Espécie foi encontrada na serra do Divisor, no Acre, e vive em regiões altas da floresta (Ricardo Lima/Getty Images)
Publicado em 4 de dezembro de 2025 às 11h30.
Cientistas descobriram uma nova espécie de ave na Amazônia que tem características parecidas com o dodô (Raphus cucullatus), que foi extinto há mais de 300 anos.
O sururina-da-serra (Tinamus resonans) tem aparência semelhante à das galinhas e não mostrou ter medo de interação com humanos.
A preocupação da equipe é proteger a ave do risco de extinção.
"O comportamento da ave espelha relatos históricos do extinto dodô, e seu risco de extinção é igualmente real", explica o doutorando em zoologia no Museu Nacional do Rio de Janeiro e autor do artigo que anuncia a descoberta, Luis Morais.
O dodô foi extinto no século 17, em 1680, após a colonização holandesa nas ilhas Maurício, na África, que era o habitat das aves.
Ele foi descrito pela primeira vez em 1598.
Porém, a caça descontrolada e destruição dos ninhos causados pelos humanos e por outros animais levados às ilhas provocaram o desaparecimento da espécie.
A sururina foi descoberta pela equipe de ornitólogos, cientistas especializados em aves, na serra do Divisor. A região fica no município Mâncio Lima, no Acre.
Seu canto foi ouvido a primeira vez pela equipe que descobriu a ave em outubro de 2021 e ela foi avistada três anos depois.
O que surpreendeu os pesquisadores foi que a sururina caminhou até eles em diversas ocasiões após as primeiras interações.
A sururina é um inhambu, ave que faz parte da família Tinamidae. Diferente do restante da espécie, que apresenta comportamento tímido, com plumagem discreta, as sururinas têm plumagem canela-ruiva e uma faixa escura na região dos olhos.
Outra diferença é o canto desses pássaros. A voz da sururina aumenta em frequência, como um piano, e o som se dissipa pela floresta de uma forma que confunde o senso de direção e proximidade para o ouvinte.
Inclusive, o nome científico — Tinamus resonans — se refere ao eco e acústica dos sons que a ave emite.
Existem outros cinco inhambus na serra do Divisor, mas nenhum vive em áreas elevadas como a sururina.
A ave ocupa regiões acima de 300 metros e a altitude coloca o grupo em uma situação de vulnerabilidade em relação às pressões externas.
"A área é quase desabitada e em grande parte intacta, mas a sobrevivência a longo prazo da espécie está longe de ser garantida. Espécies restritas a faixas estreitas de altitude são altamente sensíveis às mudanças climáticas", diz Morais.
Com proximidade evolutiva próxima aos pombos e pouca relação com a linhagem do dodô, a sururina apresenta semelhanças com a espécie extinta em relação ao habitat e forma de vida.
Assim como os dodôs, as sururinas-da-serra vivem ilhadas. Eles ocupam uma faixa estreita de elevação na serra que fica na fronteira entre o Brasil e o Peru.
A ilha ecológica é cercada pelas terras baixas da Amazônia e tem picos de 800 metros de altura.
Outra semelhança é as sururinas serem habitantes de solo e não demonstram comportamento de fuga na presença de humanos, que podem se tornar predadores.
Além disso, o risco se apresenta também pela baixa população da ave, estimada em 2 mil indivíduos.
Além das mudanças climáticas, outro risco para os inhambus da serra do Divisor é o fogo.
O terreno da área é composto por solos antigos de arenito e uma única queimada poderia eliminar grande parte da população de inhambus do local e apagar milhares de anos de crescimento do habitat.
Por estarem em um dos pontos mais altos da serra, a sururina não tem muitos outros "andares" da floresta para subir caso as temperaturas aumentem nos níveis mais baixos.
Da mesma forma que aconteceu com o dodô, os humanos são um potencial risco para a nova espécie de inhambus.
Com a proposta de construção de uma rodovia entre o Brasil e o Peru e um projeto de ferrovia transcontinental, ambientalistas acreditam na aceleração da destruição da Amazônia.
O governo brasileiro também considera enfraquecer o status de proteção da região e permitir mais exploração.
Caso isso aconteça, a legislação poderia permitir mineração na serra do Divisor e aumentar a circulação de pessoas na área.
Em dezembro, a equipe de Morais se reunirá com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para discutir a situação das sururinas-da-serra e debater sobre a preservação da espécie.
"Tudo isso me faz pensar que a espécie não terá um futuro fácil. Estamos trabalhando para garantir que ela seja reconhecida antes que essas políticas avancem ainda mais", detalha Morais.