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Águas de Manaus universalizou acesso a água potável em Manaus e busca ampliar a porcentagem do esgoto coletado e tratado (Aegea/Divulgação)
Repórter de ESG
Publicado em 3 de julho de 2024 às 07h00.
Durante décadas, os 900 moradores do beco Nonato, região localizada no bairro de Cachoeirinha, na zona sul de Manaus, conviveram com os problemas da falta do acesso à água e ao tratamento de esgoto. Na área formada por casas em palafitas, construídas acima do nível dos igarapés, os dejetos das casas eram despejados na água que corre logo abaixo das moradias.
Sem acesso regular à água tratada, o igarapé que recebia o esgoto é o mesmo de onde torneiras eram abastecidas. “Os canos ficavam enterrados debaixo da lama. Quando quebravam, a gente tinha que enfiar a mão na lama suja para consertar. As crianças vivam doentes”, explica Gisele Dantas, 38, líder comunitária no beco Nonato, que foi ter o primeiro acesso à água potável em casa há quatro anos.
A água suja que corria abaixo das casas coloridas trazia outros efeitos difíceis de ignorar: o mau cheiro e o lixo. “Eu tinha muita vergonha de receber meus parentes e amigos em casa por conta do fedor. Agora tudo mudou, dá para receber os parentes, e as crianças não ficam mais doentes por causa da água suja”, explica Gisele.
Desde 2018, uma parceria entre a companhia de saneamento Aegea e o BID Invest, braço de ações privadas do Banco Interamericano de Desenvolvimento, é responsável pelo abastecimento hídrico da capital amazonense. Já universalizada, 99% da população recebe água potável diretamente nas suas torneiras. O programa, nomeado Águas de Manaus, também busca ampliar a porcentagem do esgoto coletado e tratado na cidade.
Por meio do programa foram implementados mais de 200 quilômetros de redes de água nas regiões de maior vulnerabilidade da cidade, o que beneficiou por volta de 200 mil moradores de becos, palafitas e comunidades em Manaus.O desafio para levar água potável para as casas, segundo Diego Dal Magro, diretor do Água da Manaus, foi se adequar a realidade urbana das diferentes moradias no Amazonas. “São palafitas, becos, ocupações... a vulnerabilidade está nos diferentes tipos de casas e na adequação regulatória para garantir a cobrança”, conta.
No pagamento da água, as comunidades contam com dois auxílios: desde o ano passado, mais de 100 mil pessoas utilizam a Tarifa 10, uma taxa para população em vulnerabilidade que só cobra o valor fixo de R$ 10 pelo uso da água. Já na tarifa social, oferecida para a população inscrita no Cadastro Único (CadÚnico) ou em outros programas assistenciais do Governo Federal, o desconto oferecido é de 50% no pagamento da tarifa.
Embora o acesso a água potável tenha sido universalizado, atualmente apenas 30% das casas em Manaus contam com coleta e tratamento do esgoto, porcentagem irrisória para uma cidade de mais de 2 milhões de habitantes. Até 2033, o programa deve levar o saneamento para 90% das moradias, desafio que esbarra na infraestrutura de uma cidade com cada vez mais casas improvisadas e uma população crescente.
Segundo o censo de 2022, Manaus foi a capital com maior crescimento populacional desde 2010. A taxa de crescimento foi de 14,6%, enquanto a média nacional atingiu apenas 6,4%. Uma pesquisa do MapBiomas comprova que a cidade também liderou o crescimento de áreas ocupadas por favelas, com um território de quase 10 mil hectares em 2021.
Por isso, os investimentos em levar esgoto para mais pessoas (e em distintas formas de moradia) é tão alto: o Trata Bem Manaus, braço do Água de Manaus referente ao serviço de esgotamento sanitário, receberá um investimento de R$ 3 bilhões ao longo de 10 anos. Da quantia, R$ 750 milhões serão financiados pelo BID Invest, enquanto a Aegea entra com 20% do investimento.O Citi, banco norte-americano, também entrou no financiamento, e destinou R$ 200 milhões para a Aegea. O restante do valor deve ser atingido a partir do financiamento de outros bancos de desenvolvimento, ainda não acertados.
A estratégia do projeto estipula que a cidade tenha 40% de cobertura de tratamento de esgoto até o fim de 2024, 80% até 2030 e alcance os 90% em 2033.
O beco Nonato foi a primeira área de palafitas a receber coleta e tratamento de esgoto em Manaus, projeto que aconteceu apenas em 2023. Hoje, as moradias da região contam com grandes canos que transportam os dejetos diretamente para uma estação de tratamento de esgoto, a ETE Educandos, localizada às margens do Rio Negro.
O corpo d’água que corre abaixo das casas no beco já não apresenta mau cheiro, apesar de ainda ter lixo sólido, como copos plásticos e sacolas. Segundo o diretor do Águas de Manaus, a razão é a conexão entre os mais de 300 corpos hídricos da capital amazonense: “O lixo que sai da zona leste vem parar nas águas da zona sul, no beco Nonato”, conta.
Manaus já conta com mais de 90 estações de tratamento de esgoto, segundo Del Magro, que explica que algumas estão sob empréstimo do governo do Amazonas. A ETE Educandos, na zona sul de cidade, recebe 300 litros por segundo, atendendo 90 mil pessoas. O executivo ainda explica que o plano inclui 50 estações a serem ampliadas, adicionadas ou modificados para o uso na cidade.
“Hoje tem casas que não têm vaso sanitário, mas que têm coleta, transporte e tratamento do esgoto”, explica Del Magro. O processo para avançar na conexão do esgoto, explica o diretor, é demorado -- e inclui ganhar a confiança dos moradores de cada região: isso acontece porque as obras precisam ser feitas de forma individual, entrando em cada casa da região e instalando os canos de saneamento de acordo com a infraestrutura do local.As lideranças comunitárias, como Gisele Dantas, são essenciais para garantir o sucesso do projeto nos becos e palafitas. Hoje, a Aegea contabiliza e contata 1300 lideranças em 360 comunidades, que também atuam como agentes financeiros. Os líderes locais são, muitas vezes, os responsáveis pela coleta e repasse dos pagamentos das tarifas sociais e vulneráveis de cada morador.