Economia

Há vida no Centro

Feio, sujo, abandonado -- são alguns adjetivos usados para descrever o Centro de São Paulo. Há quem diga que, com o esvaziamento da área, a cidade corre o risco de se tornar uma metrópole sem um centro. É verdade que os problemas são muitos. Calçadas obstruídas por camelôs, prédios ociosos que poderiam servir de moradia […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h05.

Feio, sujo, abandonado -- são alguns adjetivos usados para descrever o Centro de São Paulo. Há quem diga que, com o esvaziamento da área, a cidade corre o risco de se tornar uma metrópole sem um centro. É verdade que os problemas são muitos. Calçadas obstruídas por camelôs, prédios ociosos que poderiam servir de moradia ou como escritório, monumentos maltratados. Mas o Centro tem seus encantos. Teatros, livrarias, restaurantes, hotéis -- tudo ao alcance, a pé ou de metrô. Nos últimos anos, vários prédios foram reformados para abrigar centros culturais e órgãos do governo. Espaços públicos foram recuperados pela iniciativa privada. Bem servido de infra-estrutura, o Centro está vivo. Não à toa, muitos executivos e empresários afirmam que não trocariam a região por nenhuma outra para trabalhar. Nas páginas a seguir, alguns deles contam um pouco de sua paixão pelo velho Centro.

"A Klabin foi fundada em 1899. Desde então, sempre esteve presente no Centro. Veio para a rua Formosa em 1953. O lugar tem tradição, o conjunto arquitetônico é muito belo. Provavelmente há locais mais charmosos na cidade, mas não com as vantagens daqui. O acesso dos funcionários é facilitado pelo metrô. A tão falada falta de segurança não é maior aqui do que nos Jardins. Acabo de assumir a presidência da empresa e estou satisfeito por sair da Vila Olímpia e vir para cá. Adoro a região do Teatro Municipal, que freqüento desde os anos 60. Hoje temos também a Sala São Paulo, tão charmosa quanto o teatro. O Centro é um lugar ótimo para mim, que aprecio música erudita. A Klabin está patrocinando a recuperação do monumento a Carlos Gomes, dentro do programa Adote uma Obra de Arte, da prefeitura. Não tive nenhuma influência sobre a escolha, mas fiquei muito feliz. Para que a beleza da área continue digna do que é o Centro, não podemos desprestigiar as construções."

Miguel Sampol Pou presidente da Klabin, no monumento a Carlos Gomes

"Sempre trabalhei no Centro e não penso em sair daqui. A Votorantim mantém a administração das áreas de indústria básica, metalurgia e energia no prédio da Praça Ramos de Azevedo. Temos departamentos em outros lugares também, mas gosto mais daqui. Alguns anos atrás, havia no mínimo 200 mendigos na praça. Eles invadiram completamente o local. Dormiam o dia inteiro, tomavam banho de sol, bebiam pinga. Não dava para passar ali. Era briga, arrastão, bebedeira, até assassinatos. Pedi então licença à prefeitura para mexer na praça. Recuperamos o jardim, ficou muito bonito. As crianças voltaram a passear na praça com as mães. Isso me deixa satisfeito. É uma coisa pequena, mas mostra que é possível recuperar o Centro. Esta região já foi a mais bonita de São Paulo. Mas precisamos conhecer a realidade. Veja, por exemplo, a rua Xavier de Toledo. É impossível transitar nela. Acabaram com as calçadas. Não sou contra camelôs, mas é preciso discipliná-los. Eles estão em tudo que é parte. Ando sozinho aqui, mas às vezes o lugar assusta. A turma é barra pesada. A Praça da República, tão linda, está cheirando mal. Não é mais um lugar agradável para se passear. É preciso limpar a Praça da República, a Xavier de Toledo, a Barão de Itapetininga, a 24 de Maio... Não é tão difícil, mas é preciso ter vontade."

