Ciência

Hobby perigoso: importação ilegal de serpentes dispara no Brasil

País vê proliferação de cativeiros de cobras exóticas e venenosas. Comprá-las ficou mais fácil: há seis anos, uma naja custava R$ 15 mil. Hoje, R$ 1 mil

Cobra chinesa (Naja atra) (Skink Chen/Reprodução)

Cobra chinesa (Naja atra) (Skink Chen/Reprodução)

RC

Rodrigo Caetano

Publicado em 14 de julho de 2020 às 18h54.

Última atualização em 14 de julho de 2020 às 19h05.

Durante cinco meses, a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), ONG que combate o comércio ilegal de animais, monitorou 250 grupos nas redes sociais ligados à atividade criminosa. Nesse período, foram identificadas 3,5 milhões de mensagens referentes à compra e venda de espécies exóticas, como cobras, aranhas, araras, papagaios e até sapos peçonhentos. Um aspecto chamou atenção da Renctas: é cada vez maior a importação de animais venenosos, prática proibida no Brasil. 

Segundo Dener Giovanini, coordenador geral da organização, é grande o número de serpentes e outros animais peçonhentos no País, embora não seja possível estimá-lo com precisão. “É uma atividade ilegal sem qualquer registro”, afirma. “E é muito perigosa para a saúde pública e para o meio ambiente”. 

Na semana passada, um jovem de Brasília foi picado por uma cobra naja, natural da África, que ele mesmo havia trazido ilegalmente. O acidente revelou uma rede de tráfico de animais silvestres operando no País. O dono da naja possuía outras 17 serpentes mantidas em cativeiro. 

Embora seja possível criar algumas espécies em cativeiro, a importação é totalmente proibida, ainda mais de serpentes venenosas. O monitoramento da Renctas, no entanto, já identificou a entrada das cobras mais perigosas do mundo, como a víbora do Gabão, a cobra rei asiática e a temida taipan do interior, natural da Austrália, considerada a serpente mais peçonhenta do mundo. Seu veneno pode matar uma pessoa em menos de 45 minutos. 

A importação de cobras atende a demanda de um hobby perigosos e irresponsável. “São colecionadores que competem, especialmente na internet, para ver quem tem a espécie mais perigosa”, diz Giovanini. “A cobra rei asiática e a naja são as mais cobiçadas”. A procura por essas espécies gera uma atividade ainda mais danosa, a criação de cobras estrangeiras em cativeiro. A queda recente no preço da serpente comprova que já existem criadores no País. Há seis anos, para ter uma naja, era preciso gastar pelo menos 15 mil reais. Hoje, é possível encontrar por cerca de 1 mil reais. 

Os colecionadores, geralmente, são jovens, assim como o cidadão picado em Brasília. “Fico triste em dizer isso, mas tem muita cobra venenosa nas mãos de jovens pelo Brasil inteiro”, diz Giovanini. “A chance de acidentes é muito grande. É provável que esse caso mais recente não seja o primeiro”. 

Além da ameaça à vida das pessoas, a criação de cobras estrangeiras pode causar graves danos ambientais. “Se uma naja prenha escapa, ela vai dar de 10 a 15 filhotes, que também, podem se reproduzir”, diz o coordenador. Sem predadores naturais, essas espécies se multiplicam, gerando um grave desequilíbrio ambiental. A Flórida, por exemplo, enfrenta atualmente um problema sério com pítons importadas, que acabaram se infiltrando pelos Everglades, importante reserva natural da região. 

O problema do tráfico de animais silvestres no Brasil não se resume às cobras. Dados da ONU apontam que 38 milhões de bichos são retirados das florestas nacionais todos os anos. Apenas 1 em cada 10 sobrevive à captura e ao transporte. Esse tipo de atividade criminal movimenta cerca de 20 bilhões de dólares anuais, no mundo, sendo que o Brasil responde por 10% a 15%. O tráfico de animais só perde para o de armas e de drogas em rentabilidade. 

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