Ciência

Este tipo de exercício pode ajudar no combate de doenças metabólicas

Estudos recentes apontam que a prática de exercícios aeróbicos pode reverter o processo degenerativo que leva a doenças metabólicas

Exercícios aeróbicos podem ajudar no combate contra o processo degenerativo do corpo humano (Getty Images/Getty Images)

Exercícios aeróbicos podem ajudar no combate contra o processo degenerativo do corpo humano (Getty Images/Getty Images)

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Rodrigo Loureiro

Publicado em 8 de novembro de 2020 às 12h00.

Última atualização em 9 de novembro de 2020 às 20h42.

Mais do que um simples reservatório de energia para períodos de privação alimentar, o tecido adiposo desempenha papel central na regulação do metabolismo. Para isso, libera diversas moléculas na circulação, incluindo pequenos RNAs capazes de modular a expressão de genes-chave em diferentes partes do organismo, entre elas fígado, pâncreas e músculos.

Já foi demonstrado que tanto o envelhecimento como a obesidade podem comprometer essa produção de microRNAs reguladores pelo tecido adiposo e favorecer o surgimento de doenças como diabetes e dislipidemia. A boa notícia é que, de acordo com um novo estudo divulgado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), tal processo degenerativo pode ser revertido pela prática de exercícios físicos aeróbicos.

“Experimentos com camundongos e com humanos revelaram que o exercício aeróbico estimula a expressão de uma enzima chamada DICER, que é essencial para o processamento dos microRNAs. Consequentemente, observamos um aumento na produção dessas moléculas reguladoras pelas células adiposas e uma série de benefícios para o metabolismo”, conta Marcelo Mori, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp) e um dos coordenadores da pesquisa, apoiada pela FAPESP e realizada em parceria com grupos das universidades de Copenhague (Dinamarca) e Harvard (Estados Unidos).

Os experimentos foram conduzidos durante o pós-doutorado de Bruna Brasil Brandão, ex-aluna de doutorado de Mori que agora está em Harvard, no laboratório coordenado pelo médico Carl Ronald Kahn. Os resultados mostraram que, durante a prática aeróbica, ocorre uma comunicação cruzada entre os tecidos muscular e adiposo por meio de moléculas sinalizadoras secretadas na circulação. Essa troca de informações torna o consumo de energia pelas células adiposas mais eficiente, possibilitando a adaptação metabólica do organismo ao exercício e o ganho de performance muscular.

Os roedores foram submetidos a um protocolo de corrida em esteira durante uma hora, por oito semanas. À medida que ganhavam condicionamento físico, a velocidade e a inclinação da esteira eram aumentados. Ao final, os cientistas notaram, além da melhora na performance, uma elevação significativa na expressão de DICER nos adipócitos, que foi acompanhada de redução do peso corporal e da adiposidade visceral.

Ao repetir o experimento com animais geneticamente modificados para não expressar a DICER nas células adiposas, o grupo notou que o efeito do exercício aeróbico foi bastante reduzido. “Os animais não perderam peso e nem gordura visceral e não houve melhora no condicionamento. Além disso, notamos que as células adiposas estavam usando o substrato energético de uma forma diferente que a dos animais não modificados, deixando menos glicose disponível para os músculos”, explica Mori.

Em humanos, seis semanas de treinamento intervalado de alta intensidade (HIIT, na sigla em inglês) foram suficientes para aumentar em mais de cinco vezes, em média, a quantidade de DICER no tecido adiposo. O efeito foi observado tanto em voluntários jovens (em torno de 36 anos) quanto nos idosos (em torno de 63 anos). Contudo, a resposta variou bastante entre os indivíduos, sendo que em alguns deles o nível de DICER chegou a crescer 25 vezes e, em outros, praticamente não mudou.

Mecanismo detalhado

O papel de DICER e do processamento de microRNAs no tecido adiposo foi descrito pela primeira vez em 2012 na revista Cell Metabolism em trabalho liderado por Mori enquanto fazia parte de um grupo internacional de pesquisadores chefiado por Kahn. Nesse trabalho, observou-se que a expressão da enzima diminuía no tecido adiposo de camundongos à medida que os animais engordavam e que isso reduzia a longevidade. Descobriu-se ainda que o efeito deletério da obesidade poderia ser revertido com a restrição de calorias.

