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Novo auxílio emergencial deixa pelo menos 1/4 dos brasileiros na pobreza

Com valores e duração menores, nova rodada do benefício não é suficiente para manter as pessoas em casa; inflação em disparada pode até anular efeito sobre a renda

Brasileiros aguardam em fila para receber segunda parcela do auxilio emergencial do governo durante a pandemia do novo coronavírus.  (Bruna Prado/Getty Images)

Brasileiros aguardam em fila para receber segunda parcela do auxilio emergencial do governo durante a pandemia do novo coronavírus. (Bruna Prado/Getty Images)

FS

Fabiane Stefano

Publicado em 21 de março de 2021 às 09h46.

Última atualização em 21 de março de 2021 às 09h51.

Assinado na última quinta-feira (18) pelo presidente Jair Bolsonaro, a nova rodada do auxílio emergencial terá quatro parcelas mensais que variam de 150 reais a 375 reais, a depender da composição familiar, pagas a partir de abril. Serão 45,6 milhões de famílias beneficiadas - 22,6 milhões a menos do que na primeira rodada, quando 68,2 milhões de pessoas receberam parcelas que variaram entre R$300 e R$1200. 

Além de ter segurado a queda do PIB de 2020 em pelo menos 4p.p., o auxílio mais robusto do ano passado levou o Brasil atingir, em agosto, o menor nível de pobreza extrema da história: "apenas" 2,3% da população, o equivalente a 4,8 milhões de brasileiros. Em novembro, já com o auxílio reduzido à metade, a pobreza extrema subiu para 5%. E em janeiro, sem nenhum auxílio, a parcela da população que vivia com menos de R$155 reais mensais subiu ainda mais, ficando entre 10% e 15% - algo entre 21 e 31 milhões de pessoas. Antes da pandemia, no final de 2019, eram 13 milhões nessa situação.

Os números foram calculados pelo economista Daniel Duque, da Fundação Getúlio Vargas. Segundo ele, o auxílio emergencial de 2020 cumpriu o objetivo de compensar a perda do mercado de trabalho e até aumentou a renda dos mais pobres. Mas em novembro, ao contrário de maio, o auxílio reduzido não fez com que as pessoas deixassem de procurar trabalho e, assim, pudessem ficar em casa.

"Isso aconteceu, muito possivelmente, pela redução de R$300. Então, sem dúvidas, um valor ainda menor tem um efeito potencialmente nulo na redução da circulação das pessoas", explicou o economista à EXAME, destacando que a "execução atabalhoada" do programa também colabora para a diminuição dos seus efeitos. "Se as pessoas não sabem quando vão receber o auxílio e nem o valor, elas acabam obrigadas a voltar ao mercado de trabalho antecipadamente, na tentativa de garantir alguma renda para sobrevivência."

Duque projeta que, com o novo auxílio emergencial ainda mais reduzido do que nos últimos meses de 2020, os níveis de pobreza devem continuar altos: entre 5% e 10% da população ficaria abaixo da linha da pobreza extrema, e algo entre 22% e 30% ficariam abaixo da linha da pobreza. Segundo o economista, os números não são exatos porque desde novembro, quando o IBGE descontinuou as edições especiais mensais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, a Pnad Covid, cresceu a dificuldade de medir os índices de pobreza desde então.

Com inflação, impacto na renda também pode ser nulo

Também da Fundação Getúlio Vargas, o economista Lauro Gonzalez, do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo, estudou os impactos do auxílio emergencial na renda dos "invisíveis informais", que são aqueles que receberam o auxílio em 2020 mas, antes disso, não eram beneficiados por nenhum outro benefício como o Bolsa Família ou BPC. Pelas projeções de Gonzalez, um auxílio emergencial na casa dos R$250 não é suficiente para compensar as perdas de renda dessa população associadas à pandemia.

No caso das mulheres, que têm renda menor que a dos homens, o ganho seria de 10% em relação ao que elas ganhavam no pré-pandemia. Para os homens, que têm renda maior, o ganho seria de apenas 4%. Numa comparação entre unidades federativas, mesmo com o auxílio de R$250, seis estados (Rio, São Paulo, Goiás, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) e o DF registrariam perda de renda. Tudo isso em um cenário pessimista, que considera dados da Pnad Covid de julho de 2020, o pior momento da pandemia até então.

"Considerando que os números são nominais e a aceleração inflacionária desde o final do ano, esse ganho que já é pequeno pode virar zero", explica Gonzalez. "Mesmo diante da necessidade de distanciamento social para conter a pandemia, com uma reposição de renda limitada é possível que as pessoas fiquem menos confinadas do que deveriam."

Fome X Ação política

Assessora de advocacy da ONG Conectas Direitos Humanos e porta-voz da campanha #auxilioAteoFimdaPandemia, Elisa de Araújo pontua que os valores de R$600 e R$1200 do auxílio emergencial foram desenhados pelo Congresso a partir da interlocução com a sociedade civil e com especialistas, o que não aconteceu desta vez.

"É claro que qualquer valor é melhor que nada, mas é horrível do ponto de vista humanitário. Temos uma deterioração do tecido social que se aprofunda nesse momento, com milhões de de pessoas entrando em insegurança alimentar extrema", diz Araújo, destacando que o Brasil voltou ao mapa da fome e que o novo auxílio não é suficiente para comprar uma cesta básica em boa parte das capitais do país.

Para ela, dada essa realidade e o entendimento de que um endividamento extra-teto seria necessário para socorrer os mais vulneráveis, o valor oferecido deveria ser suficiente pelo menos para a subsistência dos beneficiários. Do jeito que foi feito, avalia Araújo, o auxílio emergencial parece muito mais uma ação política para passar um ajuste fiscal do que uma iniciativa de socorro àqueles em vulnerabilidade social.

"Uma vez que todos os países estão seguindo pelo caminho do endividamento, é uma escolha do governo brasileiro comprar essa narrativa [de que um ajuste fiscal é necessário para viabilizar o auxílio]", explica a especialista. "Assim como no ano passado, poderíamos prorrogar o estado de calamidade e abrir créditos extraordinários. Daqui 4 meses a pandemia não vai ter acabado. Vamos fazer o que com essas pessoas?"

Head do escritório da Oliver Wyman no Brasil, a economista Ana Carla Abrão concorda que o impacto do novo auxílio emergencial não deve ser suficiente para manter a economia rodando tanto quanto no ano passado, levando a um cenário de contínua e crescente deterioração das condições financeiras e econômicas do país.

"A retomada do auxílio em bases menores não vai dar o impulso que a gente viu no ano passado, e a economia vai continuar sofrendo", opinou Abrão no penúltimo episódio do podcast Exame Política, que discutiu como a postura do presidente Jair Bolsonaro e o atraso da vacinação impactam a retomada econômica. "Na medida que o calendário eleitoral avança, os ricos são ainda maiores. O presidente está comprometendo a estabilidade fiscal do país em nome do seu projeto eleitoral."

 

 

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