Os prós e os contras de ouvir música durante as corridas e exercícios
Correr com música é bom ou ruim? Colocamos frente a frente dois especialistas que estão em trincheiras opostas nessa batalha sonora
Da Redação
Publicado em 24 de junho de 2011 às 16h18.
São Paulo - Os mais puristas dispensam os fones. Acreditam que estar ligado ao que acontece ao redor é uma parte essencial da corrida. Mas o fato é que, a cada dia, aumenta o número de corredores que não imaginam dar um passo sequer sem o impulso de suas músicas prediletas. Em 2007, a Federação Norte-Americana de Atletismo proibiu o uso de aparelhos de som portáteis em seus eventos, chegando a retirar da pista 144 corredores na Maratona Twin Cities (de Minneapolis a Saint Paul) daquele ano. Depois, a medida foi suavizada – passando a valer apenas para atletas de ponta –, mas a discórdia entre fãs e detratores dos fones de ouvido continua. Entre seus defensores está o inglês Costas Karageorghis, psicólogo do esporte que estudou a influência positiva da música sobre atletas. Do lado oposto está o canadense Jim Denison, sociólogo do esporte e treinador. Ele acredita que o melhor mesmo é correr ao som dos seus próprios passos. Conheça agora os argumentos desses dois especialistas: os "prós" são de Karageorghis e os "contras", de Denison.
RUNNER'S WORLD: Qual é a questão central em torno de correr ouvindo música?
PRÓ
Às vezes, a música pode fazer com que correr pareça mais fácil. Estudos demonstram que ela reduz a percepção de intensidade do exercício em cerca de 10%. Um estímulo externo como esse é capaz de literalmente bloquear alguns dos estímulos internos que tentam chegar ao cérebro, como mensagens sobre fadiga enviadas por músculos e órgãos. Quando essas mensagens são bloqueadas, a percepção de esforço do corredor é reduzida e você tem a sensação de que pode correr mais rápido e por mais tempo. Isso não ocorre em níveis altos de esforço — nesse caso, o cérebro muda sua atenção dos estímulos externos para os internos. A música também eleva aspectos positivos do humor, como entusiasmo e felicidade, enquanto reduz aspectos negativos, como tensão, cansaço e confusão. Por isso, ela pode ajudar no desempenho, já que trabalha na questão emocional do corredor.
CONTRA
Um problema importante é o fato de que ouvir música o distancia dos outros sons produzidos pelo ato de correr, como a respiração e o impacto das passadas, que são informações preciosas. Eles lhe dão um retorno sobre seu esforço. Correr ouvindo música também afasta a pessoa do ambiente em que ela está, o que pode ser perigoso. Você pode não ouvir um carro ou uma pessoa atrás de você, ou uma tempestade que se aproxima. No caso das provas, isso o isola dos outros corredores e impede que você ouça as instruções dadas pelos organizadores. Você andaria de carro ou de bicicleta com fones de ouvido? Provavelmente não — ou não deveria —, porque isso reduz sua atenção e aumenta seu tempo de reação. Eu quero que esses aspectos trabalhem a meu favor. Além de tudo, acredito que corredores podem se tornar dependentes de música. Pode-se chegar a um ponto em que você perde a noção daquilo que é realmente motivador para você, como a sensação de energização provocada pela corrida.
RW: Alguns corredores precisam de música mais que outros?
PRÓ
Sim. Na verdade, a música não é eficaz para indivíduos que podemos definir como "associadores". Atletas que levam o esporte a sério tendem a ser associadores, o que significa que eles se concentram intencionalmente nas informações internas, como respiração, batimentos cardíacos e tensão muscular. Esse tipo de atleta tende a não obter tantos benefícios de estímulos externos como a música. Por outro lado, há os “dissociadores”, a categoria na qual a maioria dos corredores — fisicamente ativos, mas longe de serem atletas de ponta — se encaixam. Para essas pessoas, a música pode ser uma força motivacional. Os dissociadores buscam esse tipo de fator para distraí-los do tédio normalmente associado ao exercício físico.
