O ovo já saiu da condição de vilão para mocinho na alimentação. (sergeyvasiliev/Thinkstock)
Nutricionista
Publicado em 22 de fevereiro de 2023 às 08h00.
“Agora essa. Descobriram que ovo, afinal, não faz mal. Durante anos, nos aterrorizaram. Ovos eram bombas de colesterol. (...) O fato é que quero ser ressarcido de todos os ovos fritos que não comi nestes anos de medo inútil.” Há um tempo, o Luiz Fernando Veríssimo escreveu um texto em algum jornal comentando, com sarcasmo, sobre o fato do ovo ter saído da condição de vilão para mocinho. Até a década de 1980, valia a regra publicada pela American Heart Association onde estava estabelecido que só poderíamos ingerir 300mg de colesterol por dia. E que apenas um mísero ovinho continha 180mg.
Depois, com mais estudos e revisões sistemáticas, chegou-se a um veredito fácil de engolir: ovo estava liberado. Isso porque 70% do colesterol que circula aí no seu corpo é produzido por você mesmo, sem que possa evitar. Além do que, descobriu-se que sem colesterol seus hormônios estariam comprometidos, a vitamina D idem, entre outros mecanismos que precisam desse bendito. E esse é apenas o exemplo do ovo.
Dá para colocar aqui o café que dia sim, dia não, é maléfico; assim como o vinho tinto. E nem vou falar de glúten, lactose, porque precisaríamos de mais bytes para discutir sobre isso.
Para um nutricionista é uma corrida contra o tempo. É imenso o número de artigos científicos que são publicados todo santo dia com uma regra nova. Melhor dizendo: com um ponto de vista novo. Isso porque todo dia algum pesquisador está estudando as nuances desse ou daquele alimento. E como funciona isso?
Pesquisador é a pessoa que precisa sempre provar um ponto. Pode ser um ponto que outro já tentou provar, ou um novo ponto. Imagine assim: seu colega descobre que, se todos os funcionários comessem uma banana antes do almoço, teriam melhor rendimento à tarde. Ele comprova isso observando um bom número de pessoas, medindo o rendimento através de alguma métrica. Daí você levanta a dúvida: mas a banana era ouro – com mais frutose, ou seja, mais ‘açúcar’ – ou banana prata? Tcharam! Eis um novo estudo científico. Agora sua missão é descobrir qual tipo de banana é a melhor para aumentar o desempenho. Talvez seu outro colega pegue o resultado da sua pesquisa – você descobriu que a banana prata, além de ser melhor pra concentração, também ajuda no emagrecimento – e acrescente mais uma outra dúvida: será que se ele comer duas bananas e uma maçã irá melhorar ainda mais? Se você vai seguindo essa linha – que é infinita e dura décadas -, há grandes chances de chegar ao ponto de perceber que não era a banana que deixava as pessoas mais focadas, mas sim o café que elas ingeriam minutos antes da fruta.
A coisa fica ainda mais difícil de entender quando se acrescenta outra dúvida: no momento em que a banana entra no seu corpo, quais os mecanismos ela dispara para que o seu foco aumente? Bom, é nessa hora que entram os ratinhos de laboratórios, que têm genes modificados justamente para que possamos entender como o triptofano (aminoácido que é precursor da serotonina) age no nosso cérebro, e qual o caminho ele faz do seu estômago até sua mente. E daí, quando entra nesse âmbito, são anos e anos dentro de um laboratório (com zero glamour e muita dor de cabeça) até conseguir provar que o tal alimento faz um caminho ou outro.
Leitor, eu sei que dá nos nervos não saber se vinho tinto vai te salvar ou te matar mais cedo. O meu conselho é: foque no seu nutricionista – por isso a importância dele ser um profissional sério, estudioso e que paute suas decisões em artigos científicos de revistas conceituadas. Assim você poderá comer seu ovo mexido todas as manhãs sem medo algum.
*Lígia Prestes, nutricionista pós graduada em nutrição hospitalar pelo hospital Albert Einstein e mestre em nutrição experimental na Universidade de São Paulo. As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião de Exame.