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Intestino é nosso segundo cérebro? Médico explica relação

Explicação traz conceitos da endocrinologia, gastroenterologia, nutrologia, medicina tradicional chinesa, ayurveda e antroposofia

Relação entre intestino e o cérebro propiciou uma das áreas de pesquisa mais ricas e férteis da ciência médica (Fernando Moraes/Reprodução)

Relação entre intestino e o cérebro propiciou uma das áreas de pesquisa mais ricas e férteis da ciência médica (Fernando Moraes/Reprodução)

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Da Redação

Publicado em 22 de julho de 2022 às 09h00.

Última atualização em 22 de julho de 2022 às 09h49.

Por Theo Webert*

Como médico e curioso por natureza, minha mente muitas vezes se torna inquieta, sedenta por um assunto, principalmente quando ele é pouco entendido, mas muito difundido e banalizado. Eu me pego a questionar se as pessoas estão confundindo informação com conhecimento e conhecimento com sabedoria. Estamos olhando para a árvore, e não mais para a floresta.

O problema é que muitos médicos estão se concentrando cada vez mais nos incômodos, nos sintomas, na doença já estabelecida,e não estão parando para prestar atenção em que muitas vezes o problema não nasce onde ele se apresenta.

Mas nem sempre foi assim. Em 2018, o historiador Ian Miller* observou que médicos do século XVIII e XIX trabalhavam com o conceito de que todos os sistemas do organismo estão conectados. É por isso que falavam
de uma “simpatia nervosa “ entre os diversos órgãos do corpo.

No final do século XIX porém, os médicos mudaram o ponto de vista. À medida que a medicina foi se especializando, perdeu-se a percepção do problema mais amplo e passou-se a investigar apenas órgãos isolados para determinar aquilo que estava errado e necessitava de intervenção.

Evidentemente os médicos tinham ciência de que um câncer pode se espalhar de um órgão para outro e que
condições autoimunes, como o lúpus eritematoso sistêmico, podem afetar múltiplos órgãos. Mas eles não perceberam que mesmo órgãos aparentemente muito diferentes um do outro poderiam influenciar de forma
mútua um diagnóstico. Simbolicamente falando, uma doença pode vir de muito, muito longe!

Para agravar o problema, ao invés de colaborarem com o trabalho, médicos, anatomistas, fisiologistas,
cirurgiões e psicólogos competiam entre si. Nas palavras de um médico britânico em 1956, “tamanho é o
ruído dos competidores pela cura, que o paciente verdadeiramente em busca de conhecimento, é mais
ensurdecido que elucidado".

Essa atitude infelizmente prevalece até hoje na Medicina. Por isso tanta gente ignora o fato de que, quando se trata de saúde nutricional, a origem do problema não reside apenas na alimentação. É, em vez disso, um sinal de que algo fugiu do controle com uma ou mais conexões do corpo.

Tendo consciência da realidade dessas conexões sabe-se por exemplo que:

  • A depressão pode afetar o coração.
  • Patologias da glândula adrenal podem induzir ao pânico.
  • A COVID pode afetar desde sua respiração aos descompasso dos pensamentos e emoções, causando crises de ansiedade, por exemplo.
  • Infeções que disparam pela corrente sanguínea podem dar a impressão de descontrole emocional.

Alterações sutis em partes distantes do corpo também podem mexer com o cérebro, com as emoções e
pensamentos. A mais intrínseca dessas alterações é entre o cérebro e o intestino. Séculos atrás, Hipócrates, o pai da
medicina moderna, reconheceu esse elo e advertiu que “uma má digestão é a fonte de todo mal" e que “ a
morte mora no intestino". Só agora estamos descobrindo ou dando a devida atenção e importância do
quanto ele tinha razão.

Embora ainda estejamos no limiar dessas descobertas, nos últimos anos a relação entre intestino e o cérebro propiciou uma das áreas de pesquisa mais ricas e férteis da ciência médica, e a fascinante base para uma Medicina muito mais integrada e focada na busca da causa raiz das questões abordadas.

Não precisamos de estudos recentes,embora existam,para comprovar a máxima “ o intestino é o segundo
cérebro", basta lembrarmos da embriologia e pensar que nossos diversos órgãos partiram de um óvulo
fertilizado. Na verdade, o sistema nervoso central, composto do cérebro e da medula espinhal, é formado por
células especiais conhecidas como “ células da crista neural".

Essas células migram por todo o embrião em desenvolvimento, formando também o sistema nervoso entérico do intestino. Esse sistema nervoso entérico contém entre 100 a 500 milhões de neurônios, a mais vasta coleção de células nervosas do corpo. Por isso que algumas pessoas chamam o intestino de segundo cérebro. E é por isso que o intestino e o cérebro se influenciam mutuamente de maneira tão profunda.

Muitos estudos mostram essa íntima relação entre intestino e cérebro, tudo isso se dando através de substâncias químicas, como a própria serotonina, que tem 90% dos seus receptores no intestino. Na verdade, alguns cientistas afirmam que a deficiência de serotonina no cérebro é fortemente afetada pelo intestino. Quando essa comunicação não é harmônica, existe um ‘’caos químico‘’ que pode desencadear sintomas psiquiátricos desde a depressão, a ansiedade e a perda de libido e até condições arrasadoras como esquizofrenia e o transtorno bipolar.

Se levarmos esses estudos para um viés psicossomático ou até mesmo de auto conhecimento, os sintomas intestinais retratam e tratam o hábito de conter o que se tem a oferecer (intestino preso); de deixar ir o que ainda é necessário, com desapego forçado (diarreia com dor); de controlar a expressão autêntica das emoções (gases), entre outras manifestações relacionadas às funções do autopreenchimento, da apropriação de si e do exercício do que a si compete.

Os intestinos ensinam que mais importante que possuir é saber usufruir, que oferecer é tão vital quanto conquistar e que a única apropriação verdadeira é a posse de si mesmo. No movimento de preencher-se e esvaziar-se, eles possibilitam a cada indivíduo conhecer-se, construir-se, exercer-se, aprimorar-se e oferecer-se, garantindo o peristaltismo saudável dos comportamentos e das emoções.

É nessa busca que sigo, médico, eterno estudante, sedento por conhecimentos que façam sentido frente a uma realidade de prevenção. Busco sempre entender e respeitar as histórias pessoais, e não apenas um número vindo de exames. Não podemos nos limitar, precisamos desenvolver ainda mais nossa capacidade de ouvir, sentir e intuir. Sabedoria e conhecimento a fim de nos aproximarmos de um entendimento maior, e isso vai muito além.

*Médico formado pela Universidade Potiguar, Natal/RN, aprofundou-se nos estudos de áreas da medicina voltadas à visão do ser humano de maneira integral, baseadas na medicina tradicional chinesa e com o entendimento de que a alimentação muitas vezes está intrinsicamente relacionada com a saúde ou a falta dela. Realizou diversas especializações, inclusive internacionais, especialmente nos EUA (A4M, IFM ), sendo membro de sociedades voltadas ao estudo com esse foco.

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