CONTRA
Corredores de elite podem ter maior tendência a não precisar de auxílio externo para lidar com a suposta monotonia da corrida. Mas eu não acho que todo mundo entenda o ato de correr como um meio para se chegar a um fim. Não deveríamos partir do princípio de que as pessoas acham que correr é chato e precisam de música para suportar a atividade. Muitas pessoas gostam de correr e de estar presentes na sensação de movimento. Você não precisa ser um atleta de elite para estar em sintonia com seu corpo.
RW: Há quem diga que correr refresca a mente. Como a música afeta isso?
PRÓ
No "estado de fluxo", que se caracteriza por uma imersão completa no que se está fazendo, o tempo parece parar. Você sente prazer naquilo que está fazendo, centrado em si mesmo. Porém, há pesquisas mostrando que a música pode ajudar a aprimorar esse estado durante a corrida. Assim, ela pode se tornar parte dessa experiência holística e não algo separado (ou ainda em detrimento dela).
CONTRA
A capacidade de estar calmo, em paz, se perdeu em nossa cultura; abrimos mão disso para fazermos várias coisas ao mesmo tempo — a chamada multitarefa. Eu diria que ouvir música – ou podcasts, ou audiobooks – durante a corrida é uma forma de multitarefa. É o que nos mantém “plugados” e impede que a experiência de correr seja realmente apreciada.
RW: Quando se corre em uma esteira, música é uma necessidade?
PRÓ
Ouvir música na esteira é provavelmente melhor que fazê-lo ao ar livre. Afinal, não há perigos em relação ao tráfego. A corrida em ambientes abertos traz naturalmente elementos de distração, por causa da paisagem, e esses estímulos podem aliviar o tédio. Na esteira, você não tem esses estímulos, ou os tem em menos quantidade, o que torna a música bastante útil. Quanto menos se percebe o esforço, menor o tédio.
CONTRA
Discordo. Quando você corre com seu MP3 em uma esteira, você não consegue ouvir suas passadas ou sua respiração e, por consequência, não está aprendendo a associar essas informações com seu nível de esforço. Você fica desconectado da corrida. Por que correr na esteira deveria ser diferente de correr ao ar livre? A mesma conexão positiva com o próprio corpo pode ocorrer em qualquer contexto e, na minha opinião, isso é sempre melhor do que a interferência da música nas sensações de correr e de se movimentar. Observo atletas o tempo todo, correndo na esteira e ao ar livre. Independentemente de onde estão, sempre percebo que, quando ouvem música, eles se tornam quase robóticos. Eles ligam o som simplesmente para encarar o treino. Se você observar pessoas correndo sem música, verá que a abordagem é bastante diferente — elas têm mais foco.
RW: O que você acha de corridas que tocam música durante o percurso?
PRÓ
Algumas das nossas pesquisas mais recentes estudaram o efeito de usar música em pontos predeterminados em vez de executá-la ao longo de todo um trajeto. Esse parece ser o modo mais eficiente de se utilizar a música, o que me leva a acreditar que ter música em pontos específicos ao longo de uma prova pode ter efeito positivo.
CONTRA
Acho que a música durante as corridas pode ser um tiro pela culatra se ela o tirar de seu ritmo, fazendo com que você acelere em uma subida porque está passando por uma banda. Não é eficiente gerenciar uma corrida de modo tão desigual e, mais tarde, você vai pagar o preço. Para me prevenir contra isso, eu usaria um cronômetro e verificaria o mapa do percurso com antecedência. Isso ajuda a saber qual deve ser seu ritmo na competição. O mais importante é estar consciente de que a música pode afetá-lo de forma negativa e estar determinado a não deixar que isso aconteça.
RW: Como os corredores podem usar a música a seu favor?
PRÓ
Os benefícios da música tendem a se manifestar em corridas de intensidades leves e moderadas. Eu diria que é melhor contar com ela em seus dias de treino mais fácil. Também estamos investigando a aplicação sincrônica da música, ou seja, fazer com que o atleta conscientemente associe seu ritmo de passadas ao ritmo da música, o que pode resultar em um uso mais eficiente do oxigênio durante a corrida. Para realizar a corrida sincrônica, você deve descobrir o ritmo de passadas que você deseja fazer (o número de vezes que seus pés tocam o chão por minuto) e então pesquisar músicas cujas batidas por minuto (bpm) estão levemente acima desse número — uma ou duas batidas por minuto a mais já são suficientes. Além disso, constatamos que o método mais eficaz consiste em dois treinos com música e um sem. Se você ouvir música em todos os treinos, você pode perder a sensibilidade, ou ficar dependente dela em competições.
