A desigualdade de gênero e seus impactos socioeconômicos
"Segundo a ONU, mantido o ritmo atual, a equidade de gênero nos parlamentos não será alcançada até 2063", diz Rebecca Tavares, CEO da BrazilFoundation
Plataforma feminina
Publicado em 23 de novembro de 2024 às 08h00.
Por Rebecca Tavares, presidenta e CEO da BrazilFoundation e integrante do conselho consultivo do W20 Brazil
Maioria da população brasileira, ultrapassando em 6 milhões o número de representantes do sexo oposto, e pela primeira vez à frente de praticamente metade dos domicílios do país (49,1%), de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ( IBGE) e reunidos no Censo Demográfico 2022, as mulheres inegavelmente vêm conquistando espaços e, consequentemente, desempenhando cada vez mais papéis relevantes na sociedade.
A edição mais recente do estudo Progresso nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: O Panorama de Gênero 2024, elaborado pela ONU Mulheres e pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas, aponta que as mulheres ocupam hoje uma em quatro cadeiras parlamentares em todo o mundo e que a parcela de mulheres e meninas vivendo em extrema pobreza caiu para menos de 10%. No entanto, uma série de desafios persistem, criando obstáculos consideráveis para uma mudança de cenário transformadora e - extremamente importante - sustentável.
Segundo a ONU, mantido o ritmo atual, a equidade de gênero nos parlamentos não será alcançada até 2063, e livrar todas as mulheres e meninas da pobreza pode levar nada menos do que 137 anos. Olhando para o mundo do trabalho, a 12ª edição do levantamento Women in Work Index, da PwC, revela que seria necessário mais de meio século para diminuir a disparidade salarial entre homens e mulheres nos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Por aqui, a análise Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil, do IBGE, destaca uma barreira relevante e de muitas consequências, principalmente em economias em desenvolvimento: o volume de horas que as mulheres dedicam ao cuidado de outras pessoas e às tarefas domésticas. Em 2022, as brasileiras gastaram nessas atividades quase o dobro de horas semanais na comparação com os homens: 21,3 versus 11,7 horas - mulheres pretas ou pardas desempenharam essas funções 1,6 hora a mais do que as brancas. Essa dupla jornada determina menor disponibilidade para se dedicar à educação e até mesmo ao descanso, o que pode impactar negativamente a saúde física e emocional.
Nesse universo de complexidades, reforçado pelo alarmante dado de que no ano passado, a cada seis horas, em média, uma mulher foi vítima de feminicídio em nosso país, as mudanças climáticas e suas repercussões também parecem apontar para as mulheres. É consenso que, devido ao contexto de vulnerabilidade e desvantagem em que já se encontram inseridas, elas devem ser as mais impactadas pelos deslocamentos causados por desastres naturais, levando milhões delas à pobreza e à fome.
Organizações da Sociedade Civil (OSCs) e empresas com comprometimento social têm demonstrado que é possível, por meio de projetos de qualificação profissional, iniciativas de conscientização e prevenção à violência de gênero e monitoramento de políticas públicas, viabilizar ações para dar autonomia a mulheres e meninas em toda sua trajetória. Essa visão deve começar na educação básica e se estender até a chegada ao mercado de trabalho, e incluir questões fundamentais como promoção da saúde e direitos sexuais e reprodutivos.
Com essa motivação, o Fundo de Equidade de Gênero, criado pela BrazilFoundation em 2022, que atende também à população LGBTQIA+, destinou R$ 1,25 milhão a nove OSCs espalhadas pelo Brasil, beneficiando mais de 7 mil pessoas em seu primeiro ciclo de investimentos. Para além de capacitação profissional e formação em direitos humanos, o fundo ofereceu, por exemplo, treinamento a enfermeiras e enfermeiros em saúde sexual e reprodutiva e encaminhou mulheres e meninas a serviços de apoio em casos de violência de gênero e a atendimentos na área da saúde sexual e reprodutiva.
Só assim, atendidas em suas necessidades básicas, com acesso aos estudos, saudáveis e, acima de tudo, seguras, as mulheres e meninas - e aqui também é importante incluir a população LGBTQIA+ - têm a chance de exercer sua cidadania, ocupando espaços que só serão alcançados quando estiverem em equilíbrio com os homens, e não mais em desvantagem.