Economia

O viés liberal de Temer

A capacidade do Brasil de se reerguer das cinzas é realmente surpreendente. É preciso prestar atenção e ter estômago de aço em alguns momentos, mas os indícios se acumulam. Apesar das idas e vindas do presidente interino Michel Temer e da queda em série de ministros recém-nomeados sob a acusação de envolvimento em escândalos de […]

TEMER: apesar de tudo, o Brasil parece estar caminhando em direção a uma maior liberalização econômica  / Nacho Doce/ Reuters

TEMER: apesar de tudo, o Brasil parece estar caminhando em direção a uma maior liberalização econômica / Nacho Doce/ Reuters

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Da Redação

Publicado em 4 de julho de 2016 às 15h43.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h10.

A capacidade do Brasil de se reerguer das cinzas é realmente surpreendente. É preciso prestar atenção e ter estômago de aço em alguns momentos, mas os indícios se acumulam. Apesar das idas e vindas do presidente interino Michel Temer e da queda em série de ministros recém-nomeados sob a acusação de envolvimento em escândalos de corrupção, há sinais de que uma guinada na economia pode estar em curso.

Depois de um ciclo marcado pelo intervencionismo estatal, pelo desequilíbrio fiscal, pelo protecionismo e pelo resgate do modelo desenvolvimentista implementado em meados dos anos 1970, no governo Geisel, o Brasil parece estar caminhando em direção a uma maior liberalização econômica e a uma maior responsabilidade na gestão do dinheiro público. Ainda que de forma lenta e gradual, começa a se desenhar o retorno do país às políticas liberalizantes adotadas nos governos Collor e Fernando Henrique, que foram abortadas a partir da crise global de 2008, por Lula e Dilma.

Os indícios da mudança vêm tanto do Executivo quanto do Legislativo, mesmo em meio ao processo de impeachment de Dilma e ao encaminhamento da cassação do deputado Eduardo Cunha. Algumas medidas já foram adotadas. Outras estão em gestação. Da fixação de um limite para os gastos do governo às mudanças nas regras dos leilões de privatização, da proibição de políticos assumirem cargos de comando em estatais ao fim da política de estímulo à criação de “campeões nacionais”, as iniciativas alcançam diferentes campos da economia. Confira a seguir o que já mudou e o que pode mudar nos próximos meses na economia – são questões fundamentais, que acabam ficando em segundo plano em meio aos Cunhas, Funaros e Cachoeiras de todo dia.

1) Limite de gastos – Para reequilibrar o orçamento e evitar a repetição dos rombos nas contas públicas registrados nos últimos anos, o governo deverá estabelecer um teto para o aumento de gastos, que saltaram de 14% para 19% do PIB entre 1997 e 2015, pelo prazo de vinte anos. Nos primeiros dez anos, de acordo com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) em estudo em Brasília, o reajuste das despesas da União deverá ser vinculado à variação da inflação do ano anterior. Depois, o governo poderá propor a alteração das regras de correção das despesas. A medida terá de passar por uma comissão especial do Congresso e depois ser aprovada em dois turnos nos plenários da Câmara e do Senado, por pelo menos três quintos dos parlamentares.

Se, eventualmente, o teto for descumprido, a proposta prevê uma sequência de sete “travas” para evitar o descontrole nos gastos, como a proibição de reajuste salarial de servidores públicos, a contratação de pessoal e a realização de concurso. Além disso, o governo não poderá conceder novos incentivos tributários e as despesas com subsídios não poderão superar os gastos do ano anterior.

2) Renegociação das dívidas dos estados – O governo federal fechou um acordo com os governadores e enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei complementar, que deverá ser votado pela Câmara dos Deputados na semana que vem, no qual propõe a rerenegociação das dívidas dos estados com a União, hoje calculadas em 423 bilhões de reais. Embora o acordo represente um ônus de 50 bilhões de reais até 2018 para a União, de acordo com dados do ministério da Fazenda, o governo exigiu contrapartidas dos estados que contribuirão para uma gestão mais responsável das finanças públicas.

