O futuro do vinho é muito seco
As temperaturas no Negev estão muito longe das dos climas temperados de muitas regiões produtoras de vinho
Guilherme Dearo
Publicado em 18 de outubro de 2019 às 09h00.
Última atualização em 18 de outubro de 2019 às 09h00.
Mitzpe Ramon, Israel – No Deserto do Negev, o sol bate em uma paisagem seca de colinas marrons. Mas, em uma porção de terra aqui no sul de Israel, as vinhas crescem em fileiras verdes e gordos cachos de uva se aninham entre folhas exuberantes.
Isso não é uma miragem. É um vinhedo de pesquisa, onde os cientistas estudam como as uvas podem crescer melhor neste ambiente difícil.
As temperaturas no Negev estão muito longe das dos climas temperados de muitas regiões produtoras de vinho . No entanto, cerca de 20 vinícolas surgiram aqui ao longo dos últimos 15 anos, juntamente com um enoturismo em ascensão.
Os pesquisadores estão se concentrando neste ambiente hostil por uma razão: estudar como as uvas do vinho podem crescer nas condições desérticas de Israel. Esse conhecimento será ainda mais valioso em um mundo com secas e ondas de calor mais frequentes.
"O clima está se tornando cada vez mais imprevisível", disse Aaron Fait, professor de bioquímica da Universidade Ben-Gurion do Negev. "O modelo do deserto é uma maneira de estudar como as mudanças climáticas afetarão o vinho em todo o mundo."
As técnicas que estão sendo testadas aqui em 30 variedades de uvas incluem o uso de redes que fornecem sombra, de treliças que direcionam as vinhas para que cresçam em formações que limitam sua exposição ao sol, de sensores que medem a umidade do solo e de câmeras térmicas que verificam quanta luz solar as uvas e as folhas absorvem.
O trabalho vem despertando o interesse de vinícolas europeias, pois as ondas de calor no verão e outras mudanças do clima afetam suas plantações. Em julho, as temperaturas chegaram a 41 °C na região vinícola francesa de Bordeaux – o dia mais quente já registrado. Os recordes de calor foram quebrados em outras partes do continente, inclusive na Alemanha, na Bélgica e na Holanda.
Nos últimos anos, cientistas e proprietários de vinhedos na França, na Itália, na Eslovênia e em outras partes da Europa visitaram os pesquisadores no Negev. Os peritos esperam que a agricultura do deserto de Israel possa fornecer lições valiosas sobre a adaptação das culturas ao clima extremo e imprevisível.
Para estudar inovações na vinificação, Fait trabalha com várias vinícolas no Negev e com pesquisadores europeus como Enrico Peterlunger, professor de viticultura na Universidade de Udine, no norte da Itália. O trabalho começou em 2014 com a empresa de irrigação israelense Netafim e com o apoio dos governos italiano e israelense.
"Os produtores estão preocupados com a mudança climática na Europa", afirmou Peterlunger. Sobre sua região, ele disse: "Choveu muito em maio, o que causou alguns problemas durante a floração e o surgimento das frutas. Junho, julho e agosto foram muito quentes, e isso não é o ideal para as videiras."
Naftali Lazarovitch, cientista do solo no Instituto Blaustein de Pesquisa do Deserto, no Negev, também estuda a viticultura no deserto no vinhedo da pesquisa. Os europeus "veem Israel e a maneira como estamos lidando com condições severas e tentam aprender com isso. Produzimos mais com menos, esse é nosso objetivo", disse ele.
Mais de 40 por cento da superfície terrestre é composta de terras secas, incluindo florestas tropicais secas, savanas e desertos, que são o lar de cerca de 2,5 bilhões de pessoas. Essas regiões já estão ameaçadas pelo uso excessivo de recursos e pela desertificação, e são mais vulneráveis ao clima extremo, incluindo secas, ondas de calor e tempestades de areia, de acordo com um relatório recente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas.
