Livro debate sistema federativo brasileiro
Apesar de centralizada, federação permite que governos locais inovem na execução de políticas públicas, destaca Marta Arretche, da USP
Da Redação
Publicado em 6 de agosto de 2012 às 10h14.
São Paulo - O sistema federativo brasileiro é bastante centralizado, mas permite que estados e municípios exerçam papéis importantes na execução de políticas públicas.
Essa é a principal conclusão do livro Democracia, Federalismo e Centralização no Brasil, de Marta Arretche, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) e diretora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da Fapesp.
Resultado de estudos realizados desde 2006 no CEM, o livro foi lançado no dia 1º de agosto, em Gramado (RS), durante o 8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP). A obra, publicada pela Editora Fiocruz e pela Editora FGV, da Fundação Getúlio Vargas, com apoio do CEM, também será lançada no Rio de Janeiro, no dia 8 de agosto, na Fundação Oswaldo Cruz.
De acordo com Arretche, quando a Constituição Federal foi promulgada, em 1988, predominava entre os especialistas a interpretação de que a federação brasileira, em contraste com a centralização da ditadura, fortaleceria a democracia com uma operação descentralizada das políticas públicas.
Mas já na década de 1990, segundo a pesquisadora, começaram a surgir fortes críticas ao arranjo descentralizado: exagerada, a autonomia de estados e municípios poderia se tornar um obstáculo à democracia, por dificultar ações unificadas, gerando desequilíbrio entre as esferas de governo.
“A contribuição do livro consiste em mostrar que temos uma longa tradição no Estado brasileiro – que remonta à década de 1930 – de concentração das decisões no governo central, mas ao mesmo tempo temos mecanismos capazes de moderar a sua influência, fazendo com que os estados e municípios sejam atores relevantes na execução de políticas públicas”, disse Arretche.
O livro aponta que o papel de coordenação e formulação das políticas fiscais pela União, assim como suas funções redistributivas que reduzem desigualdades entre estados e municípios, havia sido minimizado pelas interpretações que enfatizavam as características de descentralização da federação brasileira.
“O estudo mostra que os estados federativos não produzem necessariamente dispersão da autoridade política. Ao longo do século 20, a federação brasileira se tornou altamente integrada, ainda que cada nível de governo seja dotado de autoridade política própria. O processo de construção do estado nacional operou no sentido da centralização da autoridade política”, afirmou.
A pesquisa analisou duas dimensões: o poder de veto das unidades constituintes nas arenas decisórias centrais e a autonomia dos governos subnacionais para decidir sobre suas próprias políticas.
“Um dos principais argumentos usados para sustentar que a federação brasileira é efetivamente descentralizada defende que o poder de veto dos governadores é muito grande, o que faria com que o presidente tivesse que se subordinar aos governos estaduais a fim de aprovar legislações do seu interesse”, disse Arretche.
Para verificar essa argumentação, Arretche examinou a legislação de interesse federativo do início da década de 1990 até a atualidade, a partir dos processos decisórios na Câmara dos Deputados e no Senado.
A análise demonstrou que a União tem ampla autoridade legislativa, podendo iniciar legislação em qualquer área de política, ao passo que estados e municípios têm sua autoridade legislativa bastante limitada.
“O governo central tem grande capacidade de impor restrições, tanto do ponto de vista de formulação e desenho das políticas públicas como da perspectiva da imposição de perdas fiscais aos governadores. Os governos estaduais não têm tanto poder assim, já que a federação pode interferir em qualquer nível de política”, disse Arretche.
De acordo com a pesquisadora, interesses regionais poderiam ter maior peso nas decisões tomadas em Brasília caso as bancadas estaduais no Congresso votassem de modo coeso, em defesa de interesses regionais. Mas não é o que ocorre na prática.
“As bancadas são divididas em termos partidários. A coalizão de sustentação do presidente dá apoio às iniciativas de coordenação federativa da União. Os parlamentares não votam de acordo com sua proveniência regional, mas de acordo com seu pertencimento a partidos políticos”, disse.
