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Flip: "fala-se de ditadura porque a polícia ainda mata e tortura"

O escritor Marcelo Rubens Paiva e o engenheiro Ivo Herzog defenderam a educação em direitos humanos e o exercício da memória sobre os momentos de chumbo da ditadura

Flip 2014

Flip 2014

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Da Redação

Publicado em 3 de agosto de 2014 às 08h24.

O escritor Marcelo Rubens Paiva e o engenheiro Ivo Herzog defenderam, durante a Feira Literária Internacional de Paraty (Flip), a educação em direitos humanos e o exercício da memória sobre os momentos de chumbo da ditadura brasileira para que nenhum filho perca o pai prematuramente vítima da violência no país.

"Essa não é uma conversa do passado, porque a polícia continua matando e torturando", disse Ivo. "Precisamos que haja a revisão da Lei de Anistia para acabar com o DNA de impunidade da polícia. Seis jornalistas já foram assassinados no Brasil somente neste ano e o Brasil é o quarto país em que mais se mata jornalistas".

Para Marcelo Rubens Paiva, a ignorância de jovens e de confusão evidenciada nas redes sociais em relação à ditadura mostra que a divulgação sobre o que ocorreu nesse período deve ser intensa e contínua. "Vemos jovens pedindo a volta da ditadura. Precisamos urgentemente repensar esse material didático que está sendo ensinado", disse.

Marcelo fez uma analogia à morte do pai com a do assistente de pedreiro Amarildo, desaparecido desde julho do ano passado após ser levado de casa por policiais militares na Rocinha, favela da zona sul do Rio de Janeiro. "Amarildo tinha cinco filhos, meu pai tinha cinco filhos, Amarildo foi levado de casa, meu pai também. O corpo do Amarildo foi levado de madrugada por uma viatura militar, assim como meu pais. Meu pai não tinha nenhuma acusação contra ele e o Amarildo também não. A morte dele foi determinada por um major, assim como o meu. O Brasil continua o mesmo", disse Marcelo.

Marcelo Rubens Paiva e Ivo Herzog participaram ontem (1º) da mesa "Em Nome do Pai" no circuito alternativo da Flip e que reuniu os filhos de duas vítimas célebres da ditadura, Rubens Paiva e Vladimir Herzog. O mediador foi Zuenir Ventura.

"Temos no nosso DNA a responsabilidade de estar sempre lembrando o que foi a ditadura," declarou Marcelo, que tinha 11 anos quando o pai, Rubens Paiva, deputado cassado pela ditadura, foi levado pela polícia de sua casa no Leblon, zona sul do Rio, em 1971. "Meu pai recebeu um telefonema e em meia hora invadiram nossa casa com metralhadoras. Acharam que era um aparelho [de resistência à ditadura] e descobriram que era uma casa de classe média com pais, cinco filhos e uma babá. Meu pai foi levado e militares ficaram na casa e quem chegava era preso. O namoradinho de uma irmã que tinha 15 anos foi preso, um amigo que foi fazer trabalho de grupo com minha outra irmã foi preso".

Rubens Paiva foi levado para o Batalhão da Polícia do Exército na Tijuca, zona norte, onde foi torturado. No dia seguinte a mãe e a irmã mais velha de Marcelo foram presas e levadas também para o mesmo local. Rubens Paiva morreu um dia depois de preso, devido às torturas, segundo relatos que chegaram à família anos depois.

Ivo tinha 9 anos quando o jornalista Vladmir Herzog foi prestar depoimento à polícia e nunca mais voltou. Eles iam viajar para o sítio da família no interior de São Paulo quando souberam da prisão. O filho foi informado do falso suicídio de Herzog no dia seguinte.

"A grande lembrança que fica é esse processo de invasão, muita gente, muita tensão", disse o filho de Herzog ao confessar que até recentemente tinha dificuldade de lidar com perguntas e referências ao pai. "Nunca soube direito como reagir quando me perguntavam se era filho do Herzog com admiração. Preferia que não me reconhecessem. Como podia achar legar que ele estivesse sido morto?", disse.

Marcelo contou que somente depois de dois anos do desaparecimento do pai, a mãe passou a dormir em cama de viúva (cama de solteiro com medidas maiores) e somente três anos depois as roupas do deputado foram doadas. "A morte veio aos poucos", disse o escritor. O desaparecimento do pai resultou em vários tormentos e dificuldades para a família.

"Naquela época ninguém entendia como poderia haver um desaparecido político no Brasil. No banco pediam a assinatura do meu pai", disse Marcelo. "Quando me alistei, um militar perguntou se meu pai estava vivo ou morto. Fiz uma provocação e disse a ele que perguntasse ao comandante dele que deveria saber melhor do que eu".

A família foi molestada mais de uma vez com a promessa de ver Rubens Paiva com vida. "Meu avô foi achacado por um oficial das forças armadas", disse. "Isso era muito comum. Muitas famílias sofreram esse tipo de achaque". Para Marcelo e Ivo, os verdadeiros mártires foram as mães que lutaram pela democracia e justiça no país, apesar da repressão e das ameaças.

Ivo contou que conseguiu superar sua tragédia pessoal depois de criar o Instituto Vladmir Herzog há cinco anos. "Foi quando pude falar do meu pai de uma maneira construtivista. Dentro de um contexto de educação e criação", informou. O instituto organiza o material jornalístico sobre a história de Vladimir, promove debates sobre o papel do jornalista, discute sobre as novas mídias e a curadoria do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos.

Para Ivo, a criação de um memorial no Parque Ibirapuera, no mês que vem, com o nome dos mortos da ditadura deveria se proliferar pelo país. "Para que as pessoas passem, as crianças perguntem por que aqueles nomes estão lá. Os pais têm que contar as histórias feias para que elas não voltem a acontecer", disse.

Editor Fábio Massalli

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