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Amazônia: aquecimento das águas dos lagos expõe situação crítica

Temperatura da superfície de lagos na região central do bioma tem aumentado 0,6 ºC por década, aponta estudo apresentado durante o evento em Belém

Amazônia: altas temperaturas afetam animais e a população que depende dos rios (Michael Dantas/Getty Images)

Amazônia: altas temperaturas afetam animais e a população que depende dos rios (Michael Dantas/Getty Images)

Agência Fapesp
Agência Fapesp

Agência de notícias

Publicado em 15 de julho de 2024 às 13h50.

As águas dos lagos na Amazônia vêm esquentando nas últimas décadas em escala sem precedentes, apontam estudos conduzidos por pesquisadores do Instituto Mamirauá em Tefé, no Amazonas.

Por meio da análise de dados sobre a temperatura da superfície da água obtidos por satélites, pesquisadores da entidade, vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), têm constatado tendência de aumento de 0,6 graus Celsius (ºC) por década em 25 lagos da Amazônia central e atribuem esse aquecimento às mudanças climáticas.

Resultados preliminares do estudo, em revisão, foram apresentados em uma mesa-redonda sobre a hidrografia, os aquíferos, as secas e enchentes na Amazônia, realizada na quinta-feira, 11, durante a 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O evento terminou sábado, 13, no campus Guamá da Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém.

“O aquecimento [das águas amazônicas] é generalizado. Desde 1990, observamos uma tendência média de aquecimento de 0,6 ºC por década dos lagos amazônicos. É um aumento muito expressivo. Não houve um lago que não apresentasse uma tendência significativa. Todos estão aquecendo”, disse Ayan Fleischmann, coordenador do estudo.

Alerta

De acordo com o pesquisador, o pico foi atingido na seca extrema de 2023, quando a temperatura da água do lago Tefé, medida ao longo de toda a coluna d’água, a 2 metros (m) de profundidade, atingiu mais de 40 ºC.

Essa temperatura, sem precedentes, causou a morte de 209 botos em um mês, a maior parte deles botos-cor-de-rosa (Inia geoffrensis) e alguns tucuxi (Sotalia fluviatilis), contou o pesquisador, que integrou uma força-tarefa para identificar as causas da mortandade dos animais.

“Especialistas da área de mamíferos aquáticos comentam que, se a gente encontra três carcaças de botos em algumas semanas, já é um alerta vermelho. Agora, 70 animais mortos em um dia [como aconteceu em 28 de setembro de 2023], é uma tragédia. Peixe morrer em uma seca extrema é muito comum na Amazônia, mas boto morrer nessa proporção ninguém tinha visto. A grande pergunta era o que estava acontecendo”, relatou Fleischmann.

A fim de encontrar uma resposta, foi desencadeada a Operação Emergência Botos Tefé, coordenada pelo Instituto Mamirauá e com a participação de dezenas de instituições do país e do exterior.

Os pesquisadores constataram que a causa da morte dos animais foi hipertermia, causada por uma combinação catastrófica. Durante a seca de 2023, a Amazônia registrou recorde de dias seguidos sem nuvem, o que é raro na região. Sem a cobertura das nuvens, aumentou a radiação solar no lago que, devido à seca, estava muito raso e, consequentemente, mais fácil de aquecer. Além disso, as águas estavam turvas, o que facilitou o aquecimento.

Esse quadro resultou em picos de temperatura de mais de 40 ºC em toda a coluna d’água do lago Tefé, explicou Fleischmann. “Medimos 40 ºC, 41 ºC em 1 a 2 m de profundidade. Isso é muita coisa”, afirmou.

De acordo com o pesquisador, é sabido que lagos na Amazônia podem atingir temperaturas extremas na superfície. Limnólogos que trabalham há décadas na região já mediram temperaturas variáveis entre 37 ºC e 40 ºC. Quando o nível da água baixa 30 centímetros, por exemplo, a temperatura cai rapidamente para entre 30 ºC e 35 ºC. Na seca de 2023 na Amazônia, contudo, a temperatura da superfície do lago Tefé permaneceu no patamar de 40 ºC e não havia refúgio térmico para os animais.

“Os botos que ficaram ali infelizmente vieram a óbito. E não só a temperatura foi extrema, mas a variação diária também. Chegou a ter 13 ºC de variação da temperatura ao longo do dia”, relatou Fleischmann. A variação, combinada com o calor e o lago muito raso, fez com que os animais perdessem e ganhassem calor alternadamente de forma muito rápida. “Essa amplitude de temperatura é muito estressante para o animal, que atinge não só o limite de temperatura máxima, mas também de amplitude diária”, explicou.

Ações de adaptação

Após o registro do pico de temperatura no lago Tefé, os pesquisadores estabeleceram, entre setembro e outubro de 2023, uma rede de monitoramento emergencial para tentar medir a temperatura da água em diversos lagos da Amazônia central. Os resultados das análises dos dados indicaram que mais da metade dos 10 lagos incluídos no mapeamento registraram temperatura superior a 37 ºC.

“Houve um aquecimento generalizado [durante o período da seca de 2023] e isso foi comprovado depois, quando olhamos para os dados de satélite. Hoje conseguimos estimar [in loco] a temperatura da água da superfície com alguma incerteza e é possível confirmar com dados de satélite”, afirmou Fleischmann.

O pesquisador alerta que esse aquecimento generalizado da superfície dos lagos da Amazônia representa um risco real para os ecossistemas aquáticos e para as pessoas que vivem no bioma, principalmente as comunidades ribeirinhas que dependem do rio para o transporte e acesso a serviços essenciais.

“Foi uma verdadeira catástrofe humanitária o que aconteceu na Amazônia na seca de 2023. Não só as comunidades ribeirinhas, mas áreas urbanas em tributários do rio Amazonas e, especialmente, cidades que ficam em rios menores também ficaram muito isoladas”, contou.

Uma vez que esse tipo de evento climático extremo tende a acontecer com maior frequência e intensidade, é preciso criar urgentemente programas de acesso à água na Amazônia, avaliou o pesquisador. “Não é porque estamos na beira do maior rio do mundo que o acesso à água de qualidade para o consumo é garantido”, ponderou.

Algumas das ações de adaptação que precisam ser implementadas na região são a construção de cisternas para a captação de água da chuva e de poços mais profundos, especialmente para comunidades em terra firme, além da distribuição de kits de tratamento emergencial da água e ampliação da cobertura de tratamento de esgoto na região.

“As pessoas não tinham água da chuva para beber durante a seca porque não tinham capacidade de armazenar. Elas tiveram de tomar água direto do rio, que estava extremamente barrenta e imprópria para o consumo”, contou.

Segundo cálculos dos pesquisadores, mesmo durante a seca de 2023 teria sido possível armazenar água de chuva em volume suficiente para atender às necessidades básicas de uma família com cinco integrantes se houvesse cisternas e poços disponíveis.

Em agosto de 2023, o mês mais seco no médio Solimões, o volume pluvial na região chegou a 50 milímetros. Essa quantidade de chuva, se armazenada em uma cisterna, pode gerar 2 mil litros de água, estimaram os cientistas.

“Esse volume captado resultaria em 16 litros de água por dia por pessoa para uma casa com cinco integrantes. Isso é suficiente para atender, pelo menos, à necessidade de uso básico e está acima do recomendado pelas organizações internacionais para o acesso de água durante crises”, afirmou Fleischmann. (Mais informações sobre a 76ª Reunião Anual da SBPC aqui)

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