Chef Rafael Cagali: o único brasileiro a ter duas estrelas Michelin fora do Brasil
No comando do Da Terra, em Londres, Rafael Cagali oferece uma gastronomia internacional com toques brasileiros. No Brasil, ele vai assinar o cardápio do restaurante do novo Daslu Residences
Repórter de Lifestyle
Publicado em 20 de novembro de 2024 às 07h22.
Última atualização em 21 de novembro de 2024 às 10h19.
"Os pratos apresentados de forma impressionante estão cheios de cor, e o menu surpresa é construído lindamente conforme você avança de um prato para outro." É assim que o Guia Michelin descreve o Da Terra, restaurante comandado pelo chef Rafael Cagali. Localizado em Londres, o restaurante ostenta duas estrelas Michelin, sendo o único brasileiro a alcançar tal feito fora do país. A primeira estrela veio apenas oito meses após a abertura, em 2019.
O que parece um feito fácil é, na verdade, o resultado de anos de dedicação e trabalho duro. Cagali construiu sua trajetória ao lado de grandes nomes da gastronomia mundial. Trabalhou com Quique Dacosta e Martín Berasategui, na Espanha, além de integrar a equipe do icônico The Fat Duck, de Heston Blumenthal, na Inglaterra. Também teve uma passagem marcante ao lado de Simon Rogan, antes de abrir o Da Terra. "Essa experiência me ajudou a construir minha identidade na culinária e alcançar onde estou hoje", afirmou em entrevista exclusiva à EXAME Casual.
Apesar de não rotular sua culinária como brasileira ou italiana (refletindo suas origens familiares), o chef utiliza ingredientes e técnicas das duas vertentes gastronômicas. No entanto, ele destaca que sua proposta é oferecer uma experiência única, com pratos que contam histórias. "É a minha casa", costuma dizer sobre o restaurante.
O Da Terra, que funciona de quarta a sábado, oferece um menu degustação a 250 libras (cerca de 1.830 reais). A equipe é composta por 23 pessoas, que ajudam a manter o padrão de excelência do restaurante. Para Cagali, encontrar o equilíbrio entre o trabalho e seu próprio negócio foi um marco pessoal importante após anos em cozinhas badaladas.
Conexão com o Brasil
Entre os objetivos do chef está o desejo de ser mais reconhecido no Brasil. Uma das iniciativas para isso é sua parceria no novo restaurante que funcionará no térreo do Daslu Residences São Paulo, empreendimento que promete ser um marco arquitetônico na cidade. "Esse reconhecimento seria uma oportunidade de inspirar outros chefs e mostrar o valor da cozinha brasileira no exterior", afirma.
Em sua recente passagem pelo Brasil, Cagali participou do projeto Origem Convida, realizado pelo restaurante Origem, em Salvador. Ao lado dos chefs Fabrício Lemos e Lisiane Arouca, ele cozinhou para um público seleto no final de setembro. Aproveitando a ocasião, trouxe quatro integrantes de sua equipe para vivenciarem mais da cultura brasileira.
Durante a visita, Cagali conversou com exclusividade com a EXAME Casual. Confira os principais trechos da entrevista.
Como surgiu a ideia de criar o Da Terra?
A oportunidade veio em 2019, quando um restaurante dentro de um hotel estava fechando. Eu já tinha trabalhado com chefs renomados, como Simon Rogan, e isso me preparou para assumir meu próprio espaço. O dono do hotel apoiou a ideia, oferecendo condições favoráveis para começar. O nome “Da Terra” reflete minhas origens e raízes, mas minha culinária é internacional, com influências brasileiras e italianas. Cada prato conta uma história, e nosso menu é estruturado para criar uma experiência gastronômica única, sem se limitar a rótulos ou tendências.
Por que você acha que o Da Terra conquistou duas estrelas Michelin tão rapidamente?
Acredito que o diferencial está na autenticidade. Muitos restaurantes seguem tendências e acabam repetitivos, mas aqui buscamos uma identidade única. Apesar do toque internacional, incluímos elementos brasileiros, o que é raro na cena gastronômica de Londres. Também investimos muita energia e atenção aos detalhes, criando uma experiência única para cada cliente. Esse trabalho intenso foi reconhecido rapidamente. Conquistar as estrelas foi um marco importante, mas é resultado de dedicação, inovação e muito esforço da equipe.
É mais difícil conquistar ou manter uma estrela Michelin?
Manter é mais desafiador. Conquistar exige muito, mas a manutenção depende de consistência e evolução constante. A segunda estrela reflete uma identidade sólida e construção de um trabalho contínuo. O desafio está em manter o padrão diariamente, já que cada cliente pode ser um inspetor. Por isso, implementei na equipe a ideia de que todos os clientes são VIPs. Isso exige que estejamos sempre atentos e preparados. É um compromisso que envolve paixão e disciplina, mas que define a longevidade do restaurante.
Como você descreve a experiência gastronômica no Da Terra?
O Da Terra é minha casa. Não gosto de rotular como cozinha brasileira ou italiana. Prefiro dizer que criamos uma experiência única com influências globais. Nosso menu é uma narrativa, em que cada prato se conecta ao próximo, criando uma história. Temos pratos com ingredientes brasileiros, mas também misturamos elementos internacionais, como cachaça em uma sobremesa com pistache e caviar. O importante é surpreender e criar uma experiência memorável. Cada detalhe é pensado para envolver e conectar os clientes à nossa proposta.
Quais são os desafios de usar ingredientes brasileiros no exterior?
O maior desafio é encontrar ingredientes autênticos. A cozinha brasileira é muito ligada a produtos locais, e, muitas vezes, não temos acesso a eles em Londres. Por exemplo, mandioquinha é algo comum no Brasil, mas lá usamos batata no lugar. É um processo de adaptação necessário, mas sempre tentamos manter a essência. Isso exige criatividade para recriar pratos sem perder a identidade. É um trabalho contínuo, mas que reforça o quanto valorizamos nossas raízes na composição de cada prato.
Você pensa em começar a trabalhar mais no Brasil?
Meu coração está no Da Terra, e não penso em deixá-lo. Talvez uma consultoria ou algo que conecte minha culinária ao Brasil. Também acredito que é importante fortalecer meu nome no mercado brasileiro. Apesar das conquistas, sinto que ainda sou pouco conhecido no país. Esse reconhecimento seria uma oportunidade de inspirar outros chefs e mostrar o valor da cozinha brasileira no exterior.