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Lucas Agrela
Publicado em 7 de janeiro de 2018 às 07h00.
Última atualização em 7 de janeiro de 2018 às 15h49.
Você come aquela pizza deliciosa e, em poucos minutos, vem uma baita queimação? Ao saborear a macarronada, parece que ela fica o dia todo entalada na garganta? Os sintomas de azia e má digestão são tão comuns que muita gente já aprendeu até a conviver com eles – contando com estoques de antiácidos no armário e truques caseiros, claro. Só que a recorrência e outras características incômodas, como regurgitação, dores no peito e na garganta, tosse seca, rouquidão e pigarro, indicam que o problema é mais chato do que se imagina: falamos da doença do refluxo, que afeta 12% da nossa população, o que dá mais ou menos 20 milhões de brasileiros.
O suplício acontece quando o conteúdo gástrico contraria a gravidade e sobe pelo canal que leva à boca. Um retorno indesejado que tem lá seus motivos. Uma possibilidade é o estômago demorar tempo demais para esvaziar. Outra é o esfíncter inferior, um músculo do esôfago que permite a passagem dos alimentos, ficar frouxo por causa de abuso de álcool, cigarro…
“A obesidade é outro grande causador de refluxo, já que o acúmulo de gordura no abdômen aumenta a pressão no estômago e exige mais do tal esfíncter”, observa o gastroenterologista Fernando Herbella, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Dependendo da quantidade de fluidos que dão ré no estômago e da altura atingida, eles favorecem danos a outras áreas, caso de boca, laringe, faringe e esôfago. E isso pode desencadear, com o tempo, condições mais sérias, como agravamento de asma e sinusite, desgastes dentários, doenças pulmonares e até distúrbios do sono.
Por isso, não é legal demorar na busca por uma solução. E, para pesquisadores do Hospital Phelps, em Nova York, nos Estados Unidos, ela não está necessariamente na farmácia. Em vez de se entupir de medicamentos para o chabu – os chamados inibidores de bombas de prótons -, uma alternativa seria investir em uma dieta inspirada na do Mediterrâneo, abastecida de frutas, verduras, grãos e oleaginosas. Não é exagero: os cientistas testaram as duas estratégias para chegar a essa conclusão.
Para o trabalho, publicado no respeitado jornal da Associação Médica Americana, os especialistas recrutaram dois grupos de pacientes com refluxo do tipo laringofaríngeo (quando os sintomas também atingem a garganta). Um deles foi tratado da forma tradicional, com remédios e recomendações gerais de prevenção às crises. Já a outra turma só adotou uma dieta baseada primordialmente em alimentos de origem vegetal e consumiu água alcalina, que tem pH mais básico do que a mineral.
O desfecho da experiência surpreendeu: 54% das pessoas que seguiram o tratamento medicamentoso tiveram redução significativa no teste que avalia a severidade dos sintomas de refluxo, mesmo benefício atingido por 62% dos participantes que mudaram o cardápio diário.
“Nosso estudo mostra que a adoção da dieta de estilo mediterrâneo parece funcionar tão bem, ou até melhor, do que a terapia medicamentosa tradicional. Além disso, tem a vantagem de não trazer riscos colaterais”, conta à SAÚDE o líder da pesquisa, Craig Zalvan, chefe do Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital Phelps.
Olha que os ganhos não param aí. Os ajustes à mesa também contribuíram para a perda de peso – alguns indivíduos enxugaram quatro quilos em algumas semanas – e melhora em outras condições crônicas, como diabetes e problemas cardiovasculares. “Nossa sugestão é que, antes de tentar a abordagem com remédios, os médicos deveriam tentar mudanças na alimentação dos pacientes”, aconselha Zalvan.
Não dá para dizer que os voluntários do experimento americano seguiram uma dieta mediterrânea clássica. Ora, 90% da alimentação deles era composta de ingredientes de origem vegetal. Ou seja, os pescados, grandes estrelas do cardápio original, praticamente saíram de cena.
Zalvan explica que a orientação tem a ver com a pepsina, uma enzima digestiva. Quando ingerimos proteínas de fontes animais – como os peixes – e alguns tipos de carboidratos refinados, a exemplo de pães e massas, a pepsina começa a agir, tornando nosso estômago mais ácido. Aí, quem tem refluxo sofre o baque. Por isso, o especialista recomenda parcimônia no consumo de carnes, com porções de 80 a 100 gramas em duas ou três refeições por semana.
Leites, queijos e companhia receberam uma plaquinha de alerta dos estudiosos pelos mesmos motivos das carnes em geral. No entanto, a nutricionista Cintya Bassi, do Hospital e Maternidade São Cristóvão, em São Paulo, ressalta que não se pode excluir esses alimentos da dieta sem o acompanhamento de um profissional de saúde – isso porque eles concentram nutrientes essenciais, como cálcio e vitaminas do complexo B.
“Além de estar atento ao que se consome e os sintomas que surgem daí, é preciso procurar um especialista para fazer a correta reeducação alimentar”, orienta. Em vez de total exclusão, ela sugere a alternância com ingredientes mais leves, como tofu, iogurte e kefir.
Outra recomendação do trabalho de Zalvan que foi recebida com um pé atrás é a ingestão da tal água alcalina. Modificada por meio de filtros específicos à venda em supermercados, ela nada mais é do que uma água com pH mais básico do que a mineral e a encanada. Além disso, possui baixos níveis de cloro, flúor e metais pesados. A prerrogativa para usá-la é que equilibraria o pH sanguíneo, controlando a acidez do estômago.
