Consumidores (Ricardo Matsukawa/VEJA)
Carolina Riveira
Publicado em 15 de janeiro de 2018 às 16h27.
Para as mais de 7 milhões de micro e pequenas empresas e microempreendedores individuais brasileiros, as próximas semanas no Congresso serão vitais. O presidente Michel Temer vetou na semana passada o projeto de regularização das dívidas tributárias desse tipo de negócio, o chamado Refis do Simples, que já havia sido aprovado pelo Congresso. Agora, o texto volta ao Legislativo, que trabalhará para derrubar o veto.
Se aprovado, o Refis beneficiaria 600.000 micro e pequenas empresas que têm alguma pendência com o fisco.
Estabelecido pela Lei Complementar 171/2015, o projeto é exatamente igual ao programa de perdão das dívidas das médias e grandes empresas, o Refis, aprovado e sancionado por Temer em outubro do ano passado. Os descontos vão de 50% a 90% dos juros, 25% a 70% da multa pelo atraso e parcelamento em até 175 vezes dos tributos que não foram pagos.
O veto de Temer gerou polêmica, uma vez que o Refis para as grandes empresas foi aprovado sem problemas, e proporcionou uma enorme economia a gigantes como o frigorífico JBS (que economizou 1,1 bilhão de reais renegociando suas dívidas), a petroleira Petrobras (2,9 bilhões de reais) e a fabricante de bebidas Ambev (que não informou o quanto economizou, mas disse que suas dívidas renegociadas totalizam 3,5 bilhões).
O deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), relator da medida no Senado, diz que se preocupou em reproduzir no Refis do Simples “cada letra” do que foi oferecido no Refis das grandes empresas. “Vetar a medida fere o princípio da isonomia. Se foi feito para o médio e grande negócio, tem de ser feito para o pequeno também”, disse o relator em entrevista a EXAME.
O argumento de Temer para vetar o Refis das pequenas empresas é que esse tipo de empreendimento já recebe descontos por meio do Simples Nacional, um modelo de tributação diferenciado voltado aos pequenos empresários. Mesmo sem o Refis, o governo afirma que os descontos já oferecidos pela tributação diferenciada do Simples podem chegar a 80,6 bilhões de reais em 2018.
As empresas do Simples, além de terem descontos, também têm impostos unificados: em vez de fazerem diversas declarações, pagam tudo de uma só vez, em alíquotas que vão de 4% até 19% para microempresa e de 10% até 33% para empresas de pequeno porte.
Na prática, o que de fato levou o presidente a vetar a medida foi o perigo de descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal — o que poderia levar a seu impeachment, em última instância. Agora, o Executivo solicitou um estudo ao Ministério da Fazenda, que estima que o Refis do Simples custaria aos cofres públicos cerca de 7,8 bilhões de reais nos próximos 15 anos. Para as grandes empresa, o Refis deve gerar um perdão de 18,6 bilhões de reais ao ano, segundo a Receita.
A tendência é que o Congresso barre o veto de Temer assim que voltar do recesso, no dia 2 de fevereiro. Mas como quem não paga os impostos em dia é automaticamente excluído do Simples, as 600.000 empresas inadimplentes têm muita pressa. O prazo para regularizar o cadastro no Simples se encerra em 31 de janeiro, e ficar fora do programa, com Refis ou sem Refis, é um pesadelo ara muitos negócios.
Por isso, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) vem recomendando às empresas a adesão a algum plano menos vantajoso de financiamento das dívidas, pelo menos por enquanto.
O presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos, disse a EXAME que está confiante na aprovação e que tem o apoio de Temer, com quem se encontrou no último dia 5 de janeiro.
“Ele [Temer] gostaria que fosse aprovado. Mas disse que estaria sendo levado a vetar exatamente por essa ameaça que poderia até, num extremo, ser considerada para impeachment”, diz Afif.
O Sebrae também encomendou um estudo independente. Contratou o ex-presidente do STF, Carlos Ayres Britto, para emitir um parecer explicando por que o veto ao Refis é inconstitucional, por ferir o princípio da isonomia e também o artigo 179 da Constituição, que garante às pequenas empresas “tratamento jurídico diferenciado” e “eliminação ou redução” de encargos de crédito, tributários e previdenciários. Defensores do Refis do Simples argumentam que o incentivo se enquadra no que pede a Constituição.
