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IMS mostra Fellini cineasta e desenhista

Evento do Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro reúne extenso material sobre o cineasta

Aconselhado por um analista, Fellini desenhava e descrevia os sonhos ao acordar (Creative Commons/Creative Commons)
DR

Da Redação

Publicado em 12 de março de 2012 às 14h56.

São Paulo - "Deixei de fazer coisas importantes na minha vida”, disse uma vez Federico Fellini, “porque andava sempre muito ocupado.” Se, depois de tudo o que fez, o cineasta italiano (1920-1993) ainda deixou de realizar coisas importantes, só nos resta passear pela mostra Tutto Fellini, montada no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro, para sentir que o grande mestre devia estar brincando.

A seleção inclui 400 itens. Caricaturas, cartazes, revistas com reportagens dos paparazzi da época da “dolce vita”, trechos de filme, fotos de bastidores das produções, rascunhos de roteiros. Imagens dos artistas que viraram símbolos da obra felliniana: Anita Eckberg, a Anitona, fêmea-padrão da fantasia do diretor, de seios enormes e nádegas proeminentes; Marcello Mastroianni, o alter ego; Giuletta Masina, a mulher, marcada pela figura triste de Gelsomina. E a vida frenética da Via Veneto dos anos 60, a sátira dos religiosos, a crítica à ditadura de Mussolini, a angústia dos intelectuais, e os sonhos, ah, os sonhos.

As imagens mais belas da exposição são os sonhos. Aconselhado por um analista, Fellini desenhava e descrevia os sonhos ao acordar. Os desenhos desta página e das que se seguem revelam alguns deles. “Quando estava com 6, 7 anos, eu tinha certeza de que existiam duas vidas”, disse o cineasta numa entrevista. “Uma vida com os olhos abertos, outra com os olhos fechados.”

Era tal a sofisticação do sistema onírico do jovem Federico que ele havia batizado os quatro cantos da cama com os nomes dos cinemas de Rimini, cidade onde nasceu: Fulgor, Savoia, Opera Nazionale Balilla e Sultano. “O espetáculo começava quando eu fechava os olhos.” Uma escuridão que se transformava numa galáxia, luzes coloridas que mudavam de ângulo, fazendo com que o espetáculo passasse de uma sala virtual de cinema para outra, alternando os quatro cantos da cama.


Fellini adulto registrou sonhos durante 22 anos, a partir de 1960. Tinha um caderno na mesa de cabeceira, encapado com couro, páginas de papel de desenho. Eram o que veio a se chamar “livros dos sonhos”. Fala-se que chegou a fazer quatro volumes e que dois desapareceram. Os dois que sobreviveram foram juntados na obra Il Libro dei Sogni, editado pela Rizzoli, já traduzido para o inglês, um livrão de quase 600 páginas, para alegria e gozo dos fellinólogos.

A intimidade de Fellini com o desenho veio desde cedo. Começou ganhando a vida como caricaturista. No fim da Segunda Guerra Mundial, abriu com alguns amigos uma lojinha para fazer caricaturas dos passantes, a maioria soldados norte-americanos. Daí o nome do negócio ser em inglês: The Funny Face Shop.

Nos desenhos dos sonhos, um personagem é recorrente: o mulherão que domina a cena. O próprio diretor também é personagem frequente. Às vezes, pequeno subjugado; outras, comandando a ação. E suas anotações, numa letrinha miúda, difícil de ler, não só descrevem o que acontece no desenho, mas ensaiam explicações psicanalíticas motivadas pela razão que levou o autor aos registros.

Muitas dessas imagens foram parar em filmes, não exatamente iguais, mas inspirando a identidade cinematográfica que Fellini construiu em sua obra. Filmes feitos de cenas de pura fantasia onírica e de momentos de uma realidade dura, em que a pureza da vida não tem força para atrair o herói perdido na dissipação, como no fim de La Dolce Vita.

