Ciência

Pessoas sem sintomas não transmitem o coronavírus? Não é bem assim

Declaração da OMS causou confusão sobre a transmissão do novo coronavírus por parte de pacientes assintomáticos da covid-19

Pedestres no Rio de Janeiro: mesmo quem não apresenta sintomas do novo coronavírus é capaz de transmitir a doença (Andre Coelho/Getty Images)

Pedestres no Rio de Janeiro: mesmo quem não apresenta sintomas do novo coronavírus é capaz de transmitir a doença (Andre Coelho/Getty Images)

FS

Filipe Serrano

Publicado em 9 de junho de 2020 às 17h05.

Última atualização em 9 de junho de 2020 às 19h42.

A polêmica declaração de uma representante da Organização Mundial da Saúde na segunda-feira levantou um debate aquecido sobre as infecções causadas por pacientes da covid-19 que não apresentam nenhum sintoma. Ao responder à pergunta de um jornalista durante uma coletiva de imprensa, a chefe da unidade de doenças emergentes e zoonoses da OMS, Maria van Kerkhove, afirmou que infecções causadas por pacientes assintomáticos da covid-19 são “muito raras.”

A afirmação causou confusão porque as evidências até agora sugerem que pessoas sem sintomas também podem transmitir o vírus da mesma forma que um paciente sintomático. Depois da repercussão, a Organização Mundial da Saúde se retratou e afirmou que a dinâmica exata da transmissão do novo coronavírus ainda é desconhecida, e não descartou que pessoas assintomáticas possam passar o vírus a outras.

De acordo com cientistas, um dos problemas com essa afirmação é que é muito difícil distinguir entre os pacientes que são verdadeiramente assintomáticos (isto é, aqueles que não apresentam nenhum sintoma durante todo o período da infecção) e os pré-sintomáticos (pessoas infectadas que vão apresentar sintomas mais para a frente).

As pesquisas feitas até agora indicam que cerca de 20% das pessoas que contraem o novo coronavírus se encontram na primeira categoria — a dos assintomáticos —, de acordo com um estudo de cientistas australianos que analisaram 571 artigos científicos publicados sobre o tema. Os demais 80% são casos de pessoas que acabam apresentando algum dos sintomas (como febre, coriza, falta de paladar e dores no corpo) em algum momento da infecção.

O problema é que, entre as pessoas que contraem o coronavírus, boa parte só apresenta sintomas depois de alguns dias. E nesse período em que estão pré-sintomáticas, elas têm uma carga viral tão alta quanto a de uma pessoa sintomática e podem transmitir o vírus da mesma forma que elas. Um estudo feito na China com 97 pacientes mostrou que 44% transmitiram a doença a outras pessoas durante a fase pré-sintomática. Outras pesquisas estimam que 40% a 60% das transmissões ocorrem justamente no período em que as pessoas ainda não apresentam sintomas.

“A pessoa que tem o vírus na faringe pode transmiti-lo quando fala, tosse ou espirra, ejetando o vírus através de gotículas no ar, mesmo se não apresentar nenhum sintoma”, diz o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, ex-presidente da Anvisa.

Ainda não se sabe exatamente se uma pessoa totalmente assintomática pode transmitir o vírus da mesma maneira que um pré-sintomático. Mas, como é difícil diferenciar os dois tipos de casos, a recomendação do distanciamento social e o uso de máscaras ainda são a melhor maneira de evitar o contágio, segundo os especialistas. “É possível que as pesquisas mostrem o contrário, mas, por enquanto, é uma ideia equivocada dizer que os assintomáticos não transmitem o vírus”, diz Vecina Neto.

Uma questão que intriga os cientistas é que algumas pessoas assintomáticas também podem apresentar uma alta concentração do coronavírus nas vias aéreas. Esta carga viral alta indica que mesmo essas pessoas sem sintomas podem estar transmitindo o vírus. "É muito mais provável que os casos pré-sintomáticos tenham uma participação maior no ciclo de transmissão, mas não se deve descartar o papel de alguns indivíduos assintomáticos, justamente por causa da carga viral que eles têm apresentado", diz o virologista Fernando Spilki, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV).

Para o pesquisador, por essas razões, o ideal é que fosse feito um rastreamento mais detalhado das pessoas que tiveram contato com quem contraiu o coronavírus, para que elas possam ser isoladas mesmo se não apresentarem sintomas. "Nos lugares onde isso foi feito, como na Coreia do Sul e em algumas cidades brasileiras, os resultados no controle da epidemia foram muito melhores", diz Spilki. "É uma estratégia muito mais inteligente."

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