Cientistas já falam em reprogramação genética para salvar corais
Apesar de soar promissora para barrar a morte em massa de corais, a engenharia genética não é uma solução milagrosa e de fácil aceitação
Vanessa Barbosa
Publicado em 24 de julho de 2017 às 17h35.
Última atualização em 24 de julho de 2017 às 17h37.
São Paulo - Os corais são o habitat mais diversificado dos oceanos e um dos mais ameaçados pelas mudanças climáticas . Essenciais para a biodiversidade marinha, eles estão morrendo em proporções alarmantes. Para se ter uma ideia, os cientistas estimam que a Grande Barreira Australiana, considerada patrimônio mundial da humanidade pela Unesco, já perdeu 35% dos seus corais.
O branqueamento dos corais causado pela mudança climática é a principal ameaça para os recifes. É um fenômeno que ocorre quando as condições ambientais se tornam anormais — como a elevação da temperatura da água do mar, por exemplo — e levam os corais a “expelir” as pequenas algas fotossintéticas que vivem sobre sua superfície.
Essas algas também proveem carbono para o metabolismo, o crescimento e a reprodução dos corais. Sua perda faz com os corais fiquem enfraquecidos e sem cor, e com o tempo venham a morrer. Eventos de branqueamento extremos têm aumentando em todo o mundo nos últimos anos e, se nada for feito para protegê-los, cientistas projetam que, dentro de algumas décadas, a destruição poderá ser ampla e permanente.
Entre os esforços mundiais para barrar essa tendência, alguns cientistas consideram utilizar engenharia genética em um grupo de microalgas encontradas em corais a fim de aumentar a tolerância aos estresses ambientais causados pelas mudanças climáticas.
Uma equipe internacional de pesquisadores, liderada pela Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, estuda a aplicação da engenharia genética às microalgas chamadas de s ymbiodinium, um gênero de produtores primários encontrados em corais que são essenciais para a saúde do recife e, portanto, críticos para a produtividade dos oceanos.
As espécies de s ymbiodinium têm grande variação genética e diversas tolerâncias térmicas que afetam a resistência ao fenômeno de branqueamento. O sequenciamento de DNA desse gênero de algas permite aos pesquisadores acessar as "armaduras" e projetar estratégias de engenharia genética capazes de aumentar a tolerância dos corais. A pesquisa foi publicada na revista científica Fronteiras em Microbiologia.
Em laboratório, os pesquisadores identificaram os principais genes dessas microalgas que poderiam ser usados para evitar ou ao menos reduzir o branqueamento de corais. Com a descoberta, seria possível reprogramar o código genético das microalgas tornando os corais mais resistentes. Claro que nada disso ocorreria da noite para o dia. Uma vez inserido no ambiente, o novo organismo modificado precisaria de algumas gerações para se tornar dominante.
Apesar de soar promissora, a engenharia genética não é uma solução milagrosa e de fácil aceitação. As condições da vida real são bem diferentes das de laboratório, o que exige estudos rigorosos e extensivos que avaliem quaisquer impactos potencialmente negativos ao ambiente antes de se iniciar estudos de campo sobre esta tecnologia.
A alteração genética de elementos de um ecossistema também resvala em questionamentos de ordem ética e política. Como destaca um artigo publicado recentemente na revista online Yale Environment 360, muitos conservacionistas consideram a perspectiva de usar a tecnologia como uma ferramenta para proteger o mundo natural profundamente alarmante.
Ainda que haja resistências a essas novas tecnologias, o artigo pondera que o campo da chamada biologia sintética (synbio) já é um mercado de vários bilhões de dólares, voltado especialmente para processos de fabricação de produtos farmacêuticos, produtos químicos, biocombustíveis e agricultura.
Recentemente, por exemplo, um pesquisador da Universidade Estadual da Pensilvânia descobriu como desligar os genes que fazem com que os cogumelos do supermercado se tornem marrons com o tempo. Por sua vez, o Departamento de Agricultura dos EUA decidiu que esses cogumelos não estarão sujeitos a regulação como um organismo geneticamente modificado porque não possuem genes introduzidos de outras espécies.
"Para avançar nas pesquisas aplicadas aos ecossistemas, outros pesquisadores precisarão contribuir com a pesquisa atualmente disponível", reconhece a pesquisadora Rachel Levin, principal autora do estudo sobre corais. "Desenvolvemos a primeira estrutura de engenharia genética aplicável aos corais. Agora, este quadro deve ser testado e otimizado de forma abrangente".