É possível 'preparar a genética' dos filhos como afirma Maíra Cardi?
A ciência já oferece avanços para gerar crianças saudáveis, mas nenhum deles funciona da forma como a influenciadora fitness relatou em um programa de TV
André Lopes
Publicado em 3 de março de 2022 às 15h31.
Última atualização em 9 de março de 2022 às 15h19.
“Eu fiz modulação epigenética antes de engravidar. Muita gente não sabe o que é, então vou fazer uma explicação leve. É quando você e seu marido mudam a alimentação antes da gravidez para zerar a genética de doenças”, afirmou a influenciadora digital e coach fitness Maíra Cardi, em um programa dominical da Record, na última semana.
A afirmação da esposa do big brother Arthur Aguiar que deixaria qualquer geneticista de cabelos em pé, por sorte, repercutiu na internet com a percepção de que é irreal e não possui nenhuma base científica.
Descubra qual MBA melhor se encaixa ao seu perfil e comece agora.
Para entender melhor, a epigenética citada pela famosa é a ciência que busca compreender as mudanças reversíveis na expressão gênica e que ocorrem, em alguns casos, por interferência do ambiente em qual vive determinada espécie. No caso dela, a fala é no sentido de que teria lógica a adoção de hábitos saudáveis refletir de imediato no DNA.
Mas, ainda que haja estudos que comprovem que algumas partes do DNA são alteradas pelo estilo de vida de uma pessoa, um período de dieta não tem capacidade de mudar os genes, tampouco, é possível transferir essa hipotética alteração para um descendente.
E, apesar de ser possível encontrar um n número de clínicas no Brasil que ofertem "tratamentos de modulação epigenética", as terapias não passam de um procedimento mentiroso.
A geneticista Mayana Zatz, diretora do Centro de Estudos do Genoma Humano, afirmou no Twitter que a fala de Maíra é uma bobagem que não deveria ser levada aos espectadores da TV aberta. "Isso é um absurdo, uma desinformação perigosa aos ouvintes do programa", escreveu.
"Bebê de laboratório"
"Experimentos em hibridização de plantas", artigo científico publicado em 1866, pelo monge austríaco Gregor Mendel (1822-1884), formado em ciências naturais pela Universidade de Viena, detalhava um experimento de sete anos de duração no qual foi possível manipular a cor das flores e o formato das sementes com base na seleção de características durante a cruza.
No fim das contas, o pesquisador provou algo que já se imaginava: certas características dos pais são transmitidas a filhos, netos, bisnetos. Ou seja, são hereditárias. Nos dias de hoje, partindo dos estudos de Mendel, a seleção genética se tornou amplamente utilizada na embriologia, e visa selecionar fecundações para gerar bebês in vitro com maior potencial de serem saudáveis.
Assim, é possível, por exemplo, eliminar uma doença genética que se mantém em uma família por gerações, como a doença hereditária gangliosidose GM1, que afeta uma em cada 10 mil pessoas e atrasa o desenvolvimento motor e cognitivo de crianças.
Em alguns casos, os pais podem não apresentar sintomas ainda que carreguem a doença e seu código genético, e por esse motivo optar pela seleção embrionária para poder eliminar a chance de um filho enfermo.
O recurso de selecionar a óvulo fecundado ainda no laboratório também pode gerar filhos com potencial de doação para primogênitos que venham a ser doente, como no caso da anemia falciforme, doença que altera o formato dos glóbulos vermelhos, e que requer um transplante de medula de alta compatibilidade.
Em todos os casos citados aqui, perceba, são trabalhos de genética de nível celular, e nos quais ocorrem com um trabalho minucioso de análise genética com fins de evitar doenças bem específicas.
A "limpeza de corpo" citada por Maíra Cardi fica no campo de outras pseudociências promovidas pela influenciadora e sem nenhum pé com a realidade.