Ciência

O jeitinho brasileiro para entrar na corrida trilionária da computação quântica

Brasil prepara plano de R$ 5 bilhões e usa biodiversidade e luz como apostas na corrida pela computação quântica

Computação quântica: entenda potencial brasileiro (akinbostanci/Getty Images)

Computação quântica: entenda potencial brasileiro (akinbostanci/Getty Images)

Maria Eduarda Lameza
Maria Eduarda Lameza

Estagiária de jornalismo

Publicado em 2 de dezembro de 2025 às 06h14.

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A computação quântica deixou de ser ficção científica para se tornar uma aposta de trilhões de dólares. Segundo a consultoria McKinsey, a tecnologia pode gerar ganhos de até US$ 2 trilhões na próxima década. China e Estados Unidos já investiram mais de US$ 42 bilhões. O Japão, US$ 7,4 bilhões. E o Brasil também corre para não ficar de fora dessa revolução.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) prepara uma portaria que oficializa investimentos públicos e privados de R$ 5 bilhões até 2034. Mas a estratégia brasileira tem um diferencial.

Em vez de competir de frente com potências em supercondutores — a tecnologia usada por Google, IBM e Amazon —, o país aposta na computação quântica fotônica voltada para descoberta de novas moléculas. E tem um trunfo único: a biodiversidade.

O que é computação quântica?

Para entender a aposta, é preciso voltar ao começo do século 20.

"A física quântica surgiu para explicar observações da natureza para as quais toda física que a gente conhecia não conseguia explicar, como a luz", diz Pierre Louis de Assis, professor de física da Unicamp à EXAME. "O laser é um fruto da teoria quântica."

A ideia de usar essa física para fazer computadores surgiu nos anos 1980. Pesquisadores perceberam que simular sistemas quânticos grandes era impossível para computadores convencionais. Essa área da computação é multidisciplinar e envolve cientistas da física, da matemática e da engenharia.

A mágica está na unidade básica. Computadores tradicionais usam bits (0 ou 1). Quânticos usam qubits que podem sobrepor 0 e 1 ao mesmo tempo. "Para descrever 60 bits quânticos, não existe computador no mundo que consegue armazenar na memória todos os números necessários", afirma Assis.

Jeitinho brasileiro

Existem dois caminhos na computação quântica. O primeiro é composto por supercondutores, a tecnologia usada por Google, IBM e Amazon. Eles precisam operar em temperaturas baixíssimas (-273°C) e fazem operações de forma "determinística". "No supercondutor, quando você aperta um botão aquilo acontece", diz Pierre.

A segunda opção é a computação fotônica, que usa a luz e é a especialidade do professor. "Nesse caso, tem 25% de chance de acontecer o que eu queria. Isso porque dois fótons não interagem entre si."

Isso pode até parecer uma desvantagem, mas o pesquisador enxerga oportunidade estratégica. "O jeito que eu vejo a corrida: eles largaram na frente, mas se depararam com um problema difícil de resolver. Nosso problema aparece primeiro, mas se for resolvido, a gente pula lá para frente", afirma.

O Brasil aposta nessa rota alternativa. "Um processador quântico que não é universal, mas pode resolver problemas interessantes", diz.

Aplicações reais da computação quântica

Um dos problemas que pode ser resolvido pela computação quântica é o encaixe molecular, processo de verificar se uma molécula de remédio vai se encaixar na molécula alvo dentro de uma célula. Hoje, esse processo leva anos. Com a computação quântica, pode cair para meses.

Para o professor, é aí que está o potencial brasileiro. O Brasil tem milhões de moléculas não estudadas na Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado. Combinar essa biodiversidade com processadores quânticos fotônicos pode criar vantagem que outros países não têm.

A Unicamp receberá no próximo ano um equipamento para fabricar chips quânticos. Dois Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) foram criados, um de Computação Quântica Aplicada, em Pernambuco, e outro de Dispositivos Quânticos, em Campinas. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) destinou R$ 150 milhões para computação quântica. 

Descoberta de medicamentos não é a única aplicação. "Resolver um problema de otimização pode ser achar o menor caminho para uma empresa de logística", afirma Assis. Calcular distribuição de energia elétrica, criar portfólios de investimentos, aprimorar a criptografia e otimizar rotas de plantio no agronegócio também são possibilidades em vista.

Existe ainda a convergência do mundo quântico com inteligência artificial. Os processadores fotônicos que o professor pesquisa podem ter relação direta com o treinamento e o aprendizado de IA. "Esses circuitos podem fazer parte das unidades de processamento. Isso seria muito mais econômico energeticamente, porque gasta muita eletricidade treinar uma IA. Com luz gastaria menos", diz.

Desafios para o Brasil

O professor afirma que, entretanto, existe um problema que impede o avanço mais rápido da computação quântica: o teorema da não clonagem. "Na computação quântica você não pode copiar sua informação. Se algo dá errado, você tem que começar do zero. A correção de erros quântica é muito mais complicada", afirma.

Em dezembro de 2024, o Google deu um salto. Seu chip Willow, com 105 qubits supercondutores, resolveu um cálculo em 5 minutos que levaria 10 septilhões de anos no supercomputador mais rápido do mundo, um número que excede a idade do Universo. Mas o verdadeiro avanço não foi a velocidade. Willow conseguiu algo reduzir erros exponencialmente à medida que mais qubits são adicionados. Normalmente, quanto mais qubits você adiciona, mais erros acontecem.

Ainda assim, Pierre afirma que ainda faltam muitos passos. "Nós estamos na infância. Até os maiores processadores da IBM, Google, Amazon ainda estão aprendendo a fazer os bits quânticos de verdade. É um super quebra-cabeça", diz.

Quando ao potencial brasileiro, Assis é otimista. "A gente não tem abundância de recursos da União Europeia, EUA, China, mas tem muito capital humano qualificado e queremos desenvolver isso."

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