Em 2016, na revista Aging, o grupo de Mori mostrou, também em camundongos, que a restrição calórica preveniu a queda da produção de microRNAs pelo tecido adiposo causada pelo envelhecimento, bem como o desenvolvimento de diabetes do tipo 2. Na Nature, em 2017, os pesquisadores comprovaram que os microRNAs produzidos pelo tecido adiposo caíam na circulação e agiam em tecidos distantes, regulando a expressão gênica (leia mais em agencia.fapesp.br/24786/).

 

“Neste novo trabalho, vimos que o exercício aeróbico, assim como a restrição calórica, consegue reverter a queda na expressão de DICER e na produção de microRNAs graças à ativação de um sensor metabólico muito importante: a enzima AMPK [sigla em inglês para proteína quinase ativada por monofosfato de adenosina]”, diz Mori.

Segundo o pesquisador, esse sensor é ativado quando a célula consome ATP (trifosfato de adenosina, a molécula que serve de substrato energético para a célula) e surge um déficit de energia. Nos experimentos com camundongos, observou-se que o exercício aeróbico ativou a AMPK nas células musculares e isso, de algum modo, induziu a expressão de DICER nas células adiposas.

“O óbvio seria que o efeito sobre a expressão gênica ocorresse na mesma célula em que há o déficit energético, o que de fato acontece. Mas, nesse caso, o sensor também é ativado no músculo e controla a resposta que acontece no tecido adiposo”, explica.

Com o objetivo de confirmar a comunicação entre os tecidos, os cientistas coletaram soro sanguíneo de um animal treinado e injetaram em um roedor sedentário. Esse “tratamento” aumentou a expressão de DICER no tecido adiposo. Em outro experimento, adipócitos em cultura foram incubados com o soro de camundongos treinados e o mesmo efeito foi observado.

“Esse resultado sugere que existe uma ou mais moléculas na circulação de indivíduos treinados capazes de por si só induzirem uma melhora metabólica no tecido adiposo. Se conseguirmos identificar quais componentes são esses, podemos investigar se eles também conseguem induzir outros benefícios do exercício aeróbico, como a cardioproteção. E, no futuro, talvez possamos pensar em transformar isso em um fármaco”, afirma Mori.

Buscando detalhar ainda mais o mecanismo de regulação metabólica, os pesquisadores analisaram todos os milhares de microRNAs expressos no organismo dos camundongos treinados e compararam com os encontrados no animal sedentário.

“Identificamos uma molécula chamada miR-203-3p, cuja expressão aumenta tanto com o treinamento quanto com a restrição de calorias, e mostramos que esse microRNA é o responsável por promover o ajuste metabólico do adipócito. Quando fazemos um exercício prolongado e o estoque de glicogênio do músculo é consumido, sinais moleculares são enviados ao tecido adiposo. Nesse momento entra em ação o miR-203-3p, que faz uma espécie de ajuste fino do metabolismo do adipócito. Vimos que essa flexibilidade metabólica é fundamental para a saúde e também para o ganho de performance”, explica Mori.

Quando essa modulação não acontece, acrescenta o pesquisador, o adipócito aumenta seu consumo de glicose durante o exercício, deixando menos substrato energético disponível para o músculo. Isso poderia levar a uma hipoglicemia precoce, considerada um dos principais limitadores da performance de atletas.

“No animal que não expressa DICER nos adipócitos, essa conversa entre tecido adiposo e músculo não acontece. É um modelo que mimetiza o animal envelhecido e também o obeso. Ou seja, quando DICER está diminuída, a saúde metabólica é pobre e os processos degenerativos são acelerados”, diz.

A pesquisa contou com apoio da FAPESP por meio de diversos projetos: (17/01184-917/07975-818/21635-817/03423-017/04377-215/01316-715/03292-812/04079-812/06238-6 e 10/52557-0). Os resultados descritos na PNAS foram comentados na revista Science no início de outubro.

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