No entanto, o consumo excessivo pode desencadear um efeito rebote em quem sofre com refluxo, assim como acontece ao se utilizar muito antiácido. “Nesses casos, os sintomas melhoram momentaneamente, mas o estômago pode entender que está em desequilíbrio e, depois de um tempo, começar a produzir mais acidez”, explica Herbella. Quando balanceados, os ácidos presentes no aparelho digestivo não atormentam. Pelo contrário: favorecem a posterior absorção de alguns nutrientes, como o ferro, e fritam as bactérias nocivas que engolimos por aí.
No resumo da ópera, o primordial mesmo é tentar caprichar no consumo de alimentos integrais e de origem vegetal, carregados de fibras, vitaminas e minerais. Quanto mais variedade no prato, maior a chance de o corpo responder de forma amigável. “Frutas, legumes, verduras e fontes de gorduras boas, como azeite e oleaginosas, favorecem o funcionamento do trato gastrointestinal”, justifica Cintya. “Desde a digestão até a prevenção da constipação, passando pelo aumento de bactérias boas e equilíbrio da acidez estomacal”, faz questão de detalhar a nutricionista.
Quando o estômago está pegando fogo, alguns alimentos trazem alívio praticamente imediato. É o caso do arroz integral, que reduz a secreção dos ácidos. Já a beterraba e o espinafre apresentam betaína, composto que quebra gorduras e facilita a absorção de proteínas.
Se der para adicionar toques de cúrcuma e gengibre ao prato, melhor ainda. Esses ingredientes inibem mecanismos anti-inflamatórios e fortalecem o sistema imunológico. “Tomar chás de hortelã e espinheira-santa logo após o almoço facilita a digestão e estimula o fluxo biliar”, indica, ainda, a médica Marcela Voris, da Associação Brasileira de Nutrologia.
Na prática, a dieta certinha para lidar com as chamas provocadas pelo refluxo varia de pessoa para pessoa – depende dos tipos de sintomas, estilo de vida e por aí vai. Agora, o segredo não é sair incluindo ingredientes especiais em cada refeição. “O principal fator de piora da doença é o abuso à mesa, comportamento observado na maioria dos pacientes que chega ao consultório”, informa Reinaldo Martins de Oliveira Neto, gastroenterologista do Hospital Samaritano, na capital paulista.
Mas não é só o abuso que preocupa. Determinados alimentos exigem atenção, porque podem fazer um mal danado a quem já pena com azia e queimação. Falamos daqueles itens extremamente gordurosos (como frituras), condimentados, processados e carregados de sódio e açúcar. Além de se transformarem em um monte de calorias no nosso organismo, essas comidas despertam a flatulência, irritam a mucosa gástrica e afrouxam a válvula do esôfago.
Para os amantes do cafezinho e do chocolate, as notícias não são tão animadoras. Esses alimentos contêm cafeína, que relaxa os músculos do esôfago, o que permitiria a volta do conteúdo gástrico. “Para pessoas saudáveis, o recomendado é beber até três xícaras de café pequenas por dia. Já quem tem refluxo deveria excluir a bebida e, com o auxílio do médico, reintroduzi-la em pequenas doses, de acordo com o controle da doença e a tolerância individual”, recomenda Cintya.
As falhas na válvula esofágica também são provocadas pelo consumo excessivo de álcool e pelo tabagismo. Portanto, a chegada do refluxo é o momento ideal para afastar de vez os maus hábitos.
Há mais comportamentos que merecem ser revistos quando a refeição não para quieta. Montar pratos imensos e logo depois se entregar ao sono é um bom exemplo. Isso faz com que o estômago trabalhe devagar e, assim, demore para se esvaziar. Pior: a situação atravanca a descida da comida. Daí um conselho básico: “Espere duas horas antes de ir para a cama ou, se não tiver esse tempo, durma com o tronco mais inclinado”, diz Martins.
Se tem outra coisa que serve como fagulha nesse cenário é o sedentarismo. Afinal, ficar parado atrapalha todo o nosso organismo, incluindo o sistema gastrointestinal. Fora isso, movimentar o corpo é daquelas orientações básicas para eliminar os quilos extras – e já há farta evidência de que isso ajuda a reduzir o risco e as crises de refluxo. Mexer tanto na rotina pode parecer difícil a princípio. Mas o esforço vale a pena. Para conter um incêndio, definitivamente não dá para apostar só em um copinho d'água.
Frutas: são ricas em fibras e outras substâncias amigas do estômago. Dê preferência às menos ácidas, como banana, maçã e mamão.
Leguminosas: grão-de-bico, feijão e ervilha têm poucas calorias e muita fibra. Se causarem desconforto, fale com o nutricionista.
Verduras: melhoram a digestão, equilibram a acidez e incentivam a proliferação de bactérias boas.
Oleaginosas: nozes e castanhas são fontes de gorduras boas. Mas consuma sem exageros: cerca de 30 gramas diários.
Água alcalina: tem pH mais básico e, por isso, controla a acidez. Só não exagere – caso contrário, pode ocorrer um efeito rebote.
*Esta matéria foi publicada originalmente no site da Revista Saúde