Economia

Revisão "possível" de despesa do governo pode economizar R$ 700 bi em 10 anos, diz projeção

Cálculos do economista Gabriel Barros estimam os recursos obtidos se governo promover mudanças no abono salarial, reforma administrativa e fusão de benefícios

Aplicativo do Auxílio Brasil: deturpações no CadÚnico vem sendo apontadas por economistas (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Aplicativo do Auxílio Brasil: deturpações no CadÚnico vem sendo apontadas por economistas (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

CR

Carolina Riveira

Publicado em 12 de janeiro de 2023 às 13h03.

Última atualização em 12 de janeiro de 2023 às 15h08.

O governo federal poderia economizar cerca de R$ 700 bilhões em dez anos com a reavaliação de três temas centrais: uma reforma administrativa para futuros servidores, aprimoramento e fusão de políticas sociais (aos moldes do que o Bolsa Família fez nos anos 2000) e revisão do abono salarial.

A projeção é do economista Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da Ryo Asset e ex-diretor da IFI (Instituição Fiscal Independente), em artigo publicado nesta semana. O cálculo é feito estimando um cenário em que essas medidas fossem aprovadas em 2023, com vigência a partir de 2024 (leia na íntegra).

Primeiro, na frente da reforma administrativa, o economista simula uma reforma apenas para novos servidores, com salário de entrada limitado para carreiras generalistas e nova sistemática de promoções. A economia fiscal seria de R$ 207,1 bilhões em dez anos (de 2024 a 2033). Só nos primeiros dois anos, o ganho projetado é de quase R$ 17 bilhões.

Em segundo lugar — talvez na medida mais consensual — há a revisão do abono salarial, que poderia gerar economia de mais de R$ 300 bilhões a depender do formato. O abono é um 14º salário pago a trabalhadores que ganham até dois salários mínimos (com custo atual de R$ 20 bilhões por ano e que pode chegar a R$ 37 bilhões em 2033 caso nada seja feito).

Barros simulou três cenários para revisão do abono:

  • a possibilidade de extinção integral e imediata (mais difícil politicamente), com ganho fiscal de R$ 313,8 bilhões em dez anos;
  • extinção gradual em quatro anos (de 2024 a 2027), com economia de R$ 272,5 bilhões em dez anos;
  • ou benefício limitado a trabalhadores que ganham até um salário mínimo em vez de dois, a partir de 2024, o que geraria ganho de R$ 255,8 bilhões em dez anos.

Por fim, há a proposta de fusão de algumas políticas sociais. A projeção é de economia de R$ 185,4 bilhões em dez anos e pouco mais de R$ 49 bilhões nos primeiros dois anos. O cálculo trabalha com a readequação e fusão de benefícios como Auxílio Brasil, Auxílio Gás, Auxílio reclusão, BPC, entre outros.

Problemas no Cadastro Único (CadÚnico) durante a concessão do Auxílio Brasil já vêm, de fato, sendo apontadas por técnicos (à esquerda e à direita). Mas Barros afirma que esta é uma possibilidade para não só corrigir o CadÚnico mas rever uma série de benefícios que se acumulam — com o mesmo beneficiário recebendo sobreposição de auxílios diversos — e que por vezes se mostram ineficientes.

"A fusão de alguns benefícios nada mais é do que o que o próprio governo Lula fez quando criou o Bolsa Família, unindo programas do governo Fernando Henrique Cardoso", diz Barros à EXAME.

Reformas possíveis?

A escolha dessas três frentes para a estimativa, segundo Barros, foi feita porque estão mais perto do campo do "possível" — ainda que haja, é claro, desafios políticos para passar cada uma das medidas sugeridas.

No caso da reforma administrativa, por exemplo, Barros avalia que a proposta enviada pelo antigo Ministério da Economia ao Congresso na pandemia tinha desenho "ruim" e que não necessariamente precisaria ser mantida por um novo governo. Mas aponta que o Executivo poderia fundir carreiras algumas carreiras via emenda complementar ou, ainda que gerasse uma economia menor, começar readequações com medidas infralegais, que não precisariam do Congresso.

"E como é só para futuros servidores, há alguma margem política para se conseguir isso. É preciso convicção [do Executivo]", diz. O economista, no artigo, avalia que as mais de 300 carreiras com 60 dias de férias, além de promoções automáticas e "efeitos em cascata" de reajuste são ineficientes e prejudicam os bons servidores, "cuja progressão na carreira é limitada pelo inadequado salário inicial e final".

Enquanto isso, o estudo das deturpações na base de benefícios sociais já vem sendo feito, segundo afirmou o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias. O governo, inclusive, espera essa análise antes de começar a pagar o adicional de R$ 150 por criança de até seis anos no Bolsa Família, o que só deve ocorrer daqui a alguns meses. Mas a fusão com outros benefícios é outra história, e não foi totalmente sinalizada; alguns poderiam gerar controvérsias políticas fortes, no caso de auxílios que não estão vinculados ao Bolsa Família (como o BPC).

De todas as medidas, Barros avalia que a revisão do abono é a mais consensual, sendo amplamente difundida até mesmo entre economistas à esquerda. "É um programa ineficiente e que não tem colaborado para reduzir a desigualdade dos trabalhadores mais pobres", diz.

Fora essas frentes, há ainda outras medidas que poderiam gerar economia, como a agenda digital, que Barros estima poder economizar algo em torno de R$ 3 a R$ 4 bilhões por ano. "Parece pouco em relação a outras rubricas, mas em uma década pode dar R$ 40 bilhões. Sem contar a eficiência e melhoria dos serviços públicos que viria com a digitalização", diz. A agenda pode avançar nos próximos anos com a criação do Ministério da Gestão, que está sob comando de Esther Dweck.

Haddad é cobrado a revisar despesas

O debate sobre cortes pelo lado da despesa ganhou força às vésperas de o Ministério da Fazenda divulgar seu "plano de voo" para a questão fiscal, o que ocorre na tarde desta quinta-feira. Economistas têm questionado o fato de, até o momento, a equipe de Fernando Haddad não ter sinalizado ajustes via despesa, mas somente medidas para aumentar a arrecadação, como uma reforma tributária e recuperação de recursos via Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf).

Barros avalia que ambas as frentes são necessárias, mas que o governo ainda peca em sinalizar medidas para despesa. "Isso de obter recursos via Carf já foi tentado em outros governos e nunca virou grande receita. Pode passar a impressão de que se está fabricando um número para o mercado, e isso não vai gerar confiança", diz.

O governo precisa, em sua opinião, correr para ancorar as expectativas e sinalizar qual será seu plano econômico de forma crível. Ele chama atenção para o fato de o Banco Central estar postergando a emissão de mais papeis da dívida devido aos juros altos — mas há um limite até quando o BC pode seguir fazendo isso, uma vez que está queimando liquidez. "Seria bom esse senso de urgência [do governo]", diz. "Quanto mais tempo se demora para anunciar medidas, mais dinheiro isso custa."

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