Marc Atlan, diretor criativo em Los Angeles: extensa coleção de arte (Alex Welsh/The New York Times)
Guilherme Dearo
Publicado em 11 de dezembro de 2019 às 08h00.
Última atualização em 11 de dezembro de 2019 às 09h00.
Marc Atlan, diretor criativo dos setores de moda e perfume, se mudou para Los Angeles há 20 anos, com uma considerável coleção de arte que acumulou na França e que continua aumentando, muitas vezes para desgosto de sua esposa.
Ele admite um pouco timidamente que não tem ideia de quantas peças tem. "É uma coleção vasta", disse, acrescentando: "Colecionar é uma doença."
Atlan, de 52 anos, também vive em uma cidade propensa a desastres naturais – de terremotos a incêndios florestais e deslizamentos de terra –, que podem destruir ou danificar gravemente sua coleção.
Se ser um colecionador é algo imbuído do romantismo do dinheiro e do bom gosto, manter o controle de todas as peças de uma coleção é o oposto. Verificar o preço e a data da compra e os dados do artista: o histórico de uma obra é tão romântico quanto a contabilidade.
Mas essa tarefa está se tornando cada vez mais necessária para as grandes coleções, conforme o clima vai mudando e se tornando pior nas áreas costeiras, onde normalmente vivem os ricos.
"À medida que entramos em 2020, já se foi a época em que os proprietários só precisavam de uma apólice de seguro para se proteger", disse Lisa Lindsay, diretora executiva da organização sem fins lucrativos Private Risk Management Association. "As pessoas precisam trabalhar com alguém que possa montar um plano abrangente."
Adriano Picinati di Torcello, diretor da Deloitte Luxembourg, que supervisiona atividades de arte e finanças, disse que a coleção de arte mundial em mãos privadas é estimada em mais de US$ 1,7 trilhão. Mas os proprietários individuais estão sendo mais lentos do que as instituições e as empresas para catalogar o que têm.
"É realmente uma questão de educação e conscientização. As pessoas protegem muito bem seus ativos financeiros e casas. Elas devem ter a mesma visão em relação às coleções de arte: protegê-las enquanto ainda as desfrutam", disse ele.
Planos de contingência exigem começar do básico: que tipo de desastre natural pode destruir o que você tem ou qual é a probabilidade de que seus pertences sejam afetados? Lindsay afirma que o maior desafio é fazer com que os colecionadores se concentrem nisso e parem de assumir que suas obras estão seguras.
A Private Risk Management Association entrevistou agentes de seguros em junho e descobriu que 65 por cento deles disseram que apenas um décimo de seus clientes tem planos de mitigação de risco para proteger suas casas e objetos de valor. Metade desses agentes disse que seus clientes só atualizaram seus planos de desastres depois de terem sido afetados.
"A mudança climática é uma realidade. Os eventos climáticos severos vão continuar e talvez aumentar. Precisamos que as pessoas entendam que há muito que pode ser feito", disse Lindsay.
Um primeiro passo é saber o que você tem, uma tarefa que muitas vezes se inicia com um desastre.
Justin Anthony, cofundador do site Artwork Archive, que ajuda as pessoas a acompanhar suas coleções, só catalogou a sua própria depois que sua casa em Denver foi inundada em 2013. A água destruiu várias obras de arte.
"Conversei com minha companhia de seguros, mas não tinha como provar a eles o valor do que foi perdido. A companhia de seguros não pagou minha perda. Eu tinha uma cobertura adicional muito pequena relacionada às obras, por isso consideraram perda total", disse Anthony, empresário de tecnologia.
Na época, sua coleção era pequena. A peça mais cara que perdeu foi uma litografia francesa do século XIX que custava aproximadamente US$ 5 mil. Mas isso o fez pensar em maneiras de ajudar colecionadores e artistas a registrar o que têm, quando compraram, quanto pagaram e qual é o valor atual.
