Cidadãos têm a obrigação de resistir às ditaduras, diz Wagner Moura
Diretor estreia o filme "Marighella", sobre membro do Partido Comunista, no festival de Berlim
AFP
Publicado em 15 de fevereiro de 2019 às 15h48.
Última atualização em 15 de fevereiro de 2019 às 15h50.
"Um dos primeiros produtos culturais abertamente contrários ao que o Bolsonaro representa". É assim que Wagner Moura definiu seu filme de estreia, "Marighella", selecionado na Berlinale, que ele espera que seja lançado no Brasil "o quanto antes".
Protagonizado pelo ator e cantor Seu Jorge, o filme repassa os últimos cinco anos (1964-1969) da vida de Carlos Marighella, membro do Partido Comunista e líder de um dos primeiros grupos de resistência armada contra a ditadura militar. O líder foi morto por agentes do Exército.
Em entrevista a um grupo de jornalistas, Moura, de 42 anos, explicou os motivos que o levaram a fazer seu primeiro longa-metragem - selecionado fora de competição - e como imagina que será sua recepção no Brasil.
Por que você decidiu dirigir um filme sobre Carlos Marighella?
A biografia de Marighella tinha sido lançada em 2012 e as histórias de resistência no Brasil sempre me fascinaram. A Revolta dos Malês, na Bahia, meu estado de origem, os protestos contra a ditadura... Especialmente isso, porque eu nasci em 1976. Mas a minha geração era muito diferente da que lutou. Estava alienada. Esses meninos que agora vão às ruas se parecem muito mais com a geração de 1964 que a minha.
O que Jair Bolsonaro tem a ver com rodar "Marighella"?
Filmamos durante (o governo do ex-presidente Michel) Temer. Então Bolsonaro era uma espécie de piada. Ninguém acreditava (que fosse chegar ao poder). Não quero que este filme seja uma resposta a Bolsonaro. Mas certamente é um dos primeiros produtos culturais abertamente contrários ao que ele representa. Ele mesmo criticou o filme antes de chegar à Presidência.
Como este filme foi proposto quanto à veracidade dos fatos?
Estava claro que tinha que ser um filme, já tem muitos documentários sobre o Marighella. Portanto, há muitas situações e personagens que não existiram, mas a alma do filme tem fundamento sólido.
Como você acha que será sua recepção no Brasil?
Imagino que o filme será criticado pela direita, mas também pela esquerda, que vai garantir que não foi exatamente assim que aconteceu. Estou preparado para tudo, inclusive para que vaiem e joguem lixo na tela. Até para ser agredido fisicamente.
A estreia no Brasil está garantida?
Quero que o filme saia o quanto antes. Mas é um problema. As distribuidoras não têm data, têm medo da reação do governo. O fato de estar na Berlinale e de atrair atenção internacional deve facilitar as coisas.
Como o seu filme abordará o debate sobre o termo "ditadura", num contexto em que algumas pessoas no Brasil falam agora em "regime autoritário"?
Essa é a chave, o relato. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF, o ministro Dias Toffoli) disse que não houve golpe de Estado (em 1964), mas um movimento. O primeiro passo é a mudança semântica, é dizer 'não foi tão ruim'. Todos os governos fascistas começam na semântica. Este filme existe para dizer que a ditadura foi horrível.
Para você, qual é exatamente discurso narrativo do filme?
Que a resistência é importante na história e que os cidadãos têm o direito e a obrigação de resistir às ditaduras, aos Estados violentos e aos que não respeitam os cidadãos.
Carlos Marighella é um antídoto do Pablo Escobar para você?
Os personagens do filme são complexos. Eu não pretendo defender o Marighella. Não é um filme de bonzinhos e vilões, embora pessoalmente não possa não me identificar com os revolucionários.
Quero fazer filmes nos Estados Unidos que não reforcem os estereótipos latinos, especialmente depois de interpretar Escobar, como o que estou rodando agora sobre um diplomata brasileiro assassinado no Iraque.