Antonio Ermírio de Moraes dono do Grupo Votorantim, na praça Ramos de Azevedo

Depoimento concedido a Cláudia Vassallo

"Em 1982, trabalhei por três meses no Lloyds Bank da Líbero Badaró. Voltei para o Centro em novembro do ano passado. Apesar das poucas vagas de estacionamento, o que me impressionou foi o fácil acesso de carro. Ao contrário do que se pensa, é uma região com um nível de segurança maior que a média, talvez por causa da presença da Secretaria de Segurança Pública e dos vários bancos. Não vejo assaltos nem trombadinhas por aqui. A pé, sinto-me mais seguro no Centro do que, por exemplo, na Berrini. A .comDominio foi fundada aqui há dois anos. Muitos prédios antigos da região têm sido reformados, como é o caso do nosso, na rua Miguel Couto. A estrutura é velha, mas as instalações são de Primeiro Mundo. O Centro é o local ideal para um data center: aqui há mais operadores de fibra óptica do que em qualquer outro lugar da cidade. Temos várias alternativas de conectividade. Outro aspecto importante é que dificilmente falta energia elétrica. Para empresas de tecnologia, o Centro oferece a melhor relação custo-benefício. Além disso, gosto dos estabelecimentos tradicionais que freqüento há 20 anos, como cafés, churrascarias, sapatarias, os ótimos e elegantes restaurantes... Uma coisa que me chama a atenção são as pessoas nas ruas. Há um homem que faz imitações em voz alta, de Tarzan a Silvio Santos. Ele faz das minhas caminhadas uma comédia. "

Roberto Bogado Duarte vice-presidente de marketing da .comDominio, no Vale do Anhangaba

"A Marítima foi fundada em Santos em 1944 e se mudou para São Paulo um ano depois, para ficar perto dos corretores. Instalou-se no 10o andar de um edifício na rua Xavier de Toledo. Com o tempo, a empresa comprou o prédio inteiro. Além de ser uma espécie de carta de referência para os clientes, o Centro tem toda a infra-estrutura necessária para a operação da seguradora. Cerca de 80% de nossos funcionários vêm da Zona Leste, e o metrô é fundamental para eles. O metro quadrado aqui custa um décimo do da Berrini, e estamos rodeados de boas empresas prestadoras de serviço. Não temos motivo para sair daqui e ir para uma torre de vidro qualquer. A vida no Centro é muito intensa. Algumas vezes trabalho até mais tarde e saio a pé direto para o Municipal, para assistir a um concerto ou a uma ópera. Depois, janto por aqui mesmo. A culinária do Centro tem locais muito pitorescos, bons para levar meus clientes. Um deles é o restaurante do Automóvel Clube do Brasil, onde só se pode comer de terno e os garçons servem à moda antiga. Depois do almoço, gosto de comprar um charuto e sair fumando pelas ruas da região. Fico muito tempo nos sebos à procura de livros. "

Milton Beliziadiretor executivo da Marítima Seguros, no restaurante do Automóvel Clube do Brasil

A Associação Viva o Centro é apontada como uma das principais responsáveis pela revitalização da região central da cidade. Mas seu presidente, o executivo Marco Antonio Ramos de Almeida, prefere falar em outros termos. "Nunca usamos a palavra revitalização", diz. "Se há uma área de São Paulo extremamente viva, é o Centro." Segundo ele, a região precisa é ser requalificada e recuperada. Formada por empresas e órgãos que atuam na região, a Viva o Centro promove campanhas, pesquisas e parcerias para desenvolver a área. Almeida, que é diretor de relações institucionais do BankBoston, participa do grupo desde sua fundação, em 1991. Nesta entrevista, ele faz um diagnóstico do Centro e discute por que ali é um bom lugar para fazer negócios.

Qual a importância do Centro para a cidade de São Paulo

Dez distritos formam a região central: Pari, Brás, Bom Retiro, Liberdade, Consolação, Cambuci, Bela Vista, Santa Cecília, Sé e República. Quando falamos no Centro nos referimos basicamente aos dois últimos, que têm 4,4 quilômetros quadrados. Isso é menos de 0,5% da área da cidade, mas representa 8% dos empregos e 40% da área ocupada pelo sistema financeiro paulistano. Segundo uma pesquisa do Metrô, o Centro é o destino final de 22% das viagens diárias feitas nos 39 municípios da Grande São Paulo. Isso significa perto de 2 milhões de pessoas. Além de abrigar secretarias do governo e ser um pólo cultural, é um centro comercial importantíssimo, que foge do comércio padronizado dos shoppings. Aqui as lojas são especializadas, como na Santa Ifigênia (eletroeletrônicos) e na Florêncio de Abreu (equipamentos de precisão).

Por que a associação rejeita o termo "revitalização" do Centro?

Esta é uma região extremamente democrática do ponto de vista socioeconômico: há desde altos executivos e dirigentes políticos até a legião de faxineiros para limpar os prédios. Há também uma grande diversidade étnica, com a comunidade asiática, européia e judaica. A força e a riqueza do Centro é sua diversidade. É por isso que não precisa de revitalização.

