Biotecnologia marinha quer desvendar 7 mil quilômetros de costa brasileira
"A biodiversidade marinha é uma imensa farmácia submersa e inexplorada e pode ser uma fonte rica para a biotecnologia”, disse o coordenador da BiotecMar
Da Redação
Publicado em 31 de julho de 2018 às 11h52.
Última atualização em 31 de julho de 2018 às 11h58.
Em 2016, pesquisadores brasileiros descobriram um recife na foz do rio Amazonas com 56 mil quilômetros quadrados, o Grande Recife Amazônico . A descoberta foi muito comemorada e desencadeou uma série de outros achados que podem servir de ponto de partida para o desenvolvimento de novas tecnologias.
É o caso de um estudo recente que identificou novo grupo de esponjas com alto potencial biotecnológico: Arenospicula (Niphatidae). São organismos carbonatados, como os encontrados no Grande Recife Amazônico, compostos por moléculas e genes ainda desconhecidos, que podem ser fontes de nutrientes para fertilizantes do solo, medicamentos contra doenças infecciosas, o câncer ou até mesmo a produção de heparinas, entre muitas outras aplicações possíveis.
Para impulsionar as pesquisas e alcançar desafios competitivos foi criada a Rede Nacional de Pesquisa em Biotecnologia Marinha (BiotecMar).
“Exemplos como esses e tantos outros mostram que há ainda muito o que conhecer da biodiversidade marinha. Por isso, descobrir novas espécies, mapear novos genes e conhecer melhor a interação entre os microrganismos e macrorganismos são de interesse da BiotecMar”, disse Roberto Berlinck, professor no Instituto de Química de São Carlos da USP e integrante da Rede BiotecMar, à Agência FAPESP.
“Queremos também entender processos importantes como o branqueamento de corais e como esses animais produzem toxinas. Nosso objetivo é alavancar esse conhecimento que tem grande potencial inovador”, disse o também membro da coordenação do programa BIOTA-FAPESP.
Um trabalho recente, publicado na revista Cell por pesquisadores da rede, mostrou que a partir do material genético (bancos de germoplasma e DNA metagenômico) de esponjas, corais e rodolitos, é possível descobrir genes que codificam moléculas bioativas.
Articulada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), a BiotecMar conta com mais de 120 pesquisadores de todo o país, vários com longa carreira na área da biotecnologia, como Wagner Valenti, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), e Paulo Mourão, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A ideia é desenvolver pesquisa inovadora nas áreas de biodiversidade, prospecção, genômica, pós-genômica e transferência para o setor produtivo.
Biodiversidade desconhecida
Em artigo publicado no periódico científico Frontiers in Marine Science, pesquisadores da BiotecMar enumeram estudos e descobertas recentes, assim como o potencial para a área de inovação.
“O objetivo principal da BiotecMar é desenvolver pesquisa de cunho aplicado de origem marinha, mas também novos produtos de aplicação na indústria como, por exemplo, enzimas, pigmentos, suplementos alimentares, alimentação de organismos marinhos e aquicultura marinha. A biodiversidade marinha pode ser considerada uma imensa farmácia submersa e inexplorada que pode ser uma fonte rica para a biotecnologia”, disse o coordenador da rede Fabiano Thompson, professor no Instituto de Biologia na Coppe da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Segundo Thompson, sabe-se que a biodiversidade é a base da biotecnologia marinha e um ativo potencial para a bioeconomia. Porém, a despeito da rica biodiversidade endêmica do Brasil e dos mais de 7 mil quilômetros de costa brasileira, uma parcela significativa permanece inexplorada e desconhecida.
“Conhecemos uma parcela muito pequena da biodiversidade marinha ao largo da costa brasileira e isso é um problema. Estudar a biodiversidade marinha é uma preocupação no mundo inteiro. Não por acaso, existem projetos internacionais de circum-navegação tão grandes como o Projeto Malaspina (Espanha) e o Tara Ocean (França e Alemanha) que visam entender a diversidade de genes no ambiente marinho para aplicações tecnológicas”, disse Thompson à Agência FAPESP.
De acordo com Thompson, embora o investimento por aqui seja menor que naqueles países, a ideia é que a rede acelere a descoberta de conhecimento “para que em 10 anos seja possível o Brasil estar mais próximo desse patamar internacional de biotecnologia marinha”.
Para enfrentar esses desafios, a criação da rede nacional já estava prevista no IX Plano Setorial de Recursos do Mar da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar.
“Existem vários projetos, alguns feitos em equipe, como o Projeto Temático financiado pela FAPESP que eu coordeno, por exemplo. Outros são de caráter mais individual, mas, no geral, os pesquisadores participam da BiotecMar de diferentes maneiras”, disse Berlinck.
O pesquisador coordena o Projeto Temático “Componentes da biodiversidade, e seus caracteres metabólicos, de ilhas do Brasil – uma abordagem integrada”.