A maior parte de Israel é árida; o Negev abrange mais da metade do país. Por necessidade, Israel aperfeiçoou a agricultura do deserto para produzir colheitas abundantes. Na década de 1940, o inventor polonês-israelense Simcha Blass foi pioneiro nos sistemas modernos de irrigação por gotejamento, que agora são usados em todo o mundo.
A agricultura do deserto existe na região desde os tempos antigos. Os nabateus, povo árabe nômade que data do século IV a.C., usavam o escoamento e construíam pequenas barragens de pedra para desviar a água, com o objetivo de irrigar colheitas e cultivar uvas para o vinho.
Hoje, no Negev, os agricultores podem controlar a água com irrigação por gotejamento precisa, ao contrário de partes do mundo que estão à mercê das chuvas. "A viticultura no deserto, onde podemos controlar um grande número de variáveis, como em nenhum outro vinhedo, é de imensa importância para testar certos cenários climáticos", disse Fait.
Para seus testes, ele trabalha com vinícolas do Negev como a Nana Estate, cujo dono, Eran Raz, já trabalhou em produção cinematográfica. Raz se mudou para o Negev para começar um vinhedo "porque nenhuma grande história começa com salada", brincou ele.
A água canalizada de um aqueduto local rega as uvas da Nana Estate, que produzem vinhos com uvas chardonnay e chenin blanc.
"Tenho controle total sobre a água", disse Raz. "Controlo o tamanho que as uvas terão."
Ele monitora de perto suas videiras para garantir que as uvas cresçam – não as folhas – e verifica seus níveis de açúcar. O rendimento ideal para uma videira é de quatro quilos. Se as uvas se aglomeram muito, isso pode exaurir a planta, e então Raz as descarta.
No Negev, os dias podem chegar a 36 °C e as noites podem ser muito frias no inverno. Com seu clima seco, os produtores podem usar fungicida duas vezes por estação, ao passo que alguns de seus colegas europeus usam o produto semanalmente.
Além da viticultura, os pesquisadores israelenses estão estudando uma série de técnicas para outras culturas. O Centro Ramat Negev de Agropesquisa tem cerca de 15 hectares de terrenos e estufas, onde os cientistas cultivam vinhas, tamareiras, oliveiras e jojoba.
Em grandes estufas, os pesquisadores plantam pepino, tomate cereja, berinjela e outros vegetais, como uma erva crocante comestível chamada sarcocornia, que cresce em condições salinas. Mesmo os morangos são cultivados em longos plantadores suspensos.
Lazarovitch e outros cientistas estão testando inovações, incluindo câmeras que monitoram as raízes das plantas e sensores que controlam os níveis de dióxido de carbono, de fertilizantes e de salinidade. As técnicas de cobertura do solo podem reduzir o uso da água em até 20 por cento. Cobrir as raízes das plantas com plástico também impede a evaporação.
Essas inovações "serão cada vez mais relevantes para muitos países, como resultado do aquecimento global", disse Ofer Guy, pesquisador agrícola do centro Ramat Negev. "As questões de água dura e solo salino, clima quente extremo e falta de água vão ser grandes problemas no futuro global, à medida que a agricultura for forçada a ocupar solos marginais", acrescentou.
"Hoje, a agricultura e o consumo de alimentos são baseados em uma pequena variedade de plantas relativamente sensíveis à salinidade. Isso representa um grande desafio para a humanidade", disse Guy.
O centro Ramat Negev trabalha com agricultores locais, muitos dos quais não têm tradição agrícola. Isso ajuda a incentivar uma indústria cujos números estão diminuindo. Na década de 1950, mais de 70 por cento da população de Israel trabalhava na agricultura, em comparação com menos de dois por cento hoje.
"É difícil ser agricultor", disse Guy. "É como uma aposta. Não há garantias. É um risco muito grande. Em 10 a 20 anos, se ninguém promover as fazendas, cada vez menos pessoas vão querer ser agricultoras. Há muito potencial e cooperação. Há muito para aprender conosco, e ainda muito para aprendermos."