Mesmo que seja derrubado pelo Congresso na volta do recesso, o veto de Temer ao Refis dos pequenos em meio a um completo caos fiscal serviu para ressaltar as prioridades do governo. E, entre elas, salvar a pele dos grandes empresários é mais importante que aliviar a barra de 600.000 empreendedores.
O mecanismo de oferecer descontos para quem quer regularizar seus impostos é quase uma rotina no Brasil. Nos últimos 15 anos, foram mais de 20 programas do tipo para as empresas maiores.
O governo usa o programa para angariar receitas que, sobretudo em tempos de crise, são valiosas. O Refis também acaba entrando na cota de barganhas entre o Executivo e o Congresso, sobretudo em tempos de denúncias contra o presidente e reforma da Previdência. No Refis do ano passado, o governo planejava arrecadar mais de 13 bilhões de reais, mas reduziu o montante para 7,5 bilhões, cedendo à pressão do Congresso que queria descontos ainda maiores para as empresas.
Durante a discussão do Refis das grandes e médias empresas, no ano passado, cogitou-se incluir as empresas do Simples na mesma medida, mas elas terminaram sendo retiradas. O tributarista Leo Lopes, da WFaria Advogados, explica que elas precisaram de um projeto de lei separado, porque a renúncia envolve as receitas de Estados e municípios. “Claro que houve uma grande parte política, mas como o outro Refis foi feito por Medida Provisória, havia uma questão constitucional que impedia a inclusão das empresas do Simples”, diz.
Amaury Rezende, professor do núcleo de estudos em controladoria e contabilidade tributária da FEA/USP de Ribeirão Preto, afirma que as médias e grandes empresas já incluem a expectativa pelo Refis em seus planejamentos tributários. Rezende é autor de um estudo, de 2015, que mostra que mais de 40.000 empresas no Brasil basicamente não pagam tributos.
Mas o mesmo favor não costuma ser feito às pequenas empresas do Simples, que só tiveram um programa como o Refis, em 2006. Rezende explica que isso faz com que elas percam competitividade. Outro problema é o próprio sistema tributário brasileiro, que, segundo ele, não é pensado para as pequenas empresas. “A grande empresa tem recurso suficiente para fazer planejamento tributário, entrar com liminar para suspender o pagamento, abrir outra empresa para ficar mais barato”, diz.
Contudo, como ficam as empresas que honraram os tributos em dia? “A maioria das empresas não é inadimplente. Mas o que elas ganham com isso?”, questiona Rezende. “Existem muitos problemas, mas também não adianta a pequena empresa colocar somente a culpa no tributo. Tem de estudar o negócio”
As micro e pequenas empresas (chamadas MPE) respondem por 99% dos estabelecimentos e 52% dos empregos formais de estabelecimentos privados não agrícolas do país, segundo o último Anuário da Micro e Pequena Empresa, do Sebrae, com dados de 2013.
Em 2017, as MPE acumularam saldo positivo de 486.000 novos postos de trabalho, enquanto as médias e grandes tiveram saldo negativo de 202.000. As pequenas empresas geram mais emprego sobretudo por estarem em setores que necessitam de mais mão de obra, ao contrário das indústrias, mais automatizadas e dependentes de tecnologia. No Brasil, os principais criadores de emprego no Brasil são o setor de serviços e o comércio, e as MPE representam mais de 90% das empresas desses setores.
“O Refis é um justo reconhecimento ao papel das micro e pequenas empresas. Nesse ano, foram elas quem seguraram a geração de empregos, tanto que estão empregando em plena crise”, diz Afif, presidente do Sebrae.
A saúde financeira dos pequenos negócios não é das melhores, sobretudo em tempos de crise. A taxa de mortalidade das pequenas empresas é de 23,4%, segundo um estudo do Sebrae divulgado em 2016, com dados de 2012. “A maioria das empresas está numa situação em que ou paga os funcionários ou paga o imposto“, diz Marcus Quintella, coordenador do MBA em Empreendedorismo e Desenvolvimento de Novos Negócios da FGV.
Mas ele aponta que o problema não é só a tributação. Pesa também a falta de profissionalização da gestão das pequenas empresas e a falta de políticas públicas não somente tributárias, mas que incluam, por exemplo, linhas de crédito específicas para esses negócios, que garantam acesso a capital de giro. “Não adianta a empresa dizer que não paga porque o tributo é alto. Pagar os tributos faz parte do negócio”, diz. Pelo menos para as pequenas.