Ele projetou o Artwork Archive com várias premissas: a coleção tinha de ser particular, tinha de ser abrangente e tinha de incluir as informações exigidas por companhias de seguros e por controladores de espólios. Se algo acontecer com a coleção, o sistema produz um relatório com as informações necessárias, incluindo fotos de vários ângulos, recibos, avaliações e valor de cobertura.
"Queríamos que os usuários pudessem colaborar com suas companhias de seguros, com os controladores de espólios ou com uma casa de leilões caso tentem vender alguma peça. Queríamos que não houvesse muitas barreiras à adesão; muitas das pessoas com quem trabalhamos não tinham conhecimento técnico."
(O serviço cobra uma taxa mensal com base no tamanho, não no valor, da coleção. Vai até US$ 19 por mês para indivíduos e US$ 96 mensais para colecionadores institucionais.)
Geoffrey Koslov, colecionador e coproprietário de uma galeria de fotografia em Houston, a Foto Relevance, usa o sistema do Artwork Archive para as obras de artistas que representa. Ele fez isso para gerenciar seu negócio e para a cobertura do seguro.
Mas, como muitos colecionadores, sua coleção pessoal ainda está em "pastas e uma planilha manual" – coisas que poderiam ser destruídas em uma inundação, como aconteceu com sua residência em 2001, quando uma tempestade tropical inundou Houston. (Ele contou que reconstruiu sua casa mais no alto, e ela resistiu a inundações subsequentes.)
Há muitos serviços que ajudam proprietários e artistas a catalogar suas obras, como a Art Galleria, a Artlogic e a Veevart. Conselheiros de arte como o Winston Art Group, um dos maiores avaliadores de arte independentes nos EUA, também têm seus próprios sistemas proprietários.
O mais importante para os colecionadores, porém, é manter em sigilo suas posses.
"Se você vai ter a localização, a imagem, a descrição e o valor de uma obra de arte, a parte mais importante disso tudo é a confidencialidade", disse Shanna Hennig, diretora da região sudoeste da Winston Art Group. Caso contrário, o sistema on-line corre o risco de ser um guia para ladrões de arte.
Seu grupo vai catalogar uma coleção ao mesmo tempo que a avalia e faz levantamentos do preço de compra e venda. Hennig disse que o trabalho revelou como alguns colecionadores particulares podem ser descuidados, além do risco que isso representa.
"Você verá Picasso Um e Picasso Dois listados no seguro de alguém. Então, quando você os vê em casa, não sabe dizer qual é qual. A litografia de Picasso poderia custar US$ 5 mil e o óleo em tela poderia chegar a US$ 8 milhões", disse ela.
Uma empresa como a Winston Art Group é "um mal necessário", afirmou. "Ninguém nos chama do nada para fazer isso. Geralmente, os advogados ou as companhias de seguros nos chamam para catalogar coleções."
O mais raro é o faça-você-mesmo de Atlan, que há quatro anos trabalha em sua coleção. Ele catalogou cerca de 300 objetos, mas disse que isso é apenas um terço do total e estimou que tem pelo menos quatro anos para acabar, se conseguir manter o mesmo ritmo e desacelerar suas aquisições.
"Se eu for um bom menino e me dedicar, vou conseguir. Mas, se procrastinar, então isso só acaba quando eu morrer."
Colecionadores também precisam de conselhos sobre quando levar suas obras para algum lugar seguro.
Sarah Johnson Court, diretora-gerente da VF Global Insurance, corretora que atende indivíduos ricos e colecionadores, disse que tem clientes em Palm Beach, na Flórida, cuja arte é armazenada quando viajam. Outros cobrem esculturas ao ar livre com caixas gigantes de Kevlar, para protegê-las de detritos trazidos por furacões.
Atlan disse que tem uma visão fatalista de sua coleção. Ela pode ser destruída em um desastre natural no decorrer de sua vida, disse ele. "Uma vez que aceita que a arte pode deteriorar, você tira um peso dos ombros", disse ele.
Além do valor econômico, ele vê outra virtude na catalogação: lembrar-se de tudo que tem. "Não dá para me sentar aqui em casa e olhar para 200 ou 300 peças ao mesmo tempo, mas posso ver tudo no meu computador. Tudo."