Níveis e dimensões
A segunda dimensão da pesquisa abordou o outro lado da questão: o governo central normatiza políticas que são executadas por estados e municípios. É comum que os governos subnacionais peçam a presença e a coordenação da união. Para avaliar esse aspecto, Arretche estudou as políticas e os gastos dos governos municipais em todas as áreas que afetam a provisão de serviços sociais aos cidadãos.
“Examinei iniciativas de coordenação que passam pelo governo do estado e pelo Senado e concluí que há um forte incentivo para que a União assuma a coordenação e execução de políticas de saúde básica, educação fundamental, coleta de lixo, transporte público e infraestrutura urbana. Nessas áreas, os municípios contam com recursos constitucionalmente transferidos pelo governo federal, sem necessidade de negociações políticas, nem de alinhamento partidário”, disse.
No entanto, o governo central tem recursos financeiros para incentivar que os governos locais se alinhem à agenda política federal. “O governo central acaba exercendo assim o papel de regulação das políticas executadas pelos governos municipais. Essa conclusão se opõe à interpretação tradicional sobre o federalismo brasileiro, de um governo federal enfraquecido pela descentralização”, disse.
Os resultados da pesquisa, segundo Arretche, mostram que o governo central não consegue ter um poder exacerbado, mas também não é paralisado, nem enfraquecido. A autora conclui que a União já é forte e não é preciso fazer nenhuma reformulação no arranjo federativo com o objetivo de fortalecê-la.
“A União é forte em sua capacidade de regular programas nacionais que são executados de modo descentralizado. Por outro lado, os governos subnacionais têm progressivamente fortalecida sua capacidade institucional de executar políticas. Cada nível de governo tem força em sua própria dimensão da produção de políticas públicas”, disse Arretche.
Democracia, Federalismo e Centralização no Brasil
Autor: Marta Arretche
Lançamento: 2012
Preço: R$ 40
Páginas: 232
Mais informações: www.fiocruz.br/editora
São Paulo - O sistema federativo brasileiro é bastante centralizado, mas permite que estados e municípios exerçam papéis importantes na execução de políticas públicas.
Essa é a principal conclusão do livro Democracia, Federalismo e Centralização no Brasil, de Marta Arretche, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) e diretora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da Fapesp.
Resultado de estudos realizados desde 2006 no CEM, o livro foi lançado no dia 1º de agosto, em Gramado (RS), durante o 8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP). A obra, publicada pela Editora Fiocruz e pela Editora FGV, da Fundação Getúlio Vargas, com apoio do CEM, também será lançada no Rio de Janeiro, no dia 8 de agosto, na Fundação Oswaldo Cruz.
De acordo com Arretche, quando a Constituição Federal foi promulgada, em 1988, predominava entre os especialistas a interpretação de que a federação brasileira, em contraste com a centralização da ditadura, fortaleceria a democracia com uma operação descentralizada das políticas públicas.
Mas já na década de 1990, segundo a pesquisadora, começaram a surgir fortes críticas ao arranjo descentralizado: exagerada, a autonomia de estados e municípios poderia se tornar um obstáculo à democracia, por dificultar ações unificadas, gerando desequilíbrio entre as esferas de governo.
“A contribuição do livro consiste em mostrar que temos uma longa tradição no Estado brasileiro – que remonta à década de 1930 – de concentração das decisões no governo central, mas ao mesmo tempo temos mecanismos capazes de moderar a sua influência, fazendo com que os estados e municípios sejam atores relevantes na execução de políticas públicas”, disse Arretche.
O livro aponta que o papel de coordenação e formulação das políticas fiscais pela União, assim como suas funções redistributivas que reduzem desigualdades entre estados e municípios, havia sido minimizado pelas interpretações que enfatizavam as características de descentralização da federação brasileira.
