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Com Lula, açaí deixa a tigela e ganha a taça na COP30

A Casual EXAME foi atrás dos produtores e especialistas para entender a cadeira a produção do vinho de açaí e sua aceitação no mercado

Vinho de açaí: um mercado em expansão? (Mensent Photography/Getty Images)

Vinho de açaí: um mercado em expansão? (Mensent Photography/Getty Images)

Luiza Vilela
Luiza Vilela

Repórter de Casual

Publicado em 11 de novembro de 2025 às 07h01.

Última atualização em 13 de novembro de 2025 às 12h50.

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*A 30ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP30) começou oficialmente nesta segunda-feira, 10, em Belém do Pará. Dias antes, no entanto, os eventos preparatórios já adiantavam parte das discussões, desta vez com um detalhe diferente: durante as reuniões, almoços e jantares, no lugar do tradicional vinho tinto de uva, a bebida servida foi vinho de açaí.

Extraída pela fermentação da fruta que é a cara do Brasil, o "açaí tinto" — o nome dado a esse tipo de bebida, já que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) só considera vinhos as bebidas fermentadas de uva — foi uma escolha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para homenagear a produção local e os produtos amazônicos.

Logo nos primeiros dias em Belém, já era possível provar a iguaria durante as refeições do evento. O sabor, disseram repórteres da EXAME que estão na COP30, não é doce e sim bastante seco. A textura lembra o vinho comum, assim como a cor. Mas o conjunto da obra, apesar de interessante e novo, acaba sendo bem diferente do vinho tradicional de uva.

"São produtos novos que, até o momento, ocupam mais um lugar de curiosidade do que efetivamente à mesa", diz Diego Arrebola, sommelier ASI e consultor na EntreCopos.

Três vezes vencedor do Concurso Brasileiro de Sommeliers, Arrebola provou duas garrafas distintas, uma do Acre e outra do Pará, diferentes das que estão na COP30. Ele acredita que o mercado ainda dará mais espaço à bebida ao longo dos anos, e vê a escolha de Lula como conceitualmente válida, muito embora pense que o açaí tinto poderia fazer parte de uma seleção mais ampla de vinhos e outras bebidas brasileiras.

"É um produto nascente, mas pode trazer um potencial novo uso do açaí para as comunidades que vivem a partir desse alimento e, com o vinho, vão rentabilizar mais a sua produção."

Rótulos de Açaí Tinto vendidos pela Flor de Samaúma (Flor de Samaúma/ Divulgação)

Do açaí para a taça de vinho

Na COP30, alguns rótulos do vinho de açaí foram escolhidos para eventos importantes da conferência. O primeiro é o da Florisa Vinhos, com açaí proveniente de diferentes regiões do estado do Acre, com processo de vinificação nativo da Floresta Amazônica. O projeto foi concebido em 2020 em Rio Branco, capital do estado.

O segundo vem da Flor de Samaúma, que atua no mercado desde 2023 com os frutos vindos do Amapá, colhido das reservas naturais da APA do Curiaú e do arquipélago do Bailique. A bebida está integrada a um projeto de ecoturismo e bioeconomia, que nasceu fruto de uma curiosidade do CEO da empresa, João Capiberibe. 

"Alguns anos atrás, eu recebi uma garrafa de presente e aquilo abriu minha percepção. Eu já tinha um contato forte com vinhos após morar no Chile, e então comecei a produzir no Amapá", conta ele em entrevista à Casual EXAME. "Achei muito surpreendente, porque o vinho de açaí tem um pH muito semelhante a uma variedade de vinhos de uva. E a composição físico-química, assim como a cor, também são incrivelmente parecidas."

Foi Capiberibe o responsável por enviar a bebida à Embrapa, onde foi feito um estudo para averiguar a venda do produto. Na primeira prova do órgão, feita com 50 provadores, o vinho de açaí recebeu 74% de aprovação — o nível mínimo de aceitação para ser lançado no mercado é de 70%. Apenas 12% perceberam o aroma característico da fruta.

A produção da bebida é quase idêntica ao vinho tinto, com duas exceções: o açaí tem menos açúcar e água do que a uva. "Adicionamos esses dois ingredientes para criar o mosto que será fermentado para ser tornar vinho. O açúcar é adicionado somente antes da fermentação, pois é necessário para a levedura transformá-lo em álcool", conta Marcos Vieira, produtor da Florisa Vinhos.

Concluída essa etapa, o resto da produção é idêntico ao feito com vinhos: é possível escolher o material dos barris, o engarrafamento e os demais detalhes. "Quanto mais limpo, bem trabalhado e higiênico, melhor o resultado que o produtor vai obter", acrescenta o sommelier Arrebola.

O açaí tinto tem teor alcoólico que varia entre 9% a 12%. A depender da quantidade de açúcar e água adicionados pode ser mais ou menos seco.

Açaí tinto da Florisa, no mercado desde 2020 (Florisa/ Divulgação)

E tem mercado?

Hoje a Flor de Samaúma trabalha com quatro rótulos diferentes de vinho de açaí. Já a Florisa comercializa dois e também trabalha com um licor da bebida, feito com destilado de cana-de-açúcar e cumaru, a baunilha amazônica. O preço varia entre R$ 78 e R$ 115 por garrafa.

Para ambos os produtores, o mercado que ainda é enxuto para uma bebida que ainda engatinha na Amazônia e fora dela ganhou uma nova abertura na COP30. As duas "açainículas" trabalham com uma margem pequena ao ano, mais voltada para valorização do uso do açaí amazônico, suas inúmeras possibilidades e capacidade de fortalecimento da economia local.

Christianne Rosas, que representa e distribui os vinhos da Florisa no Pará, vê na escolha de Lula uma valorização amazônica importante para o desenvolvimento econômico da região. "Com a escolha do presidente para a COP, há mais visibilidade para os projetos de pequenos produtores. Ninguém vem do seu país para beber seus próprios vinhos no meio da Amazônia, as pessoas vêm para cá para ter experiências próprias daqui, com a gastronomia e cultura locais", diz ela.

No teste da Embrapa, 56% dos consumidores expressaram que possivelmente ou certamente comprariam o produto. 

"É um produto novo no mercado, ainda em desenvolvimento de marca e consolidação no mundo da gastronomia", explica Lucas Azulay, empresário, enólogo e gerente comercial na Azulay Vinhos, que trabalhou com garrafas da Florisa em alguns eventos da COP30. "Mas chegou forte na COP e com boas perspectivas para o futuro."

A distribuição, por ora, é feita com foco principal em bares e restaurantes locais. Algumas garrafas acabam chegando a outros estados do Brasil, mas ainda circulam mais no campo da curiosidade do que na apreciação como bebida alcoólica de grande prestígio. Espaço para crescimento, ainda mais após a COP, há de sobra.

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