Quais as vantagens comparativas do Centro?

O Centro tem a melhor infra-estrutura da capital. São sete estações de metrô, duas estações ferroviárias, quatro terminais urbanos de ônibus. A energia elétrica é distribuída por um sistema reticulado, que não se faz mais em São Paulo. Se um cabo se arrebenta, a energia não é interrompida, pois ela flui por vários caminhos. Isso tem atraído muitas empresas que necessitam de tecnologia de ponta, como call centers e web hosts. Além disso, todas as companhias de fibra óptica da cidade atendem o Centro.

Se tudo é tão bom, onde está o problema?

O Centro tem, essencialmente, problemas de gestão e de falta de investimento privado. O setor público investe aqui há mais de 400 anos, mas a prefeitura e o estado não tinham, até há bem pouco tempo, mecanismos próprios de gestão para uma área tão complexa.

Por que o Centro é tão importante para a economia?

Quem vai a Roma ou a Paris quer ver o centro da cidade. Precisamos de ações que possam viabilizar nosso Centro como local de lazer, cultura, turismo, entretenimento e educação, que são as atividades que mais geram emprego. Um posto de trabalho industrial custa de 250 000 a 1 milhão de dólares para ser criado. Já um restaurante ou uma peça de teatro envolvem muitas pessoas com um custo muito mais baixo. Precisamos atrair o turista, que só vem gastar e não toma o emprego de ninguém.

Daí a importância da requalificação para tornar o Centro mais atraente?

Exatamente. Dar qualidade significa, primeiro, limpeza. A rua precisa ser varrida e ficar sem sacos de lixo empilhados. As calçadas devem estar em bom estado. As vias precisam estar desimpedidas, sem equipamentos degradados, camelôs, bancas de jornal gigantescas ou orelhões mal situados. Todas essas questões dependem mais de gestão que de investimentos. Se a gestão melhorar, os investimentos privados virão.

Por que, durante a noite, tem-se a impressão de abandono?

Isso ocorre principalmente no triângulo formado pela Praça da Sé e pelos largos São Bento e São Francisco. Essa área não permite o acesso de carro por causa dos calçadões. Realmente há um contraste: durante o dia é cheio de gente e à noite está tudo fechado. No mundo inteiro, locais como esses são turísticos: depois do expediente, é hora de funcionarem bares, restaurantes e centros culturais.

Por que isso não acontece em São Paulo?

Provavelmente porque aqui não há sensação de segurança. Na realidade, o Centro é uma das áreas menos inseguras da capital, segundo as estatísticas policiais. Mas, para que haja um grande movimento noturno, não basta ser seguro. É preciso parecer seguro. Esse marketing da segurança é necessário para realizar a vocação da região de gerar emprego e renda.

Por que as grandes empresas têm optado por outras áreas?

O grande problema do Centro é que faltam edifícios novos. As empresas modernas precisam de edifícios amplos, com grandes lajes. Mas há bastante espaço para que edifícios como esses sejam construídos. Para as empresas de porte médio, já há locais adequados. Outro problema é o difícil acesso de carros. Temos um conceito errado de calçadão: ele não deve ser uma área de pedestres, mas ter um horário para pedestres.

Qual o papel da Viva o Centro nas mudanças recentes na região?

Há dez anos, percebemos que precisávamos sensibilizar o poder público, o empresariado e a mídia. Todos viam o Centro como um problema, ele estava condenado. A mudança desde então foi brutal: foram criados programas especiais, como o Pró-Centro, da prefeitura, e o Centro Seguro, do estado. Do governo federal, conseguimos que se trouxesse o Centro Cultural Banco do Brasil e que se recuperasse o edifício dos Correios. Hoje o Centro faz parte da mídia e já há até uma legislação especial, a Operação Urbana Centro, aprovada em 1997.

Qual vai ser o papel do Centro no futuro de São Paulo?

Hoje muitas pessoas que visitam a capital -- ou moram aqui -- não vêm ao Centro. Isso cria uma sensação de estranheza, porque a área central, onde a cidade se formou, é que lhe dá identidade. O que mais importa numa empresa é a marca. Para uma metrópole, é a mesma coisa: quem pensa em Paris pensa nos Champs-Elysées. E aqui? Lugares como a avenida Paulista e os Jardins existem em qualquer lugar. Recuperar e reforçar a identidade do Centro serve para atrair turistas e criar vínculos com os moradores. Não se trata de querer voltar ao passado, mas de nos preparar para o futuro.

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