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A favela em Davos: reflexões de uma caminhada noturna

Em sua última noite em Davos, Celso Athayde sai em busca de brasilidades, e se surpreende com a cidade pacata. Nessa busca, ele encontra novas abordagens para o Quarto Setor

A noite em Davos: cidade pacata contrasta com a agitação de bilionários no Fórum Econômico Mundial (montipora/Getty Images)

A noite em Davos: cidade pacata contrasta com a agitação de bilionários no Fórum Econômico Mundial (montipora/Getty Images)

DR

Da Redação

Publicado em 26 de maio de 2022 às 10h40.

Última atualização em 26 de maio de 2022 às 10h41.

Nesta noite, saí para dar uma volta. A comida que servem no evento deve ser ótima. Não pra mim, que prefiro um arroz, feijão, bife e batata. Então, saí pelo vilarejo de Davos procurando um bife com batata frita. Achei um único lugar, e até arroz tinha. Encontrei a melhor comida do mundo! Voltei para o hotel por volta das 23h. Fui tomado por um desânimo. Uma mistura de saudade de casa e frustração por não ter tido tempo de fazer todas as reuniões que o Fórum possibilita. Saí com, no máximo, 0,5% das possibilidades.

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Não precisa se preocupar, caro leitor, cara leitora, não aconteceu nada. Mas Davos, esta semana, é o centro do mundo, todos os poderosos e poderosas estão aqui. Os debates feitos neste Fórum vão impactar nas tomadas de decisão de todo o globo, nos próximos anos. Mas as ruas do vilarejo estão sempre vazias e pacatas. Tem uma praça linda que nunca tem gente. E olha que nem dá pra colocar na conta do tempo, o sol tem sido generoso e apareceu, praticamente, todos os dias por aqui.

Pra mim, isso aqui era pra estar tipo um carnaval nas grandes capitais brasileiras. Gente nas ruas bebendo, cantando, dançando e, sobretudo, sendo feliz. Me entristece um pouco, sair do centro de convenções, após grandes debates e reuniões, e ver as ruas desertas.

Sei lá, posso estar viajando. Segue o baile… Opa! Encontrei um bar e tem uma galera, que estava no Fórum, curtindo e bebendo. Todos falando em alemão. Como sempre tenho feito por aqui, falei com eles em favelês e eles se amarraram! Mesmo assim, não estava aquela animação que um evento desses pede.

Talvez eu esteja exigente demais. Eu também não posso esperar encontrar aqui o Baile Charme do Viaduto de Madureira ou uma festa de rap do Capão Redondo.

Vivi tanta coisa legal, nos últimos dias. Nesta terça-feira mesmo, vi um grande debate sobre o futuro da tecnologia mundial. No final, vi o Bill Gates tomando um cafezinho, na maior simplicidade, batendo papo com todo mundo. Curti. O cara é mesmo diferenciado. Ao contrário de vários marrentos que conheci por aí, que não tinham nem um computador.

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Já estou perto do hotel, mas, para chegar até ele, tem que tomar um teleférico. E isso está sendo uma das melhores coisas da viagem. Posso ir e voltar contemplando todo o vilarejo de Davos, com minha visão se perdendo nas montanhas, ainda cobertas de gelo pelo inverno que passou.

Olhei de cima para o Centro de Convenções do Fórum Econômico Mundial, e lembrei o quanto tenho falado lá dentro sobre o Quarto Setor, com cada autoridade e cada empresário a que encontro. Lembrei que, nesta quarta, vou dar entrevista para uma TV suíça sobre a minha ideia. Eles, assim como todos aqui, estão curiosos e interessados nessa história de Quarto Setor, que será lançado oficialmente no encerramento do Fórum, nesta quinta-feira, 26.

Bom, a ideia consiste em tratar, de maneira diferenciada, a economia da favela. Pois, o primeiro setor, que é o estado, não consegue resolver as demandas da favela; o segundo setor, as empresas, na maioria das vezes, exploram as favelas; e o terceiro setor, que são as ONGs (que em sua maioria estão fora desses territórios), sindicatos e movimentos sociais, foi extremamente importante para dar uma assistência social. Mas a favela quer, precisa e, sobretudo, merece mais!

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Por isso, estou estimulando o lançamento do Quarto Setor. Não só o lançamento, mas a reflexão e a construção dele pelos próprios moradores dos territórios que visamos contemplar. A fim de pautar uma agenda econômica sólida e consistente como a favela necessita, para ter o tão sonhado desenvolvimento social e financeiro.

Nesta terça-feira, conversei com três ministros da economia sobre a viabilidade de se colocar em prática uma medida preponderante para o futuro do Quarto Setor. Dois deles, africanos, se comprometeram implementá-la, assim que possível. O ministro Paulo Guedes falou que ia estudá-la. Mas, independentemente do que sair do estudo dele, ou de algum outro ministro da economia que possa vir depois, o estado precisa se comprometer com o desenvolvimento econômico da favela, para que depois não tenha que dividir as consequências do caos devido ao seu abandono, como sempre falo.

Trata-se da necessidade da não taxação do que é produzido na favela pelos seus próprios moradores, para que eles tenham mecanismos para empreender mais e, sobretudo, possam ter um lucro real sobre o que produzem. Isso é necessário para que esses territórios possam ter prosperidade. Ainda que seja por um período a ser considerado, para que seu negócio, comércio ou sua empresa se desenvolva. Num segundo momento, pode se pensar em implementar novas formas.

Isso para não falar em tudo o que os moradores já sofreram, por conta do descaso que o primeiro e o segundo setores demandaram a estes territórios. Se multinacionais e bancos recebem vários tipos de incentivos, para melhor performarem, a favela tem o direito de gozar dos mesmos benefícios, a fim de contribuir com desenvolvimento desses territórios.

É importante que o Quarto Setor seja pautado e pensado pela favela, e não pela academia. A academia, dessa vez, tem de ter a sensibilidade e, sobretudo, a humildade de reconhecer que a favela consegue pautar e elaborar seus próprios conceitos. Porém, a academia é muito bem-vinda para colaborar com o desenvolvimento dessa nova ideia, mas, condição de coadjuvante, não de protagonista.

Os conceitos são esses. Não é a junção de um setor com outro, é o respeito aos três setores. Mas pensar no Quarto Setor como a economia da favela e de todos os ativos que advém dessa abundância produzida pelos seus moradores, e não dessa escassez que esses locais vivem até o momento, impostas pelas circunstâncias que nos trouxeram até aqui.

Já dentro do hotel, pelos corredores, encontrei o chileno Gonzalo Muñoz. Uma figura! Morou em São Paulo e torce pro Palmeiras. Deve estar feliz, parece que seu time fez 4 a 1 nessa rodada da Libertadores.

Em seu país, se notabilizou por criar uma empresa que tem o objetivo de repensar e provocar uma nova relação entre as pessoas e o lixo, em um modelo diferenciado de sociedade. Ele e sua empresa são mega premiados na área de sustentabilidade, meio ambiente e afins.

No último bate papo do dia, Muñoz chamou a atenção para o fato deste evento ser restrito e um tanto elitista. O que concordo muito. Mas exaltou o fato de ter gente falando sobre as favelas brasileiras ou sobre os catadores de lixo no Chile, para os maiores bilionários e bilionárias e as maiores autoridades do planeta. Concordo parcialmente.

Quando já estava chegando no quarto, eu, que reclamei que a cidade estava muito pacata, me deparei com uma festa de arromba no saguão do hotel. A minha alegria voltou! E quer saber? Eu vou cair na festa. Quem quiser, vem comigo:

 

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