São Paulo - Os mais puristas dispensam os fones. Acreditam que estar ligado ao que acontece ao redor é uma parte essencial da corrida. Mas o fato é que, a cada dia, aumenta o número de corredores que não imaginam dar um passo sequer sem o impulso de suas músicas prediletas. Em 2007, a Federação Norte-Americana de Atletismo proibiu o uso de aparelhos de som portáteis em seus eventos, chegando a retirar da pista 144 corredores na Maratona Twin Cities (de Minneapolis a Saint Paul) daquele ano. Depois, a medida foi suavizada – passando a valer apenas para atletas de ponta –, mas a discórdia entre fãs e detratores dos fones de ouvido continua. Entre seus defensores está o inglês Costas Karageorghis, psicólogo do esporte que estudou a influência positiva da música sobre atletas. Do lado oposto está o canadense Jim Denison, sociólogo do esporte e treinador. Ele acredita que o melhor mesmo é correr ao som dos seus próprios passos. Conheça agora os argumentos desses dois especialistas: os "prós" são de Karageorghis e os "contras", de Denison.
RUNNER'S WORLD: Qual é a questão central em torno de correr ouvindo música?
PRÓ
Às vezes, a música pode fazer com que correr pareça mais fácil. Estudos demonstram que ela reduz a percepção de intensidade do exercício em cerca de 10%. Um estímulo externo como esse é capaz de literalmente bloquear alguns dos estímulos internos que tentam chegar ao cérebro, como mensagens sobre fadiga enviadas por músculos e órgãos. Quando essas mensagens são bloqueadas, a percepção de esforço do corredor é reduzida e você tem a sensação de que pode correr mais rápido e por mais tempo. Isso não ocorre em níveis altos de esforço — nesse caso, o cérebro muda sua atenção dos estímulos externos para os internos. A música também eleva aspectos positivos do humor, como entusiasmo e felicidade, enquanto reduz aspectos negativos, como tensão, cansaço e confusão. Por isso, ela pode ajudar no desempenho, já que trabalha na questão emocional do corredor.
CONTRA
Um problema importante é o fato de que ouvir música o distancia dos outros sons produzidos pelo ato de correr, como a respiração e o impacto das passadas, que são informações preciosas. Eles lhe dão um retorno sobre seu esforço. Correr ouvindo música também afasta a pessoa do ambiente em que ela está, o que pode ser perigoso. Você pode não ouvir um carro ou uma pessoa atrás de você, ou uma tempestade que se aproxima. No caso das provas, isso o isola dos outros corredores e impede que você ouça as instruções dadas pelos organizadores. Você andaria de carro ou de bicicleta com fones de ouvido? Provavelmente não — ou não deveria —, porque isso reduz sua atenção e aumenta seu tempo de reação. Eu quero que esses aspectos trabalhem a meu favor. Além de tudo, acredito que corredores podem se tornar dependentes de música. Pode-se chegar a um ponto em que você perde a noção daquilo que é realmente motivador para você, como a sensação de energização provocada pela corrida.
RW: Alguns corredores precisam de música mais que outros?
PRÓ
Sim. Na verdade, a música não é eficaz para indivíduos que podemos definir como "associadores". Atletas que levam o esporte a sério tendem a ser associadores, o que significa que eles se concentram intencionalmente nas informações internas, como respiração, batimentos cardíacos e tensão muscular. Esse tipo de atleta tende a não obter tantos benefícios de estímulos externos como a música. Por outro lado, há os “dissociadores”, a categoria na qual a maioria dos corredores — fisicamente ativos, mas longe de serem atletas de ponta — se encaixam. Para essas pessoas, a música pode ser uma força motivacional. Os dissociadores buscam esse tipo de fator para distraí-los do tédio normalmente associado ao exercício físico.
CONTRA
Corredores de elite podem ter maior tendência a não precisar de auxílio externo para lidar com a suposta monotonia da corrida. Mas eu não acho que todo mundo entenda o ato de correr como um meio para se chegar a um fim. Não deveríamos partir do princípio de que as pessoas acham que correr é chato e precisam de música para suportar a atividade. Muitas pessoas gostam de correr e de estar presentes na sensação de movimento. Você não precisa ser um atleta de elite para estar em sintonia com seu corpo.