“O estudo mostra que os estados federativos não produzem necessariamente dispersão da autoridade política. Ao longo do século 20, a federação brasileira se tornou altamente integrada, ainda que cada nível de governo seja dotado de autoridade política própria. O processo de construção do estado nacional operou no sentido da centralização da autoridade política”, afirmou.
A pesquisa analisou duas dimensões: o poder de veto das unidades constituintes nas arenas decisórias centrais e a autonomia dos governos subnacionais para decidir sobre suas próprias políticas.
“Um dos principais argumentos usados para sustentar que a federação brasileira é efetivamente descentralizada defende que o poder de veto dos governadores é muito grande, o que faria com que o presidente tivesse que se subordinar aos governos estaduais a fim de aprovar legislações do seu interesse”, disse Arretche.
Para verificar essa argumentação, Arretche examinou a legislação de interesse federativo do início da década de 1990 até a atualidade, a partir dos processos decisórios na Câmara dos Deputados e no Senado.
A análise demonstrou que a União tem ampla autoridade legislativa, podendo iniciar legislação em qualquer área de política, ao passo que estados e municípios têm sua autoridade legislativa bastante limitada.
“O governo central tem grande capacidade de impor restrições, tanto do ponto de vista de formulação e desenho das políticas públicas como da perspectiva da imposição de perdas fiscais aos governadores. Os governos estaduais não têm tanto poder assim, já que a federação pode interferir em qualquer nível de política”, disse Arretche.
De acordo com a pesquisadora, interesses regionais poderiam ter maior peso nas decisões tomadas em Brasília caso as bancadas estaduais no Congresso votassem de modo coeso, em defesa de interesses regionais. Mas não é o que ocorre na prática.
“As bancadas são divididas em termos partidários. A coalizão de sustentação do presidente dá apoio às iniciativas de coordenação federativa da União. Os parlamentares não votam de acordo com sua proveniência regional, mas de acordo com seu pertencimento a partidos políticos”, disse.
Níveis e dimensões
A segunda dimensão da pesquisa abordou o outro lado da questão: o governo central normatiza políticas que são executadas por estados e municípios. É comum que os governos subnacionais peçam a presença e a coordenação da união. Para avaliar esse aspecto, Arretche estudou as políticas e os gastos dos governos municipais em todas as áreas que afetam a provisão de serviços sociais aos cidadãos.
“Examinei iniciativas de coordenação que passam pelo governo do estado e pelo Senado e concluí que há um forte incentivo para que a União assuma a coordenação e execução de políticas de saúde básica, educação fundamental, coleta de lixo, transporte público e infraestrutura urbana. Nessas áreas, os municípios contam com recursos constitucionalmente transferidos pelo governo federal, sem necessidade de negociações políticas, nem de alinhamento partidário”, disse.
No entanto, o governo central tem recursos financeiros para incentivar que os governos locais se alinhem à agenda política federal. “O governo central acaba exercendo assim o papel de regulação das políticas executadas pelos governos municipais. Essa conclusão se opõe à interpretação tradicional sobre o federalismo brasileiro, de um governo federal enfraquecido pela descentralização”, disse.
Os resultados da pesquisa, segundo Arretche, mostram que o governo central não consegue ter um poder exacerbado, mas também não é paralisado, nem enfraquecido. A autora conclui que a União já é forte e não é preciso fazer nenhuma reformulação no arranjo federativo com o objetivo de fortalecê-la.
“A União é forte em sua capacidade de regular programas nacionais que são executados de modo descentralizado. Por outro lado, os governos subnacionais têm progressivamente fortalecida sua capacidade institucional de executar políticas. Cada nível de governo tem força em sua própria dimensão da produção de políticas públicas”, disse Arretche.
Democracia, Federalismo e Centralização no Brasil
Autor: Marta Arretche
Lançamento: 2012
Preço: R$ 40
Páginas: 232
Mais informações: www.fiocruz.br/editora