Briga entre Irã e EUA chega cedo ao Brasil: comércio pode sentir o baque
Apesar de Bolsonaro ter negado que o conflito possa esfriar a relação bilateral com o Irã, há motivos para preocupação, segundo especialistas
Ligia Tuon
Publicado em 7 de janeiro de 2020 às 14h03.
Última atualização em 9 de janeiro de 2020 às 17h20.
São Paulo — As faíscas da briga entre Estados Unidos e Irã chegaram cedo ao Brasil. E, apesar de o presidente Jair Bolsonaro ter negado nesta terça-feira (07) que o conflito possa esfriar a relação bilateral entre Brasil e Irã, há motivos para preocupação, segundo especialistas.
Ontem, a representante brasileira no Irã foi convocada para explicar nota divulgada pelo Itamaraty na sexta-feira (03) sobre a morte do general Qasem Soleimani, comandante da Força Quds da Guarda Revolucionária iraniana, na qual manifesta “apoio à luta contra o flagelo do terrorismo.”
Na nota, o governo diz que “o Brasil está igualmente pronto a participar de esforços internacionais que contribuam para evitar uma escalada de conflitos neste momento”.
Apesar de não declarar diretamente apoio aos Estados Unidos, o posicionamento brasileiro causou um desgaste na relação com o Irã, segundo o embaixador Paulo Roberto de Almeida, que já serviu em embaixadas de destaque como Paris e Washington.
"Para os iranianos, a postura do Brasil é uma deslealdade em relação às boas relações que os países vinham tendo desde a revolução iraniana, nos anos 70", diz Almeida.
Em 2018, as exportações do Brasil para o Irã representaram 0,94% (US$ 2,26 bilhões) de todos os desembarques do país, formados preponderantemente de produtos básicos, como milho, soja, açúcar e carne. Já os embarques vindos da terra persa, compostos na maioria de produtos semimanufaturados de ferro e aço, representaram 0,022% (US$ 39 milhões) das importações brasileiras.
"A participação do Irã nas exportações brasileiras não é grande, mas não podemos negar que, no médio prazo, uma situação de instabilidade pode gerar problemas para a economia global e impactar exportações para outros destinos, mais especificamente na questão de carnes", diz Vinícius Vieira, professor de Relações Internacionais da FGV e da Faap.
O Oriente Médio abriga países com relações comerciais fortes e crescentes com o Brasil, à medida que o país goza de uma posição de destaque na produção da carne halal, técnica sagrada de abate que segue premissas do Alcorão. Esse direcionamento vem fortalecendo os laços do país com a comunidade islâmica e, consequentemente, impulsionando as exportações para países árabes.
E, se o Irã, que não é um país árabe, é responsável por menos de 1% das exportações que saem do Brasil, os países árabes, por outro lado, são responsáveis por 10% desses desembarques.
"Quem entrou nesse mercado (de carne halal) certamente acabará perdendo se a tensão na região se acentuar. Hoje, num cenário de crise e falta de clareza no cenário político-econômico internacional, qualquer perda de mercado é relevante, pois reduz a nossa capacidade de internalizar dólares por meio do comércio exterior", diz Vieira.
Os produtores que exportam para a região podem ter de lidar também com a pressão da tensão no custo do frete cobrado no deslocamento do produto. "Ainda que não haja uma guera, as cargas podem estar sujeitas a não entrega ou a toda uma série de fatores, por conta do risco que correm por estarem na região", diz Vieira.
No curto prazo, o exemplo mais relevante do impacto que a escalada da tensão no Oriente Médio pode trazer é a disparada do preço do petróleo. Por enquanto, os valores comercializados pela commodity subiram cerca de 4%, mas há temores de que uma expansão do conflito possa comprometer o abastecimento e, consequentemente, os preços de forma considerável.
"O impacto no setor de petróleo ou de energia em geral pode vir tanto por um ataque em novas instalações da Arábia Saudita, por exemplo, quanto com eventuais afundamentos de barcos petroleiros no estreito de Ormuz. Nesse caso, o fluxo prejudicado na região poderia reduzir 20% ou 30% do direcionamento de petróleo para países importadores e isso seria extremamente grave, não só pelo impacto nos preços", diz Almeida.
Um eventual bloqueio do canal de Ormuz, por onde passa cerca de35% da exportação de petróleo vindo dos países árabes e do Irã, também é um risco, segundo Michel Alaby, consultor de comércio exterior.
"Caso esse bloqueio seja feito, a tendência é que o preço do petróleo suba mais e que a volatilidade do câmbio no Brasil cresça, já que os investidores vão procurar portos seguros para investir", diz Alaby.
Temendo o impacto do aumento dos preços na economia interna, o governo brasileiro disse nesta segunda-feira que tem trabalhado na elaboração de políticas para não ficar refém do petróleo.
Apesar de não ter detalhado o plano, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, disse a jornalistas que a palavra “subsídio” não seria a adequada para definir o que está sendo avaliado.
O que pode complicar bastante esse cenário, segundo Vieira, é o fato de o Irã ter anunciado que vai voltar a enriquecer urânio. Isso gera problemas de longo prazo e pode trazer até mais instabilidade do que o resultado da retaliação prometida contra os EUA.
"A vingança virá, mas o que mais deve preocupar o mundo é essa possibilidade de o Irã adquirir armas nucleares, o que tanto para os EUA quanto para Israel seria intolerável. E pode, no limite, ainda que não haja uma reação forte, gerar uma corrida armamentista na região", diz Vieira.
Um agravante para o Brasil nesse contexto de brigas é o fato de o país ter se comprometido a sediar em fevereiro o encontro do processo de Varsóvia, liderado pelos EUA e tido como uma conferência internacional de luta contra o terrorismo. O encontro é visto também como uma tentativa de isolar o Irã na região.
"Até esse encontro, acho difícil o Brasil ser retaliado comercialmente. Depois disso, porém, fica mais fácil de o Irã pensar em cortar ou reduzir laços econômicos com o país", diz Vieira.
Nesse meio tempo, a expectativa de diplomatas e consultores internacionais é de que outros países atuem para amenizar a tensão na região. "Não é interesse de ninguém que haja uma guerra. Até o Congresso dos EUA deve ter papel importante no controle dos ânimos de Trump nesse momento. A loucura, no entanto, continua", diz o embaixador Paulo Roberto de Almeida.