A exposição Tutto Fellini está longe de ser tudo sobre o mestre. Mas é um bom trailer do que ele fez, enquanto andava muito ocupado. “Tivesse tido tempo para fazer coisas importantes”, como ironizou antes de morrer, a vida não seria nunca um filme. Seria sempre um trailer.

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São Paulo - "Deixei de fazer coisas importantes na minha vida”, disse uma vez Federico Fellini, “porque andava sempre muito ocupado.” Se, depois de tudo o que fez, o cineasta italiano (1920-1993) ainda deixou de realizar coisas importantes, só nos resta passear pela mostra Tutto Fellini, montada no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro, para sentir que o grande mestre devia estar brincando.

A seleção inclui 400 itens. Caricaturas, cartazes, revistas com reportagens dos paparazzi da época da “dolce vita”, trechos de filme, fotos de bastidores das produções, rascunhos de roteiros. Imagens dos artistas que viraram símbolos da obra felliniana: Anita Eckberg, a Anitona, fêmea-padrão da fantasia do diretor, de seios enormes e nádegas proeminentes; Marcello Mastroianni, o alter ego; Giuletta Masina, a mulher, marcada pela figura triste de Gelsomina. E a vida frenética da Via Veneto dos anos 60, a sátira dos religiosos, a crítica à ditadura de Mussolini, a angústia dos intelectuais, e os sonhos, ah, os sonhos.

As imagens mais belas da exposição são os sonhos. Aconselhado por um analista, Fellini desenhava e descrevia os sonhos ao acordar. Os desenhos desta página e das que se seguem revelam alguns deles. “Quando estava com 6, 7 anos, eu tinha certeza de que existiam duas vidas”, disse o cineasta numa entrevista. “Uma vida com os olhos abertos, outra com os olhos fechados.”

Era tal a sofisticação do sistema onírico do jovem Federico que ele havia batizado os quatro cantos da cama com os nomes dos cinemas de Rimini, cidade onde nasceu: Fulgor, Savoia, Opera Nazionale Balilla e Sultano. “O espetáculo começava quando eu fechava os olhos.” Uma escuridão que se transformava numa galáxia, luzes coloridas que mudavam de ângulo, fazendo com que o espetáculo passasse de uma sala virtual de cinema para outra, alternando os quatro cantos da cama.


Fellini adulto registrou sonhos durante 22 anos, a partir de 1960. Tinha um caderno na mesa de cabeceira, encapado com couro, páginas de papel de desenho. Eram o que veio a se chamar “livros dos sonhos”. Fala-se que chegou a fazer quatro volumes e que dois desapareceram. Os dois que sobreviveram foram juntados na obra Il Libro dei Sogni, editado pela Rizzoli, já traduzido para o inglês, um livrão de quase 600 páginas, para alegria e gozo dos fellinólogos.

A intimidade de Fellini com o desenho veio desde cedo. Começou ganhando a vida como caricaturista. No fim da Segunda Guerra Mundial, abriu com alguns amigos uma lojinha para fazer caricaturas dos passantes, a maioria soldados norte-americanos. Daí o nome do negócio ser em inglês: The Funny Face Shop.

Nos desenhos dos sonhos, um personagem é recorrente: o mulherão que domina a cena. O próprio diretor também é personagem frequente. Às vezes, pequeno subjugado; outras, comandando a ação. E suas anotações, numa letrinha miúda, difícil de ler, não só descrevem o que acontece no desenho, mas ensaiam explicações psicanalíticas motivadas pela razão que levou o autor aos registros.

Muitas dessas imagens foram parar em filmes, não exatamente iguais, mas inspirando a identidade cinematográfica que Fellini construiu em sua obra. Filmes feitos de cenas de pura fantasia onírica e de momentos de uma realidade dura, em que a pureza da vida não tem força para atrair o herói perdido na dissipação, como no fim de La Dolce Vita.

A exposição Tutto Fellini está longe de ser tudo sobre o mestre. Mas é um bom trailer do que ele fez, enquanto andava muito ocupado. “Tivesse tido tempo para fazer coisas importantes”, como ironizou antes de morrer, a vida não seria nunca um filme. Seria sempre um trailer.

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