RW: Há quem diga que correr refresca a mente. Como a música afeta isso?
PRÓ
No "estado de fluxo", que se caracteriza por uma imersão completa no que se está fazendo, o tempo parece parar. Você sente prazer naquilo que está fazendo, centrado em si mesmo. Porém, há pesquisas mostrando que a música pode ajudar a aprimorar esse estado durante a corrida. Assim, ela pode se tornar parte dessa experiência holística e não algo separado (ou ainda em detrimento dela).
CONTRA
A capacidade de estar calmo, em paz, se perdeu em nossa cultura; abrimos mão disso para fazermos várias coisas ao mesmo tempo — a chamada multitarefa. Eu diria que ouvir música – ou podcasts, ou audiobooks – durante a corrida é uma forma de multitarefa. É o que nos mantém “plugados” e impede que a experiência de correr seja realmente apreciada.
RW: Quando se corre em uma esteira, música é uma necessidade?
PRÓ
Ouvir música na esteira é provavelmente melhor que fazê-lo ao ar livre. Afinal, não há perigos em relação ao tráfego. A corrida em ambientes abertos traz naturalmente elementos de distração, por causa da paisagem, e esses estímulos podem aliviar o tédio. Na esteira, você não tem esses estímulos, ou os tem em menos quantidade, o que torna a música bastante útil. Quanto menos se percebe o esforço, menor o tédio.
CONTRA
Discordo. Quando você corre com seu MP3 em uma esteira, você não consegue ouvir suas passadas ou sua respiração e, por consequência, não está aprendendo a associar essas informações com seu nível de esforço. Você fica desconectado da corrida. Por que correr na esteira deveria ser diferente de correr ao ar livre? A mesma conexão positiva com o próprio corpo pode ocorrer em qualquer contexto e, na minha opinião, isso é sempre melhor do que a interferência da música nas sensações de correr e de se movimentar. Observo atletas o tempo todo, correndo na esteira e ao ar livre. Independentemente de onde estão, sempre percebo que, quando ouvem música, eles se tornam quase robóticos. Eles ligam o som simplesmente para encarar o treino. Se você observar pessoas correndo sem música, verá que a abordagem é bastante diferente — elas têm mais foco.
RW: O que você acha de corridas que tocam música durante o percurso?
PRÓ
Algumas das nossas pesquisas mais recentes estudaram o efeito de usar música em pontos predeterminados em vez de executá-la ao longo de todo um trajeto. Esse parece ser o modo mais eficiente de se utilizar a música, o que me leva a acreditar que ter música em pontos específicos ao longo de uma prova pode ter efeito positivo.
CONTRA
Acho que a música durante as corridas pode ser um tiro pela culatra se ela o tirar de seu ritmo, fazendo com que você acelere em uma subida porque está passando por uma banda. Não é eficiente gerenciar uma corrida de modo tão desigual e, mais tarde, você vai pagar o preço. Para me prevenir contra isso, eu usaria um cronômetro e verificaria o mapa do percurso com antecedência. Isso ajuda a saber qual deve ser seu ritmo na competição. O mais importante é estar consciente de que a música pode afetá-lo de forma negativa e estar determinado a não deixar que isso aconteça.
RW: Como os corredores podem usar a música a seu favor?
PRÓ
Os benefícios da música tendem a se manifestar em corridas de intensidades leves e moderadas. Eu diria que é melhor contar com ela em seus dias de treino mais fácil. Também estamos investigando a aplicação sincrônica da música, ou seja, fazer com que o atleta conscientemente associe seu ritmo de passadas ao ritmo da música, o que pode resultar em um uso mais eficiente do oxigênio durante a corrida. Para realizar a corrida sincrônica, você deve descobrir o ritmo de passadas que você deseja fazer (o número de vezes que seus pés tocam o chão por minuto) e então pesquisar músicas cujas batidas por minuto (bpm) estão levemente acima desse número — uma ou duas batidas por minuto a mais já são suficientes. Além disso, constatamos que o método mais eficaz consiste em dois treinos com música e um sem. Se você ouvir música em todos os treinos, você pode perder a sensibilidade, ou ficar dependente dela em competições.