais investidos.
Ainda sob o ponto de vista social, a Energisa decidiu entrar para o ecossistema de inovação e startups do país e criou sua própria fintech, a Voltz.
O objetivo inicial era se aproximar dos clientes de distribuição de energia elétrica ao universo digital, oferecendo meios de pagamento e uma carteira digital, com diferentes serviços. Segundo Botelho, ainda há poucas empresas que sejam capazes de atender às necessidades de pessoas que entram agora nos meios digitais, especialmente na hora de fazer pagamentos de contas cruciais, como a de energia. “Isso é também um reflexo do nosso S do ESG, atendendo às demandas dos nossos clientes, em todas as regiões do país”.
Para Botelho, a agenda ESG e a corrida por um mercado de carbono global devem assumir lugar prioritário para companhias, o que vai bem além do setor energético. Trata-se, antes de mais nada, de uma questão diplomática, afirma. 'Precisamos recuperar a boa imagem do Brasil mundo afora. Temos a matriz energética limpa, as florestas, a Amazônia e tudo ao nosso favor. Basta resgatar esse potencial", diz. "A missão não é fácil, mas esperamos 'puxar a fila' no meio empresarial".
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