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"Passaportes de vacinação" podem excluir classes menos afortunadas

Em aplicativo ou com um simples pedaço de papel, o certificado de vacinação poderia ser utilizado para filtrar a entrada de pessoas em estabelecimentos comerciais

Passaporte covid-19: certificado pode se tornar um problema ético e social (SOPA Images / Colaborador/Getty Images)
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Rodrigo Loureiro

Publicado em 4 de abril de 2021 às 08h00.

(Bloomberg Businessweek) – Em 15 de março, o Parlamento britânico voltou-se para a questão do momento: como reabrir pubs, cinemas e estádios de futebol. Afinal, quase metade da população adulta já recebeu a vacina contra o covid-19 , e o primeiro-ministro Boris Johnson declarou que o fim da crise "realmente está próximo". No centro da discussão estava o “ passaporte de vacinação ", um aplicativo para smartphone ou um pedaço de papel que atestasse a vacinação, dando ao portador liberdade para viajar, ir a shows, bares e restaurantes, ou mesmo apenas retornar ao trabalho no escritório. No entanto, o que parece ser uma solução prática para um problema sem precedentes causa uma abertura para uma série de questões éticas e legais. “Significaria passe livre para o bar”, trovejou o conservador Membro do Parlamento, Steve Baker, em um debate parlamentar. “Não pensei que essa fosse a sociedade em que desejávamos viver.”

Políticos, poucos estudiosos de ética e epidemiologistas em todo o mundo estão envolvidos com o mesmo problema. À medida que a distribuição de vacinas se acelera no Reino Unido, nos Estados Unidos e em muitos outros países, como poderemos reabrir a economia com segurança, e permitir que as pessoas que foram vacinadas estejam comprovadamente livres do covid-19 para retornar à vida pré-pandêmica sem risco para o resto da população? Mais importante, como podemos fazer isso de maneira equitativa, porque os passaportes poderiam facilmente beneficiar os ricos e mais afortunados, permitindo que os grupos minoritários e os pobres fiquem para trás. “Há um forte sentimento de que estamos todos juntos nisso, e apenas como sociedade sairemos, mas se permitirmos que algumas pessoas tenham liberdades e privilégios e outras não, isso pode corroer esse sentimento solidariedade”, diz David Archard, presidente do Conselho de Bioética Nuffield, em Londres. “Existem benefícios claros, mas acho que, considerando o equilíbrio, os riscos e danos potenciais superam os ganhos.

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Fornecer comprovante de vacinação não é novidade. Muitos países tropicais e subtropicais exigem que viajantes comprovem que foram vacinados contra a febre amarela, e outros querem a prova de uma vacina contra a poliomielite de pelo menos alguns viajantes. Mas um programa de passaporte de vacinação contra o covid-19 exigiria coordenação global em uma escala sem precedentes, exigindo uma infinidade de ações apenas para a emissão do documento. A organização sem fins lucrativos, Projeto dos Comuns (Commons Project) e o Fórum Econômico Mundial conversaram com funcionários de 52 países sobre o desenvolvimento daquilo que eles chamam de Carteira de Saúde Comum, com o objetivo de devolver as viagens e o comércio aos níveis anteriores à crise. A Associação Internacional de Transportes Aéreos (IATA), órgão que representa as empresas aéreas, está trabalhando em uma ideia semelhante. A União Europeia delineou planos para certificados digitais para facilitar a movimentação em todo o bloco. As companhias aéreas dos EUA pressionaram o governo Biden a estabelecer padrões para passaportes de saúde.

Mesmo sem diretrizes governamentais, empresas como restaurantes e teatros podem assumir a liderança e exigir que seus clientes comprovem que foram vacinados. Mas empresas que implementam medidas como políticas do tipo “sem vacina, sem emprego” se arriscam a cair em armadilhas legais, alegaram os professores da Universidade de Oxford, Christopher Dye e Melinda Mills, em 19 de março na revista Science. “A liberdade de escolha individual de funcionários, contrária à obrigação e à preferência da empresa pelo cuidado de todos os funcionários, pode ser contestada no tribunal”, escreveram eles.

A maior preocupação para muitos defensores da saúde é o acesso às vacinas. Mais de três meses depois que as primeiras vacinas foram aprovadas para uso na Grã-Bretanha, as diferenças nas taxas de vacinação são gritantes. Embora o Reino Unido tenha aplicado, pelo menos uma dose, para mais de 40% de sua população e os EUA a cerca de um quarto, inúmeras áreas do globo ainda estão esperando, sendo que apenas 10 países respondem por três quartos de todas as vacinas administradas. “Há uma enorme disparidade de disponibilidade e acesso entre países de alta, baixa e média renda”, diz Mark Eccleston-Turner, especialista em direito e doenças infecciosas da Universidade Keele, na Inglaterra. “Se adicionarmos a isso uma carteirinha de vacinação, acabaremos com um sistema muito claro de dois níveis.”

A defasagem ameaça deixar os países em desenvolvimento ainda mais para trás. Sem vacinas, esses países correm o risco de repetidas ondas de infecção e novas variantes. O uso de passaportes pode exacerbar o “nacionalismo da vacina” , tornando ainda mais urgentes os esforços para fortalecer os sistemas de saúde e acelerar as imunizações, diz Nicole Hassoun, professora da Binghamton University em Nova York. “A desigualdade na vacinação é um grande problema que pode ser agravado por esse sistema”, diz ela.

No mundo desenvolvido, a perspectiva de passaportes levanta o espectro de um novo abismo de gerações. Durante a maior parte do ano passado, os jovens foram solicitados a permanecer socialmente distantes dos amigos – para proteção da própria saúde, é claro, mas ainda mais para a das pessoas mais velhas e vulneráveis. Pelo fato dos idosos têm sido os primeiros a serem vacinados, eles provavelmente seriam os primeiros a obter passaportes, deixando os jovens presos em casa, enquanto os avós correm para a Sardenha ou Santorini.

Não ter esse passaporte pode dificultar o acesso a oportunidades de emprego e de negócios também, especialmente para migrantes e pessoas mais jovens, que não fazem parte do grupo prioritário das vacinas, diz Chetan Kapoor, cofundador do Barômetro da Viagem Segura, empresa indiana que monitora medidas de saúde e segurança. Para as pessoas que receberam ofertas de emprego ou foram admitidas em universidades no exterior, ele sugere um protocolo que permite tomar vacinas no local de destino. “Pessoas mais jovens em quase todos os países estão no final da lista”, diz Kapoor. “Isso cria um mundo realmente binário entre quem tem e quem não tem”.

O argumento contrário é que as medidas de bloqueio também aumentaram drasticamente a desigualdade, pois as pessoas perderam empregos, lutaram para cuidar dos filhos e foram forçadas a viver grande parte de suas vidas de forma virtual. Alguma forma de passe para apressar o retorno ao normal faria com que muitas dessas pessoas se recuperassem. Por enquanto, o aumento do desemprego e o aumento das diferenças socioeconômicas significam que esses passaportes fazem sentido mesmo que favoreçam alguns grupos em detrimento de outros, diz Maya Fried, da Associação pelos Direitos Civis em Israel. Mas, no longo prazo, um sistema de passaporte pode se tornar “um terreno fértil para questões de direitos civis”.

*com Alisa Odenheimer

Tradução de Anna Maria Della Luche

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