Vinho espumante: produção fora do eixo tradicional (Anastassiya Bezhekeneva/Getty Images)
Especialista em vinhos
Publicado em 22 de dezembro de 2025 às 09h17.
Champagne é a referência mundial quando pensamos em bolhas. O modelo francês, com tradição, terroir calcário e história comercial, moldou o padrão de qualidade e o imaginário do consumidor. Champagne segue como norte técnico e quase sempre inspira regiões que buscam construir identidade própria no universo dos vinhos espumantes.
Ao mesmo tempo, o mercado global amadureceu e abriu espaço para alternativas sólidas. São regiões que trabalham uvas adaptadas, métodos de produção precisos e produtores com ambição de qualidade. A intenção não é substituir a França, mas ampliar repertório e democratizar o acesso a espumantes complexos com melhor relação entre preço e entrega.
Na Catalunha, surge a denominação Corpinnat. Ela nasceu da dissidência de produtores que deixaram a DO Cava para defender regras mais rigorosas. A base está em vinhedos orgânicos, colheita manual, guarda mínima sobre borras e foco nas uvas locais. No centro desse projeto estão Gramona e Recaredo, duas casas históricas.
A Gramona aposta em longos envelhecimentos e reforça o perfil gastronômico do terroir mediterrâneo. Vinhos como o Gramona Imperial Brut mostram textura, fruta mais madura e profundidade. A Recaredo investe em precisão técnica e pureza. O Recaredo Intens Brut Nature costuma apresentar acidez firme, perfil seco e uma leitura nítida de Xarel.lo e Macabeo.
Na França fora de Champagne, o país consolidou o sistema Crémant, que autoriza diferentes regiões a produzir espumantes pelo método tradicional. A Alsácia lidera em volume e constância. Riesling, Pinot Blanc e Auxerrois sustentam um estilo floral e direto. A Dopff au Moulin é referência, com rótulos como o Dopff Brut, marcado por acidez e notas cítricas.
No Jura, a lógica é outra. A região é pequena e fria, com variedades como Chardonnay e Savagnin. Os espumantes costumam ser tensos, com maior sensação mineral. Produtores como J Arnaux trabalham pequenas tiragens e vinhos que privilegiam textura e leveza. É um estilo que conversa com consumidores interessados em caráter mais rústico e ligação direta com o solo.
Na Itália, Trento se firmou como nome de peso no mapa dos espumantes pelo método tradicional. O clima alpino, a elevada amplitude térmica e o foco em Chardonnay e Pinot Noir sustentam vinhos secos, limpos e precisos. A denominação Trentodoc ganhou força institucional e passou a ocupar espaço premium no mercado europeu.
A Ferrari lidera esse movimento. Trabalha exclusivamente o método tradicional e busca longa permanência sobre as borras. O Ferrari Maximum Blanc de Blancs e o Ferrari Perlé Brut mostram consistência, mousse fina e um perfil que aproxima Trento de um estilo internacional mais gastronômico.
A Serra Gaúcha vive uma fase de consolidação técnica e comercial. O Vale dos Vinhedos concentra investimento, mão de obra especializada e um histórico consistente com espumantes. Chardonnay, Pinot Noir e Riesling Itálico formam a espinha dorsal, sempre com acidez preservada e álcool controlado.
A Casa Valduga se tornou referência com a linha Gran Reserva, marcada por autólise prolongada e cremosidade. A Pizzato aposta em um perfil mais seco e direto. A linha Fausto Brut exemplifica entrega imediata e boa definição aromática. Produtores menores, como Vita Eterna, desenvolvem vinhos em pequena escala com frescor e leitura artesanal.
O avanço dos espumantes fora do eixo clássico mostra um panorama mais plural e menos concentrado. A busca por qualidade deixou de ser exclusividade histórica de uma única origem e passou a orientar diferentes projetos ao redor do mundo. Produtores entenderam que o método, o tempo de maturação e o rigor técnico criam valor independente do CEP vitivinícola.
O resultado é um mercado em que as bolhas se tornaram linguagem global, aberta a novas interpretações e disposta a disputar atenção pela qualidade do conteúdo e não apenas pelo peso da tradição.