Como a ciência moderna endossa a sabedoria milenar da Índia
As ideias indianas milenares exercem na espiritualidade influência em áreas mais improváveis: ciência, medicina e psicoterapia modernas
Da Redação
Publicado em 22 de julho de 2015 às 21h27.
Última atualização em 13 de setembro de 2016 às 14h37.
São Paulo - A adesão do Ocidente à filosofia e ao misticismo orientais tem uma história longa, abrangendo os escritos de Henry David Thoreau, “o primeiro iogue americano”, a famosa peregrinação que os Beatles fizeram à Índia em 1968 e o interesse científico atual por práticas contemplativas antigas como a meditação e a ioga. A disseminação de ideias e práticas indianas moldou a visão da espiritualidade que temos no Ocidente. Mas as ideias indianas milenares também exercem influência em áreas mais improváveis: ciência , medicina e psicoterapia modernas. À medida que cresce o interesse científico pela experiência interior do indivíduo, parece que estamos assistindo a um encontro de mentes entre a ciência ocidental e a espiritualidade oriental. A Scientific American destacou a meditação na capa de sua edição de novembro, e o Dalai Lama colabora com neurocientistas no estudo das dimensões da consciência. De muitas maneiras, a ciência moderna está apenas agora alcançando a sabedoria dos ensinamentos indianos antigos, baseados nos textos védicos da antiguidade e ainda presentes em toda parte na cultura do subcontinente indiano. Hoje, muitos conceitos da filosofia védica antiga são confirmados por evidências empíricas. Como disse o Nobel de Literatura francês Romain Rolland, “no caso dos hindus, nunca se deixou que a fé religiosa contrariasse as leis científicas”. Uma cooperação mais estreita entre cientistas ocidentais e tradições contemplativas orientais como o budismo (que também tem suas origens nos Vedas) pode “contribuir verdadeiramente para a ampliação do entendimento humano sobre o complexo mundo de experiência interior subjetiva ao qual chamamos a mente”, disse o Dalai Lama em 2005. Citamos cinco áreas de sabedoria indiana antiga hoje confirmadas pela ciência moderna.
A ioga, prática indiana milenar que envolve a mente e o corpo, virou uma atividade que movimenta US$ 27 bilhões nos Estados Unidos. Embora a ioga ocidental guarde semelhança apenas parcial com a prática meditativa e escola filosófica indiana tradicional, ela pode ser considerada a prática espiritual oriental mais influente e amplamente difundida que se disseminou fora do subcontinente indiano. No Ocidente tendemos a usar o termo “ioga” para descrever apenas as posturas físicas, ou ássanas. Tradicionalmente, porém, o aspecto físico da ioga é apenas uma parte pequena da prática, algo que visava preparar o corpo para longos períodos de meditação. Criado com o objetivo de acalmar a mente e buscar a união com o divino, acredita-se que a ioga (que significa “unidade” em sânscrito) promove a saúde do corpo, da mente e do espírito. “A saúde é um estado de harmonia completa de corpo, mente e espírito”, disse o famoso mestre iogue indiano B.K.S. Iyengar. “Quando nos libertamos das incapacidades físicas e distrações mentais, as portas de alma se abrem.” As evidências dos benefícios espirituais da ioga ainda são quase todas empíricas, mas um grupo crescente de pesquisas liga a prática das ássanas da ioga a uma série de efeitos para a saúde física e mental. Descobriu-se que a ioga reduz os sintomas de depressão e ansiedade, alivia a dor crônica das costas, reduz os níveis de estresse, fortalece a função cerebral e melhora a saúde cardíaca. Hoje os cientistas sabem o porquê. Quase imediatamente depois de ser iniciada sua prática, o impacto positivo da ioga se estende até o nível celular, afetando a expressão dos genes nos leucócitos, segundo um estudo norueguês de 2013. As mudanças benéficas podem resultar em imunidade maior e redução de inflamações. “Ocorrem mudanças rápidas (em até duas horas após o início da prática) e importantes na expressão genética ... durante um programa abrangente de ioga”, escreveram os pesquisadores no estudo. “Os dados sugerem que os efeitos anteriormente relatados da prática da ioga possuem um componente fisiológico integral ao nível molecular que é iniciado imediatamente durante a prática e pode formar a base para efeitos estáveis de longo prazo.”
De acordo com um manual de ioga do século 15, o Hatha Yoga Pradipika, temos que aprender a controlar a respiração para alcançar saúde, longevidade e paz de espírito. A prática da respiração iogue conhecida como pranayama – que significa “extensão da força vital”, em sânscrito – é usada há séculos para curar corpo e mente. “Quando a respiração se desvia, a mente também fica inconstante”, diz o Pradipika. “Mas quando a respiração se acalma, a mente também o faz, e o iogue alcança vida longa.” O modo como respiramos pode ter impacto grande sobre nosso bem-estar e nível de estresse e pode até gerar mudanças físicas no corpo, como a redução da pressão sanguínea. A prática da respiração controlada na meditação pode aumentar o tamanho do cérebro, aumentando a espessura cortical, segundo um estudo de Harvard de 2005. Entre músicos, 30 minutos de respiração profunda podem reduzir a ansiedade antes de apresentar-se em público, e estudantes de terceira série que praticam respiração profunda antes de um exame sentem menos ansiedade e insegurança e se concentram melhor. A prática da respiração profunda pode reduzir a pressão sanguínea, segundo o Dr. David Anderson, dos Institutos Nacionais de Saúde. “Geralmente não pensamos na nossa respiração, assim como não pensamos em nossas batidas cardíacas”, disse ao Huffington Post no ano passado uma especialista em respiração do Instituto de Ioga Integral, Carla Ardito. “A diferença com a respiração é que podemos treiná-la.”
