O mundo secreto dos esportivos
Em um segmento onde o valor dos carros é proporcional a sua velocidade, as empresas apostam em atrativos “que o dinheiro não compra”
Rodrigo França
Publicado em 24 de setembro de 2019 às 12h42.
Para quem não é apaixonado por carro, um automóvel pode até chamar atenção na rua por suas rodas de liga leve, detalhes aerodinâmicos ou uma pintura especial. Mas o verdadeiro reconhecimento de excelência em performance vem em letras (AMG em um Mercedes , M nos BMW, R e S no Audi) ou números, como 911 em um Porsche .
Mas o que faz clientes pagarem às vezes o dobro do valor de um carro de luxo para ter acesso a este mundo dos esportivos? É claro que a performance de 0 a 100 km/h, a potência do motor (de preferência, acima de 300 cavalos) e o desempenho digno de carro de corrida são os fatores principais. Mas as marcas investem em um pacote que, junto com o carro, traz um estilo de vida exclusivo, proporcionando experiências que o dinheiro em si não compra.
Neste mundo secreto dos esportivos, há desde jantares exclusivos para sócios em um dos melhores restaurantes de São Paulo até mesmo cursos de pilotagem em circuitos de F1 na Europa, como o mítico Spa-Francorchamps (o favorito de Ayrton Senna), e até mesmo módulos de direção defensiva ou cursos de pilotagem na neve.
“Quando o cliente compra um carro esportivo, está realizando um sonho. Por isso buscamos fidelizar ao máximo para que ele possa ter experiências únicas e conseguir explorar melhor as qualidades do esportivo, fazendo uso do real potencial do carro, algo que ele não conseguiria fazer na rua ou estrada pelas limitações de velocidade”, diz Claudio Rawicz, diretor de comunicação da Audi .
Antes que você pense que a ostentação é a palavra de ordem, melhor rever seus conceitos. Aqui, ao contrário, a discrição é o que melhor descreve este grupo. “O mais legal é a camaradagem. Conheci muitas pessoas bacanas e fiz amizades que tenho contato até hoje e aprendi muito sobre o carro, dicas de direção, customização e outros eventos legais que a marca organiza. Você acaba criando um grupo de amigos pra falar de carro e velocidade”, diz o empresário R. (que preferiu não se identificar), cliente do grupo de proprietários de carros AMG, da Mercedes.
E você não precisa ser nenhum Lewis Hamilton para conseguir acelerar um carro da montadora alemã ao máximo. “Já estive em um evento nos EUA que era considerado um Driving Academy que foi muito marcante. Foram dois dias dirigindo carros esportivos e aprendendo dicas básicas e intermediárias de pista com pilotos e depois colocando tudo em prática na pista. Pra quem ama carros, como eu, viajar para a Alemanha para uma imersão no mundo AMG é algo que não se pode precificar. É definitivamente uma experiência única e que vai ficar marcada na vida de cada um”, completa.
É um mundo exclusivo, sim, mas, no que depender do trabalho dar marcas, deve atingir cada vez mais clientes, como explica o gerente de Marketing da Mercedes, Evandro Bastos. “Nossa meta é conseguir até 1.000 clientes por ano com os programas do Private Lounge AMG”, diz. Um dos cursos, inclusive, será no interior de São Paulo, no circuito do Velo Cittá, na cidade de Mogi Guaçu, que recebe provas das principais categorias nacionais, como Stock Car e Porsche Cup. “É uma oportunidade única que o dono do AMG pode testar seu carro e levar mesmo ao limite todos os itens que aquele modelo possui. Muitas vezes nossos instrutores ensinam coisas que nem o cliente conhece sobre o próprio carro”, diz Bastos.
Este também é o caso dos proprietários de Porsche – que, por si só, já são grande entusiastas de um mundo exclusivo ligado a esportes. Afinal, a marca tem sua história tão ligada às corridas que seus modelos possuem ignição localizada na parte esquerda do painel – item adotado para facilitar a largada nas 24 Horas de Le Mans há mais de cinco décadas atrás.
Um dos fatores que mais ajudam os proprietários de Porsche a usufruir de seus carros é a atuação do Porsche Club Brasil. Além de promover eventos (em especial passeios por estradas e eventos de pista), ele promove um campeonato interno (Porsche Club Cup) com quatro premiações anuais. Test drives com lançamentos da marca também são feitos e alguns clientes são especialmente convidados a visitar a fábrica ou a participar de eventos em outros países (quase sempre EUA e Europa).
Claro que neste universo exclusivo alguns “mimos” são especiais. Os compradores do Porsche 918 Spyder, por exemplo, receberam seus carros em um… autódromo, na pista particular de Capuava (que pertencia ao empresário Alcides Diniz e hoje recebe com frequência eventos de carros esportivos). Ali mesmo, os felizes proprietários do 918 receberam orientação e puderam dar a primeira acelerada.
“O que é mais interessante é que muitos destes clientes envolvidos em eventos de esportivos acabam pegando gosto pela coisa e viram pilotos de campeonatos profissionais”, explica Rodrigo Soares, gerente de RP e imprensa da Porsche.
Não por acaso, o campeonato monomarca da montadora alemã é a que mais cresceu nos últimos anos no automobilismo brasileiro, bastante impulsionado pelos “gentleman drivers”, como são chamados os empresários que aceleram como hobby. Este é um fenômeno muito comum não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro – tanto que, em Le Mans, há uma categoria só pra eles (chamada de “Pro-AM”).
Justamente por esta forte concorrência mundial há eventos internacionais para os amantes de modelos esportivos – alguns deles reúne clientes de diversos países, como o Audi Ice Driving Experience na Suécia, com clientes tendo a chance de pilotar o carro em condições extremas na neve – a pista fica sobre um lago congelado na região do Circulo Polar Ártico.
Neste caso, o cliente precisa, claro, arcar com os custos de sua viagem – por volta de R$ 20 mil. Mas, para quem já investiu até dez ou 20 vezes mais este valor para ter um esportivo na garagem, o que vale mesmo é a história para contar ao final da experiência.
“Desde pequeno aprendi a gostar de corridas com meu pai: assistia de madrugada a época de glória das vitórias do Ayrton Senna. Para quem ama carros, viagens como estas são algo que não se pode precificar. É definitivamente uma experiência única e que vai ficar marcada na vida”, diz o empresário R. “O que mais gosto de fazer é dirigir com o som desligado pra escutar o ronco do motor”, completa, com aquele sorriso no rosto de quem sabe o privilégio que é ter uma paixão correspondida.