Pelo acerto, os estados poderão alongar a dívida com a União em vinte anos e as dívidas com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em dez anos. Os estados terão uma carência de dois meses, em julho e agosto, para realizar o pagamento. Depois, as parcelas aumentarão de forma progressiva, até chegar a 60% do valor atual em julho de 2017, ficando “congeladas” até o final do ano. Em 2018, as parcelas voltam a subir até chegar a 100% do valor pago hoje.

Em contrapartida, os estados deverão ser incluídos na PEC que limita os gastos públicos (leia o texto acima). Os estados que optarem pelo desconto na dívida ficarão impedidos de contrair operações de crédito pelo dobro do período em que vigorar o abatimento das parcelas e terão de limitar o gasto com publicidade a 50% da média dos últimos três anos. Outro ponto importante: os estados poderão privatizar estatais, com o apoio do BNDES, para abater suas dívidas com a União.

3) Profissionalização da gestão de estatais – O dispositivo estabelece novas regras para compras e licitações e proíbe políticos de assumir cargos de presidente ou diretor em empresas estatais enquanto estiverem no exercício do mandato. Fixa também uma carência de três anos para que eles possam assumir cargos do gênero ao término do mandato. As normas definidas pelo projeto deverão ser aplicadas a todas as empresas públicas e sociedades de economia mista da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. O projeto inclui o Banco do Brasil e a Casa da Moeda.

4) Novo perfil do BNDES –  Sob o comando de Maria Silvia Bastos Marques, nomeada recentemente pelo presidente Michel Temer, o BNDES deverá assumir um novo papel, retomando o perfil que tinha nos governos FHC e Collor e Itamar.  Ao contrário do que acontecia nos governos Lula e Dilma, o banco deverá abandonar a velha operação-hospital, para salvar com dinheiro público empresas privadas em dificuldade, a política de apoio à criação de “campeões nacionais” e o financiamento de obras de empreiteiras envolvidas na Lava Jato lá fora a juros de pai para filho.

No governo Temer, o BNDES deverá liderar as privatizações, as parcerias público privadas (PPP) e as concessões, que deverão deslanchar a partir de agora, especialmente na área de infraestrutura, na tentativa de resolver a grave crise fiscal e o déficit crônico do país na área. Em vez de depender de aportes bilionários do Tesouro Nacional para realizar suas operações, o BNDES deverá dar preferência a operações feitas no mercado de capitais para se capitalizar.

5) Novas regras nas concessões – Para destravar as concessões, comprometidas na gestão de Dilma pela tentativa de limitar o retorno dos investidores, o governo Temer deverá anunciar nos próximos dias a flexibilização das normas do programa. As novas definições, que deverão atingir todos os projetos de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, serão fechadas nos próximos dias. Na área de rodovias, por exemplo, não deverão ser fixados prazos para novos investimentos, como como duplicação de vias, o serviço de emergência e instalação de telefones para atendimento dos usuários. Na área de aeroportos, poderá haver carência para o pagamento da outorga e o fim da obrigatoriedade de que o operador faça parte do consórcio, podendo ser contratado posteriormente. O prazo entre a publicação do edital e a realização do leilão poderá chegar a 180 dias, em vez dos 30 a 45 dias atuais, para facilitar o planejamento dos investidores.

6) Novas regras no FI-FGTS – Sob suspeita de ter abrigado um propinoduto bilionário, em troca de aprovações de investimento em empresas, o FI-FGTS, poderá sofrer alterações significativas em sua gestão, com o objetivo de aumentar a transparência em suas decisões. criado para permitir ao trabalhador alavancar os ganhos de parte de seu saldo no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, o FI-FGTS poderá sofrer ser até extinto, com a a transferência da sua responsabilidade para am Caixa. Hoje, o comitê de investimento do FI-FGTS, que decide onde o fundo vai aplicar o dinheiro dos cotistas, conta com 12 representantes, sendo seis indicados pelo governo, três por centrais sindicais e outros três por confederações patronais. Nenhum deles tem poder para aprovar uma proposta, mas consegue paralisar uma votação. O Tribunal de Constas da União (TCU) chegou a recomendar a alteração da legislação que criou o FI-FGTS, para que a pauta das reuniões e as atas com as decisões se tornassem públicas. A recomendação, porém, só foi colocada em prática neste ano, para limitar a ingerência política em seus negócios.

(José Fucs)

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