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Duas divas, duas músicas

Gaby Amarantos, a musa pop apelidada de Beyoncé do Pará, e a soprano Adriane Queiroz, que encanta plateias em vários continentes, são exemplos da diversidade musical existente em cada esquina de Belém

O novo disco de  G aby Amarantos deve ser lançado em janeiro de 2012 (Aldridge Neto/Divulgação)

O novo disco de G aby Amarantos deve ser lançado em janeiro de 2012 (Aldridge Neto/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 6 de janeiro de 2012 às 15h03.

As duas são negras (ou morenas, como se diz em Belém do Pará) e nasceram em bairros conhecidos por carregar a pecha da violência, marcados pela marginalização mas, por outro lado, riquíssimos em cultura popular. As semelhanças terminam aí. Gaby Amarantos é a diva do tecnobrega e está prestes a se tornar um dos nomes quentes da música pop brasileira. Adriane Queiroz já se consagrou como estrela dos palcos de ópera mais respeitados do globo. Conheça a biografia de uma e de outra.

A cintilante Gaby

A página online da cantora tem o rosa como cor predominante. É também a tonalidade pink que sobressai no aparelho celular conectado a cada cinco minutos em uma rede social. A cor alegre talvez reflita o momento vivido pela musa do ritmo conhecido como tecnobrega e que foi alçada como uma espécie de “bola da vez” da indústria pop brasileira. Nelson Motta teceu loas a ela e à chamada “nova música paraense”.

Três dias depois de uma participação no show da cantora Tulipa Ruiz em Belém, Gaby está sob os cuidados de uma equipe que a trata como rainha num salão de beleza de classe média alta, no centro da capital paraense. As atenções maiores são para os cabelos. As mechas alouradas permanecerão no visual da cantora negra, fanática por Clara Nunes e que descobriu recentemente o trash metal. “Cara, tô adorando Pantera e Slayer”, diz, abrindo o sorriso de dentes perfeitos.

Gaby vive um momento especial. O clipe Xirley Xarque tem obtido excelente repercussão na internet. É a história de uma manicure que sonha em ser cantora de sucesso. Para isso, pirateia a si própria até conseguir a fama. “É um processo semelhante ao que vivo”, admite Gaby. “Sou uma pessoa da periferia.”

Quem assiste ao clipe se depara com a imagem de Nossa Senhora de Nazaré, da qual Gaby é devota. A dedicação católica, por sinal, está na origem de sua carreira. A primeira vez que cantou foi em um concurso de calouros na Paróquia de Santa Teresinha, no bairro do Jurunas, onde nasceu. Na mesma noite foi convidada a fazer parte do ministério de música da igreja. Gente acorria para ouvir a palavra de Deus, ou melhor, para ouvir o canto de uma de suas filhas. O sucesso clerical não agradou a um dos coordenadores do grupo e Gaby foi afastada.


Das mágoas afogadas com sorvete na esquina, surgiu um convite para uma pequena canja com uns músicos amigos. Cantou Bethânia e Marisa Monte. A última música foi um brega. Sucesso na pista de salão improvisado. Nascia a primeira banda, Chibantes. Nos palcos de bares interpretava MPB tradicional. Mas de vez em quando incluía flash-bregas, canções antigas do repertório brega dos anos 1970 e 1980. Não demorou para inserir batidas eletrônicas. Surgiria outra banda, Tecnoshow. Gaby fez bailes de formatura, cantou em grupos de carimbó, arriscou-se em bandinhas de rock, axé e até como puxadora de escola de samba. “Eu venho do Jurunas, um bairro periférico de Belém, onde se ouve tudo”, explica. “Foi isso que me deu tanta diversidade.”

A confiança atual tem a ver com a evolução musical. O disco que deve chegar ao mercado em janeiro de 2012 teve a produção de Carlos Eduardo Miranda, nome que há muitos anos é grife na música pop. Além disso, a banda foi encorpada com músicos que faziam parte do La Pupuña, grupo cultuado em Belém pela mistura de ritmos. Aos 33 anos, 15 de carreira, Gaby vê sua música tocada por DJs na Europa e multiplicam-se os convites para participar de festivais.