Boa parte do aroma delicioso da cozinha indiana tradicional e de sua cor amarela vibrante vem da cúrcuma, um condimento saboroso e poderoso agente anti-inflamatório. O uso da cúrcuma na tradição védica vem de pelo menos 4.000 anos atrás. Historicamente, a cúrcuma não era usada apenas como tempero – também exercia um papel nas cerimônias religiosas e era empregada medicinalmente dentro da tradição de saúde holística ayurveda (“ciência da vida”). A ciência nutricional moderna confirma que a cúrcuma de fato possui propriedades curativas poderosas. Testes clínicos descobriram que ela combate a indigestão e azia, reduz o risco de ataque cardíaco, repara células-tronco cerebrais e possivelmente até combate células cancerígenas. A cúrcuma pode ser especialmente benéfica para uma população mais idosa. De acordo com pesquisas recentes, o acréscimo de um grama de cúrcuma ao desjejum pode ajudar a melhorar a memória das pessoas com risco de debilidade cognitiva.
Segundo os textos iogues antigos, anos (ou vidas) de prática da meditação podem acabar levando à iluminação, ou união com o divino. Quando as flutuações da mente são completamente acalmadas, ficamos livres para vivenciar o Eu verdadeiro – a alma divina. É claro que seria difícil provar se a meditação é ou não um caminho para se chegar diretamente a Deus. Mas a ciência moderna mostrou que a meditação regular pode iluminar a mente de várias maneiras. Quando a mente se aquieta com a prática da meditação, ocorrem modificações reais no cérebro; já foi demonstrado que a prática da “mindfulness” (atenção consciente) eleva a neuroplasticidade e até reconstrói fisicamente a massa cinzenta cerebral. A prática de meditação por oito semanas encolhe a amígdala cerebelosa – o centro cerebral da reação de lutar ou fugir – e espessa o córtex pré-frontal, uma área associada à consciência, concentração e tomada de decisões. Isso pode exercer efeitos físicos e psicológicos poderosos. A atenção consciente reduz o estresse ao diminuir os níveis do cortisol, o hormônio do estresse, no corpo. A meditação também é uma maneira poderosa de combater problemas de saúde mental: foi constatado recentemente que um treino de meditação em grupo foi tão eficaz quanto várias sessões tradicionais de terapia comportamental cognitiva para reduzir os sintomas de ansiedade e depressão. Façanhas mentais incríveis foram documentadas entre meditadores altamente experientes. Um estudo constatou que anos de meditação podem gerar mudanças nas redes neurais cerebrais que rompem a barreira perceptiva e psicológica entre o eu e o outro, levando o meditador a experimentar um sentimento de harmonia total entre ele e o mundo em volta. Normalmente o cérebro alterna entre a rede extrínseca (usada quando focalizamos coisas fora de nós mesmos) e a rede intrínseca, que envolve a autorreflexão, a emoção e o pensamento autorreferencial. Essas redes raramente atuam juntas. Mas estudos de imageamento cerebral revelaram que alguns monges e meditadores experientes conseguem manter as duas redes ativas ao mesmo tempo quando meditam, possibilitando um senso real de unidade. O monge budista francês Matthieu Ricard comentou: “Meditar não é simplesmente ficar sentado debaixo de uma mangueira, sentindo êxtase. É algo que muda seu cérebro completamente, e assim, muda o que você é.”
Podemos pensar na física e na espiritualidade como sendo coisas que se opõem por completo, mas recentemente algumas pesquisas de física teórica e quântica vêm embasando cientificamente os princípios básicos do misticismo oriental. O físico e escritor austríaco Fritjof Capra escreve: “A física nos conduz hoje a uma visão de mundo que é essencialmente mística”. Uma explicação resumida: segundo a metafísica oriental, tudo no universo está interligado e a consciência permeia toda a matéria. Já na ciência ocidental, a visão mais comum sugere que a consciência só ocorre nos humanos como subproduto de mudanças físicas no cérebro. Mas algumas pesquisas de física quântica hoje embasam a visão oriental de que os estados mentais talvez não dependam exclusivamente dos estados materiais; logo, que a consciência pode existir separadamente de qualquer espécie de modificações que ocorram no cérebro físico. Em outras palavras, pode haver conexões não locais entre fenômenos físicos e mentais – até mesmo matéria que pareça estar separada pode ser interligada, de alguma maneira. “A teoria quântica... revela uma unidade básica do universo”, escreve Capra em O Tao da Física. “Ela mostra que não podemos decompor o mundo nas unidades menores que existem independentemente. À medida que penetramos na matéria, a natureza não nos mostra quaisquer ‘blocos básicos’ isolados, mas, em vez disso, se mostra como uma teia complexa de relações entre as várias partes do todo. Essas relações sempre incluem o observador de maneira essencial. O observador humano constitui o elo final na cadeia de processos observacionais, e as propriedades de qualquer objeto atômico só podem ser entendidas em termos da interação do objeto com o observador.” Também o eminente físico teórico David Bohm chegou à conclusão de que existe uma unidade subjacente dos elementos que, em nossa percepção limitada, aparentam ser separados. “A mente e a matéria não são substâncias separadas”, ele escreveu em The Undivided Universe. “São aspectos diferentes de nosso movimento inteiro e ininterrupto.”
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