Parcerias como a realizada com Fernanda Takai, do grupo pop mineiro Pato Fu, para o novo disco, se tornam comuns. O cantor baiano Carlinhos Brown já acenou com a possibilidade de um trabalho juntos. Nada mal para quem já cantou até em prostíbulos. “O que eu quero agora é continuar quebrando paradigmas, vencendo preconceitos. Se acharam Xirley bacana, aguardem então o resto do disco.” Recado dado.

Adriane: a soprano tardia

A Rua Lauro Sodré é uma das mais movimentadas no populoso bairro da Terra Firme, na periferia de Belém. Ali convivem os principais grupos de cordões, pássaros e quadrilhas juninas da cidade e alguns dos mais representativos nomes do hip hop paraense. O que poucos esperavam é que daquela rua estreita surgisse uma das grandes sopranos da atualidade. “Foi um longo caminho”, conta Adriane Queiroz, 38 anos, da Alemanha, onde vive atualmente com a família. “Esse caminho teve início nos anos 1990, logo depois do nascimento de meu filho.” Na época ela fazia teatro e cantava esporadicamente em algumas peças. E mesmo que sua voz já encantasse pequenas plateias, a ópera não estava nos planos.

Tudo aconteceu meio que por acaso, quando começou a trabalhar como pedagoga. “Percebi que o trabalho com crianças recebia uma grande luz ao utilizarmos a música no currículo. Foi isso que me fez buscar, mesmo com alta idade, uma escola de música na cidade.” Adriane já havia passado dos 20 anos quando procurou a professora Marina Monarcha. “Foi ela quem fez com que eu me apaixonasse pelo canto lírico.”

Em 1995, conheceu o professor e pianista Paulo José Campos de Melo, diretor da Fundação Carlos Gomes, que mudaria o seu destino. “Considero-o o meu descobridor musical em Belém, pois foi a pessoa que me ajudou a chegar à Europa”, diz. “O timbre dela me chamou a atenção”, explica Campos de Melo. “Eu trouxe um dos grandes tenores do bel canto, o dinamarquês Peter Gronlund, para um masterclass em Belém. Quando terminou, ele destacou três alunos. Um deles era a Adriane Queiroz.” O que impressionava era algo que os especialistas chamam de coloração de voz. Adriane é soprano, mas com uma coloração de voz que eles classificam de rosa, ou seja, mais límpida e que permite improvisações com mais facilidade.


Para conseguir uma bolsa de estudos em Viena, na Áustria, a soprano precisou enfrentar testes bastante difíceis. “Fiz um dos vestibulares mais complicados musicalmente, competindo com pessoas muito mais jovens do que eu e preparadas desde a infância”, recorda.

Num dos primeiros exames, aos 23 anos de idade, quase refugou. Achava que não passaria. Campos de Melo foi taxativo: “Eu conheço esse mundo. Tu vais cantar e, quando tu acabares, vais ser disputada”. Não deu outra. Adriane foi aceita tanto para a Escola de Oratória (para música sacra) do Conservatório de Viena como para a Escola de Ópera da Escola Superior de Música de Viena, algo raro. “A partir daí, minha segurança aumentou e tentei, durante os quatro anos de estudo na Escola Superior de Música, várias audições para casas de ópera, onde pudesse trabalhar.”

Em 2002, foi escalada para a Staatsoper, uma das principais de Berlim. “Trabalhei com grandes estrelas, como Plácido Domingo, Daniel Barenboim e Kent Nagano, entre regentes famosos e cantores com muita experiência. Aprendo até hoje que o caminho do canto é algo que não tem fim, sempre se renova”, afirma a soprano, que atualmente serve de exemplo para a nova geração. “A Adriane nos inspira a estudar mais. Ela começou tarde, como eu. É nela que me espelho”, contou Ilka Rodrigues Farias, 21 anos, numa manhã quente de outubro, enquanto subia as escadas do conservatório Carlos Gomes. Ia buscar o certificado de uma oficina de canto ministrada na cidade por Adriane Queiroz em agosto deste ano.

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